Entre desvio de milhões, viaturas e bens alimentares: GESTORES DA ASSOCIAÇÃO DE APOIO AOS COMBATENTES DAS EX-FAPLA NO

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O julgamento tem início a todo o instante no Tribunal da Comarca de Luanda e tem como arguidos dois antigos gestores da organização.

 Liberato Furtado

A Associação de Apoio aos Combatentes das Ex-FAPLA (ASCOFA) foi fundada em 2001, por António Fernando Samora e seus companheiros, tendo sido reconhecida como Instituição pública em 2007. 

Nessa qualidade, a partir de Março de 2011 até Janeiro de 2019, recebeu do Orçamento Geral do Estado (OGE), na sua conta bancária nº 011-218602-011, domiciliada no BPC, por via do Ministério dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria, o valor de AOA 206.633.394,09 (duzentos e seis milhões, seiscentos e trinta e três mil, trezentos e noventa e quatro kwanzas e nove cêntimos). No período de Janeiro de 2016 a Janeiro de 2019, recebeu ainda do OGE mais de 45 milhões de Kwanzas.

A conta em causa, de acordo com os extractos bancários nos autos, era movimentada pelo réu, António Fernando Samora, como presidente da ASCOFA, pela sua mulher, Paula José Manuel, como presidente do Conselho Fiscal e pelo co-réu Florindo Bartolomeu Gonçalves, responsável administrativo e financeiro da instituição.

Relatam os autos que o dinheiro prestado pelo Estado, para beneficiar os associados da ASCOFA, foi ilegalmente apossado pelos co-réus, António Fernando Samora e Florindo Bartolomeu Gonçalves.

O esquema ilícito partia da autorização de saque dada pelo casal ao réu Florindo Bartolomeu Gonçalves que, por sua vez, transferia da conta da ASCOFA para a de António Fernando Samora, e desta feita consumava-se o descaminho do dinheiro do colectivo.

A acusação adianta, a título de exemplo, que em 2018, o Estado depositou para a ASCOFA a dotação de AOA 24.090.599,00 (vinte e quatro milhões, noventa mil e quinhentos e noventa e nove kwanzas). Desse valor, Florindo Bartolomeu Gonçalves transferiu para a sua conta AOA 14.490.000,00 (catorze milhões e quatrocentos e noventa mil kwanzas), além de um levantamento em caixa na ordem de AOA 2.154.00,00 (dois milhões e cento e cinquenta e quatro mil kwanzas).

Rezam os autos que no mesmo “bolo” de 2018, o réu, António Fernando Samora, retirou a seu favor, por meio de levantamento em caixa ou transferência, um total de 3.080.000,00 (três milhões e oitenta mil kwanzas). Outros AOA 2.396.000,00 (dois milhões e trezentos e noventa e seis mil kwanzas) foram levantados do dinheiro em caixa e está por se identificar o autor.

Florindo Bartolomeu Gonçalves, ouvido em interrogatório, na qualidade de financeiro, procurou justificar o levantamento e uso de tais somas, alegando que foram destinados ao pagamento de salários dos funcionários, conforme reza nos autos que também mencionam que o referido arguido elencou, no mesmo diapasão, a compra de material gastável e a requalificação das instalações da ASCOFA.

A propósito, os autos fazem referência que o mesmo réu, no afã da justificação do destino do dinheiro em falta, juntou alguns comprovativos que não amparam na íntegra o desfalque no valor entregue pelo OGE em 2018.

Dando fé aos autos, dos cálculos feitos a partir do montante recebido e gasto em salários para funcionários, somado a outras despesas justificadas em documento, totaliza AOA 1.770.000,00 (um milhão, setecentos e setenta mil kwanzas), um valor que a acusação reputa de “muito abaixo”, comparado aos 14.490.000,00 (catorze milhões e quatrocentos e noventa mil kwanzas) transferidos da conta bancária da ASCOFA para a de Florindo Bartolomeu Gonçalves, além dos AOA 2.154.00,00 (dois milhões e cento e cinquenta e quatro mil kwanzas) levantados directamente.

Enfatiza também a acusação que Florindo Bartolomeu Gonçalves processava para si mesmo os seus proventos mensais (salário) com valores à margem do previsto em folha de salário. Ou seja, tinha um salário de AOA 300.000,00 (trezentos mil kwanzas), quando os demais associados auferiam baixos vencimentos e ainda têm de pagar quota no valor de AOA 1.000,00 (mil kwanzas).

