Em prol dos oficiais de justiça: TRIBUNAL CONDENA E EDUCA AGENTES DA DIRECÇÃO DE INVESTIGAÇÃO DE ILÍCITOS PENAIS

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Bernardo Adriano, oficial de justiça colocado na 6.ª Secção do Tribunal da Comarca de Luanda, em pleno momento laboral, foi bruscamente interpelado, na quarta-feira, 28 de Abril, e rendido a acompanhar quatro oficiais operativos da Direcção de Investigação de Ilícitos Penais da Polícia Nacional (DIIP). Não fosse a lição agora dada, a “moda pegaria”…

Liberato Furtado

Os quatro agentes “embriagados”, por uma alegada denúncia de familiares, segundo o oficial de justiça, Bernardo Adriano, o distrataram, chamando-o de burlão, e retirando-o do edifício do tribunal para o carro-cela da Polícia.
“Eu fui notificar na cadeia um arguido que tinha de fazer o pagamento de uma caução no valor de 300 mil kwanzas. No entanto, o pagamento é feito no banco e aqui no tribunal é só para se levantar as guias. Por esse facto, liguei para um dos parentes do preso que está em Viana e forneceu-me o número de telefone. Expliquei à senhora que havia uma caução a pagar no valor de 300 mil kwanzas mais 5 porcento e, para todos os efeitos, devia dirigir-se ao tribunal para se levantar as Guias de pagamento”, começa a explicar.
No frustrante dia, narra o que aconteceu. “Eu já aqui no tribunal, hoje, depois de ter falado com a senhora ontem à noite, desço para atender um pedido de um magistrado e, assim que nos separamos, sou surpreendido por dois senhores que me interpelaram, dizendo que vieram ter comigo para fazer o pagamento da caução. Peço aos mesmos para me acompanharem até à 6.ª secção, onde funciono, de modo a passar as guias, para poderem fazer o pagamento no banco. De repente, surgem-me os homens da Polícia e comprimem-me à parede, chamando-me de “burlador”. Em resposta, eu convidei-os a acompanharem-me até à minha secção e terem a oportunidade de se certificarem da legalidade dos actos a serem praticados, mas eles se negaram. Levaram-me à força, com brutalidade. Pegaram-me pelo cinto, levantando uma parte de mim e querendo-me receber a pasta com processos-crime, o que não aceitei entregar”.

“Eu fui notificar na cadeia um arguido que tinha de fazer o pagamento de uma caução no valor de 300 mil kwanzas. No entanto, o pagamento é feito no banco e aqui no tribunal é só para se levantar as guias. Por esse facto, liguei para um dos parentes do preso que está em Viana e forneceu-me o número de telefone. Expliquei à senhora que havia uma caução a pagar no valor de 300 mil kwanzas mais 5 porcento e, para todos os efeitos, devia dirigir-se ao tribunal para se levantar as Guias de pagamento”

