Militar no banco dos réus: POR MATAR MARGINAL EM DEFESA DOS FILHOS

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Em liberdade condicional, Teixeira André Matos, efectivo das Forças Armadas Angolanas (FAA), responde por homicídio contra Simão Kutubiala, ocorrido no bairro 28 de Agosto, Golf 2, por, supostamente, vandalizar a residência dos filhos.

 Felicidade Kauanda

O julgamento de Teixeira André Matos decorre na 13.ª Secção da Sala Criminal do Tribunal da Comarca de Belas e está encerrado de histórias mal contadas, sobretudo pelos declarantes ao seu favor, os seus filhos, deixando indícios de que se  quer acobertar o acusado.

O réu, Teixeira André Matos, começa por contar que, quando regressava de uma visita aos filhos, por volta das 19 horas do dia 19 de Março de 2020, no bairro 28 de Agosto, sito no Golf 2, recebeu um telefonema da filha, Marcelina José Matos, informando que estavam a ser invadidos por um grupo de jovens. 

Voltando para prestar ajuda, deparou-se com um dos vizinhos que lhe advertiu que, se chegasse em casa dos filhos, o matariam. Mais adiante, avistou o seu irmão mais novo, André Matos, ao volante de uma viatura Toyota Hiace, com quem foi à casa onde vive, para buscar uma arma de fogo do tipo AKM,  que estava na cabeceira, carregada com 30 munições. 

Voltando para prestar ajuda, deparou-se com um dos vizinhos que lhe advertiu que, se chegasse em casa dos filhos, o matariam. Mais adiante, avistou o seu irmão mais novo, André Matos, ao volante de uma viatura Toyota Hiace, com quem foi à casa onde vive, para buscar uma arma de fogo do tipo AKM,  que estava na cabeceira, carregada com 30 munições. 

Após pegar, dirigiu-se à residência dos filhos. Constatando a imensa multidão no portão, efectuou um disparo, supostamente para a dispersar. Depois foi para o interior da casa, apagou as luzes, enquanto os filhos saíam. Reforça que, atendendo o número de pessoas, solicitou auxílio da força militar, tendo o comandante da unidade a qual pertence mandado um patrulheiro. 

Teixeira André Matos conta, ainda, que apesar de a arma estar carregada com 30 munições, sua intenção não era matar, posto que, se assim fosse, atingiria dez ou vinte pessoas. Acrescenta, por outro lado, que só tomou conhecimento que alguém morreu pelo disparo quando estava na esquadra. Todavia, frisa, por intermédio da sua família, custeou as despesas do óbito.

Entretanto, as declarações dos filhos do réu, nomeadamente, Marcelina Matos, Miguel Nzau Matos e Fidel Matos, foram confusas e contraditórias, pois, não falavam com precisão o real motivo da presença dos alegados invasores na residência deles. 

Entre rodeios, Marcelina negou que foi ela quem avisou ao pai, por via telefónica, que estavam a ser invadidos, justificando que não tinha saldo no telemóvel para tal. Por outro lado, depois de várias vezes questionada, disse, à instância do Ministério Público, que antes da invasão, alguém lhe informou que os irmãos Fidel e Miguel estavam a ser agredidos na rua, tendo, por isso, enviado uma mensagem ao pai. 

Frisou que, apesar de se encontrar gestada, na época, foi agredida fisicamente, junto com os irmãos mais novos,  por alguns invasores, enquanto  os outros vandalizavam a casa.

Entretanto, disse não saber explicar as circunstâncias em que Simão foi morto, pois, quando aconteceu a confusão na casa do réu, encontrava-se na esquadra policial, a prestar declarações, tendo ido para casa depois, onde tomou conhecimento da tragédia por intermédio da sua irmã Rosária.

Por outro lado, Miguel Nzau Matos, 14 anos, assim como Fidel, de 16, contaram que tão logo tomaram conhecimento da presença do grupo de marginais, num número superior a 20, tentando arrombar a porta, fugiram pelo tecto. Quanto à alegada agressão, Miguel declarou que, dias antes, brigou com um dos elementos deste grupo, mas sem usar qualquer objecto e, no dia posterior à invasão, com a morte de um deles, foi perseguido pelos mesmos. 

Lembra que depois destes terem chegado à sua casa e ele tendo refugiado-se na casa ao lado, ouviu um disparo de arma de fogo e, depois, os vizinhos a gritarem “morreu um”. Quanto aos  amigos do malogrado, declarantes presentes na audiência de julgamento, Miguel disse conhecer apenas um de vista, identificado por Alfredo, pois lhe viu apenas uma vez na academia onde o seu irmão, Fidel Matos, treinava. Por outro lado, contrariou-se, dizendo, que não sabe quem eram os invasores e se traziam objectos para agredi-los. 