Acordo com a ABC Holding pariu a COOPETAXIS

Nos termos dos acordos entre a firma ABC Holding versus Banco de Poupança e Crédito (BPC), que se estende a outro com o Ministério da Defesa, emerge um compromisso em apoiar os ex-militares das FAPLA e, por assim dizer, foi constituída uma cooperativa de Táxis denominada COOPETAXIS.

Na mesma cooperativa, a ASCOFA, representada pelo réu António Fernando Samora, possuía 30% do valor do capital social, enquanto a ABC Holding detinha 70%.

Nessa senda, a Coopetaxis recebeu da ABC Holding 100 viaturas de marca Toyota, modelo Land Cruiser Prado e 13 mini-autocarros de marca Hyundai, modelo H1, compradas sob o financiamento do BPC.

No  memorando de entendimento, ficou assente que os ganhos provenientes da exploração do serviço de táxi seriam repartidos entre a ASCOFA e a ABC Holding, possibilitando, desta feita, a última honrar os compromissos contraídos com o BPC.

António Fernando Samora foi indicado como o gestor principal da COOPETAXIS e, por sua vez, colocou como directora geral Teresa Mayomona, uma pessoa de sua alegada confiança, pois foi sua secretária particular na ASCOFA.

Acto contínuo, por meio desta directora geral, a COOPETAXIS celebrou um contrato com a empresa Delmatos Group, com o fim de fazer a gestão de uma frota de 14 viaturas da ASCOFA que prestariam serviço de táxi.

O dinheiro proveniente da exploração das 14 viaturas por parte da Delmatos Group foi entregue, em mãos, ao réu Florindo Bartolomeu Gonçalves, que sempre se recusou a assinar os respectivos comprovativos de recepção, ora era depositado na conta bancária da ASCOFA-COOPETAXIS.

No mesmo sentido, entre 31 de Maio a 06 de Outubro de 2017, a Delmatos Group procedeu à transferência, para a conta da ASCOFA, domiciliada no BIC, com o nº 134804604/10/001, a quantia de AOA 5.510.000,00 (cinco milhões, quinhentos e dez  mil kwanzas), fruto da actividade de táxi.  

Já de Maio de 2017 a Janeiro de 2019, saiu, por transferência, da conta bancária da Dalmatos Group, domiciliada no BIC, com o nº 115958724/10/001, a quantia de AOA 29.084.500,00 (vinte e nove milhões, oitenta e quatro mil e quinhentos kwanzas) a favor da ASCOFA e COOPETAXIS.

Os autos revelam também que a Dalmatos Group transferiu ainda, a favor da ASCOFA, a quantia de AOA 1.406.000,00 (um milhão, quatrocentos e seis mil kwanzas), a partir da sua conta bancária nº 063193506/10/001, domiciliada no BAI, e do mesmo modo o fez em benefício da COOPETAXIS, no montante de 3.010.000,00 (três milhões e dez mil kwanzas).

A onda das transferências prosseguiu com o depósito de AOA 1.000.000,00 (um milhão de kwanzas), a favor da COOPETAXIS, um montante que saiu da conta nº071455068710/01, no Banco Sol, titulada pela Dalmatos Group e, em data não precisa, a mesma empresa volta a debitar a sua conta bancária do BCI, nº43505859/10/001, para creditar a ASCOFA  com AOA 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil kwanzas).

O réu António Fernando Samora, não obstante ter sido o gestor da ASCOFA e da COOPETAXIS e, consequentemente, ter o controlo das contas bancárias, nega redondamente o descaminho do dinheiro em causa que, segundo a acusação, se trata de uma quantia acima dos 41 milhões de kwanzas.

Tal realidade, de acordo com os autos, precipitou o desenlace da relação entre a ABC Holding, pois, esta última, vendo-se relegada ao logro, sem reembolso do investimento feito, optou por dar por fim ao apoio que concedia à ASCOFA e que tinha como fim último beneficiar os associados.  

De todo modo, contam os autos, a ABC Holding “apenas conseguiu recuperar 48 das suas 100 viaturas entregues à COOPETAXIS, tendo as demais sido descaminhadas pelo arguido António Fernando Samora”.