Depois de colocado à força no interior da viatura, de Bernardo Adriano foi recebido o telefone e levaram-lhe para qualquer lugar à deriva. “Quando dei por mim, estávamos muito próximo ao Kero no km 24. Quando menos esperava, fizeram o retorno, mas voltaram a parar na Vila de Viana, onde falaram ao telefone. Passaram pela Cuca, São Paulo e, já na Mutamba, paramos junto ao Ministério das Finanças. Ficamos lá mais de dez minutos e o alegado chefe que esperavam não apareceu e, então, acabaram por me trazer ao tribunal, à minha secção, onde se pôde apurar que havia legalidade nos actos que praticava”.
Segundo Bernardo, os familiares disseram aos “brutamontes” que não confiaram na comunicação comigo, porque já haviam sido burlados com entrega de dinheiro para a soltura do mesmo preso e, a posterior, não se concretizou, por isso a atitude de pedir a intervenção da Polícia que encontraram à entrada do tribunal, onde acabavam de deixar presos que seriam sujeitos a julgamento.
“Eu pergunto: foram burlados por funcionários do tribunal? Seria burla, quando o oficial deixou documentos com o preso a certificar e convidou a ir à secção do tribunal, para os devidos efeitos? É difícil crer que a Polícia vem ao tribunal, retira-me à força, sob a ameaça de armas!”, desabafou Bernardo.
IGAI também desonrou o órgão de soberania
Episódio dessa natureza já não é isolado no Palácio Dona Ana Joaquina. Há pouco menos de um, de acordo com o relato de Luísa Paulo, oficial de diligências do mesmo tribunal, vários agentes da IGAI foram até àquele tribunal e, enquanto trabalhava na sua secção, lhe queriam retirar e levar sob os auspícios de uma denúncia nem sequer verificada a preceito.
“Tive um réu em processo sumário em que a juíza arbitrou-lhe uma taxa de justiça de 148 mil Kwanzas. Como não tinha dinheiro para pagar, ele queria que lhe fosse permitido fazê-lo parcelarmente. A juíza aceitou, mas ele entendeu que a quantia resultava numa cobrança ilegal que serviria para mim, tendo em linha de conta que ele ouviu uma coisa em sala de julgamento e o valor a cobrar pareceu-lhe diferente, quando, na verdade, não entendia os termos da liquidação de contas. Foi assim que concluiu que eu estava a aumentar o valor a cobrar. Diante da dúvida do réu, o convidei a ir ao gabinete do procurador, como fiscalizador da legalidade, mas ele não aceitou e entendeu chamar os homens da IGAI”, descreve.
A seguir, os funcionários da IGAI, num total de 14 elementos, sem antes averiguarem a situação nem se identificarem, autuaram-na, dizendo que tinha de os acompanhar. “No entanto, só não me levaram porque estava presente o procurador e a secretária judicial, que fizeram chegar ao conhecimento que aquela informação passada pelo réu não correspondia a verdade. Oportunamente, o juiz presidente também veio à intervenção, chamando à razão os elementos da IGAI e a mim, porque, na verdade, foi uma situação muito constrangedora… Se, ao menos, chegassem identificando-se como funcionários da IGAI e descrevessem a denúncia feita, eu os teria elucidado sobre o assunto, mas eles não me deram explicação alguma nem me deixaram explicar. Simplesmente mandaram-me levantar e exigiam que fosse com eles…”.
Josina Falcão ajuíza agentes “ansiosos em mostrar trabalho”
Josina Falcão, juíza-presidente daquela secção, apercebendo-se da situação em que se encontrava o oficial de justiça, levado sem apelo nem agravo, exigiu que voltassem a transportá-lo ao tribunal, sob pena de tomar medidas contra os colegas que se encontravam lá no Dona Ana Joaquina a cumprirem outra missão, mas que chegaram no mesmo carro sob os mesmos objectivos. Essa atitude salvou o oficial de justiça e terá, até certo ponto, lavado à alma do oficial de justiça visado e dos demais colegas que se uniram na peleja e se mostraram indignados com o atrevimento ou a audácia mesclada de injustiça que se quer tornar “buanja” naquele tribunal.
Assim, mais de dez oficiais de justiça e escrivães com as suas respectivas becas sentaram-se nas cadeiras da frente para assistirem ao julgamento sumário dos oficiais do DIIP, que não se teriam colocado a jeito, ao submeterem o oficial de justiça àquela situação e por afrontarem todo um respeito devido à instituição.
Se na actuação dos agentes da IGAI houve entendimento a posteriori e sem responsabilização judicial, dessa vez, na actuação dos oficiais operativos da Direcção de Investigação de Ilícitos Penais da Polícia Nacional, a acção resultou em julgamento, com a mobilização de vários funcionários do tribunal inconformados com o rumo dos acontecimentos num órgão de soberania, onde se pode entrar e sair com um dos seus membros sob subserviência e apeado dos seus direitos.