 

Declarante mente e passa para réu

Em termos jurídicos, declarante é aquele que presta informações, com base à realidade dos factos, não podendo mentir em nenhuma circunstância,  sob  pena de ser responsabilizado criminalmente por falsas declarações, diferente de um réu, que é livre de falar ou não a verdade. 

Entretanto, André Matos Manuel, 32 anos, irmão do réu, na qualidade de declarante, disse que, no dia dos factos, saía do serviço, a bordo da viatura que usava como táxi. Depois de a ter encostado no quintal e fechado o portão, avistou os sobrinhos, Miguel e Fidel, a correrem, porque estavam a ser  perseguidos por um grupo de indivíduos que, igualmente, entraram no quintal,  invadiram  a casa e o agrediram fisicamente.

Sem esclarecer como se livrou dos agressores, saiu, com o intuito de ir avisar o irmão, Teixeira Matos. Mas, pelo caminho, encontraram-se e seguiram  para o local da contenda. Depois de estarem no quintal, conta, Teixeira entrou num dos compartimentos da casa, tirou a arma de fogo, do tipo AKM, e, quando chegou à entrada da sala, efectuou um disparo para o ar, o que, segundo André,  foi respostado pelos marginais, reforçando que foram os dois únicos disparos e que, no momento em que se deu, as pessoas gritavam «morreu, morreu».

De forma confusa, conta que, no momento que  se encontrou com Teixeira, este não tinha consigo nenhuma arma de fogo, alegando que a pegou na casa dos filhos. Tal argumento foi contrariado pelo réu, reafirmando que, no momento em que se encontrou com o irmão, estava realmente desarmado, mas, antes de irem à residência dos filhos, ambos teriam ido à sua residência buscar a arma de fogo e depois seguiram ao local da contenda. 

Apesar disso, André mantinha a sua versão e Teixeira, a sua. André insistia, também, em dizer que o irmão fez o disparo à entrada da sala e não ao portão do quintal, o que foi, igualmente, negado pelo acusado, que reitera que o fê-lo ao portão logo que chegaram. Questionado sobre as agressões que diz ter sofrido, apenas disse que foram muitas e que teve de ir a um posto médico para fazer consultas.  

Apesar de várias vezes advertido de que não devia mentir, sob pena de incorrer ao crime de falsas declarações, André Matos mentiu ao tribunal, reinventando os factos e contrariando os depoimentos prestados na instrução primária, o que levou a juíza, Maria da Mata, emitir um mandado de prisão de 72 horas para posterior julgamento sumário. 

Os amigos do malogrado, Simão Kutubiala, contam que não se tratava de um grupo de marginais, nem mesmo o malogrado era delinquente, mas amigos da academia de artes marciais. Alfredo João Morais, de 17 anos, estudante, contou que Simão estava apenas uma semana na academia e o último contacto que teve com ele foi na citada academia, numa altura que foi apenas assistir aos treinos. 

Entretanto, declarou que no dia anterior aos factos, um amigo, de nome Euclides, encontrava-se na academia para treinar. Na sequência, surgiu um jovem desconhecido, trajado de bata branca, por sinal Miguel Matos (filho do réu), que implicou-se com Euclides, resultando numa briga, sendo que, posteriormente, o referido jovem “desconhecido” veio os agredir com ajuda de indivíduos estranhos.

No dia seguinte, conta, por volta das 19 horas, encontrou-se com o malogrado na referida academia, onde apareceu, novamente, Miguel Matos com o seu grupo, munidos com paus, facas,  lâminas e catanas, ordenando  que parassem o treino e foram agredidos fisicamente, sendo que ele foi golpeado com lâmina nas costas, ferimento que teve intervenção hospitalar, ficando em casa cerca de um mês, enquanto Euclides foi agredido com ferimentos na face. Acrescenta que, nesta altura, não mais sabia do paradeiro de Simão, pois já não tornou a vê-lo. 

Entretanto, disse não saber explicar as circunstâncias em que Simão foi morto, pois, quando aconteceu a confusão na casa do réu, encontrava-se na esquadra policial, a prestar declarações, tendo ido para casa depois, onde tomou conhecimento da tragédia por intermédio da sua irmã Rosária.

Por seu turno, Euclides António, outro declarante, afirmou que Miguel Matos teve uma briga consigo no dia anterior, na academia, por tentar acudir um jovem a quem ele exigia que o cumprimentasse. No dia seguinte, conta, Miguel voltou à academia, com cinco ou seis pessoas, armadas com objectos cortantes e contundentes, para reactivar a briga, onde ele e Alfredo saíram feridos.

Ainda assim, disse, foram perseguidos até se refugiarem na residência de Alfredo. Posteriormente, foram à esquadra apresentar queixa, mas, primeiramente, foram aconselhados a ir a uma unidade hospitalar, para tratar dos ferimentos.  Salientou que, durante a perseguição, apareceram jovens que os defendiam, entre eles Simão Kutubiala, mas não sabe dizer como morreu. 

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