Depois de ouvidos, em fase de produção de prova, a procuradora junto ao Ministério Público, Ludmila da Purificação de Carvalho, pediu a absolvição dos dois denunciantes e a condenação dos quatro agentes da Direcção de Investigação de Ilícitos Penais da Polícia Nacional.
“Com os réus, Jamal David Chipemba, Adi José Francisco Sacakala, Pedro Paulo Alberto e António Receado Razão Mendonça, o Ministério Público não tem dúvida quanto à culpabilidade dos mesmos, pois, cometeram sim os crimes de que vêm indiciados, pois existem, nos autos da matéria colhida, provas suficientes para os imputar responsabilidade. Os mesmos são agentes e sabem perfeitamente como devem ser feitas as actuações aos cidadãos, pois, faz parte da sua tarefa diária, para além de receberem formações no sentido, até porque os mesmos disseram que trabalham na investigação já há anos e o departamento em que estão colocados no momento é uma área destinada à investigação da situação criminosa e só depois procede à detenção sob juízo de certeza”, frisou a magistrada.
Assim, é entendimento do Ministério Público que os arguidos agiram no calor da emoção, talvez na ânsia de mostrar algum trabalho, que, mesmo com a ausência de flagrante, mesmo estando dentro de um tribunal, não tiveram o mínimo interesse em averiguar se o ofendido dizia ou não a verdade. “Entendo que, na ânsia e necessidade de fazer o trabalho, devemos ter muita atenção ao lidar com os utentes, com a informação que recebemos, porque claramente o trabalho deve fluir, mas devemos fazê-lo da melhor forma possível, pois não basta só trabalhar, tem de se trabalhar bem”, apelou.
Admitindo que é uma situação vergonhosa que deve servir para a reflexão não só para os agentes como aos presentes, tendo em conta que a imagem do ofendido, dos restantes oficiais e do tribunal fica manchada, a procuradora requereu a pena de prisão efectiva “pois só assim se fará justiça”.
Para o juiz Tutri Kieleka António, a atitude dos polícias de investigação de ilícitos penais constrangeu o oficial de justiça, com tratamento cruel e degradante, que levou a uma situação vexatória e até humilhante, para quem estava simplesmente a cumprir o seu dever laboral. Assim, absolveu os dois familiares que fizeram a denúncia, por entender que não houve má-fé, mas quanto aos polícias da DIIP, dois foram condenados à prisão efectiva de 30 dias e outros dois com prisão suspensa. No entanto, vão os quatro pagar multas e indemnização em quantias acima de 500 mil kwanzas.
“Por tudo quanto foi dito, o tribunal julga parcialmente procedente a acusação e, em consequência, absolve os senhores Bernardo Vemba da Silva e Sony Martins da prática dos crimes de que vêm acusados, porquanto não ficaram provados, mandando-os ir em paz. Por outro lado, condena os senhores Jamal David Chipemba, Adi José Narciso Sacakala, Pedro Paulo Alberto e António Receado Razão Mendonça à pena de prisão de quinze dias pela prática do crime de coação; multa de 30 dias, em razão de 75 Unidade de Referência Processual, pela prática do crime de injúria e vão ainda condenados à pena de prisão pela prática do crime de abuso de poder os arguidos Pedro Paulo Alberto e António Receado Razão Mendonça, enquanto que os arguidos Adi Narciso Sacakala e Jamal Chipemba vão também condenados à pena de 30 dias de multa em razão de 75 Unidades de Referência Processual, pela prática do mesmo crime”, teceu o juiz.
Ponderadas as circunstâncias e tendo em atenção o grau de participação dos arguidos Jamal David Chipemba e Adi José Narciso Sacakala, o tribunal suspendeu a execução da prisão, sob a condição de os mesmos, no prazo de 15 dias, efectuarem o pagamento de uma indemnização por danos morais ao ofendido, Bernardo Adriano, fixado em 100 mil kwanzas para cada um. Os co- arguidos, Pedro Paulo Alberto e António Receado Razão Mendonça, ficam também obrigados a indemnizar o ofendido pelos danos morais, com a quantia de 200 mil kwanzas cada um.
Ficam, por força do cúmulo jurídico, condenados à pena única de 30 dias de prisão efectiva e obrigados a indemnizar o ofendido por danos morais com a quantia de 200 mil kwanzas para cada um. Vão ainda os arguidos condenados ao pagamento de uma taxa de justiça, no valor de 88.000,00 kwanzas e 5.000,00 kwanzas de emolumento ao defensor oficioso.
Ademais, exarou-se o mandado de condução à cadeia aos réus Pedro Paulo Alberto e António Receado Razão Mendonça e de soltura aos demais.

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