Desvio do financiamento da Presidência da República

“A Presidência da República financiou, a favor da ASCOFA, a compra de 67 viaturas, num valor total de AOA 543.025.56,00 (quinhentos e quarenta e três milhões, vinte e cinco mil e cinquenta e seis kwanzas)”, salientam os autos, tendo a concessionária de automóveis SOGEPOWER como fornecedora, paga por via de ordem de saque em sete prestações, ocorridas de Janeiro a Outubro de 2015.

A respeito, os autos sublinham que “do total das 67 viaturas, apenas 29 beneficiaram efectivamente a ASCOFA”, por terem sido distribuídas aos membros da direcção executiva e às delegações provinciais. As demais viaturas, num total de 38, o réu António Fernando Samora “entregou a algumas a pessoas estranhas à ASCOFA” e as demais estão em sua posse ou deu destino por conhecer.

Para que não sejamos fastidiosos, embora termos a longa lista dos alheios à ASCOFA, beneficiados com o recebimento de viaturas, vamos apenas ressaltar alguns nomes:

Suzete Francisco João, líder da Igreja Teosófica Espírita, onde o réu António Fernando Samora é crente, recebeu dois carros, um de marca Lexus  570s (levantada da concessionária por Leonel Cacoma)  e outro com a marca Toyota, modelo Land Cruiser.

António Fernando Samora entregou ainda aos seus filhos, António Fernando e Stilson António Fernando, duas viaturas (uma para cada), uma de marca Kia, modelo Picanto, e outra Suzuki, modelo Jimny. Nelson António Fernando, filho do réu António Fernando Samora, procedeu o levantamento de uma viatura de marca Lexus. Rodeth Gil foi contemplada com a Viatura de marca Lexus 570S.

Das viaturas levantadas à concessionária, rezam nos autos, destacam-se modelos que na ocasião eram topo de gama ou se destacam pela alta cilindrada e preços tal, como Nissan Patrol V8, Toyota Land Cruiser vxr, Ford Raptor F150, Lexus 570 LX, Infinity QX80. Das viaturas também levantadas, chama-nos a atenção um camião de marca Sinotruck, cujo paradeiro se desconhece.

FAA fornecia bens alimentares à ASCOFA

Os autos, ao pormenor, ressaltam que a ASCOFA, desde o 2.º trimestre de 2015 ao 1.º trimestre de 2019, foi sendo beneficiada com bens alimentares diversos, sustentados pela Base Central de Abastecimento (BCA), afecta à Direcção Principal de Logística das Forças Armadas Angolanas (FAA).

Os bens alimentares em referência, entretanto, nunca foram agraciados aos associados da ASCOFA, “tanto é assim que nem estes, nem os funcionários da referida associação souberam, alguma vez, da existência desse apoio em bens alimentares”, destaca.

Repare, os bens alimentares destinados à ASCOFA eram, na maioria das vezes, levantados nos armazéns da BCA por Manuel Dias e Rechardo Manuel, agentes da Polícia Nacional afectos à Unidade de Protecção de Individualidades Protocolares (UPIP) que eram escoltas pessoais do réu António Fernando Samora, conforme salienta a acusação, que negrita que o valor total daqueles bens alimentares têm o custo de AOA 39.612.151,09 (trinta e nove milhões, seiscentos e doze mil, cento e cinquenta e um kwanzas e nove cêntimos), convicção que sai da comunicação fidedigna fornecida pela Direcção Principal de Logística das FAA.

Graus militares à lagardère

Sob o réu António Fernando Samora pesa diversas autorias nos crimes à liça nesse processo. Embora tenha procurado refutá-las em sede da instrução contraditória já realizada, constou-nos, por meio das nossas fontes, que não terá tido bagagem argumentativa provatória que levasse ao descrédito o sustentado em acusação.

António Fernando Samora, segundo os autos, enquanto presidente da ASCOFA, entre os anos 2016 e 2018, aparelhou a emissão de cartões aos associados, “autenticando-os com o carimbo a óleo em uso na referida instituição de utilidade, orientando que se fizesse constar, nos mesmos, graus militares em desconformidade com a real situação militar de cada associado”. Do próprio punho, Samora deu seguimento ao desnorte, ao assinar os tais cartões, assim como os diferentes documentos ou ofícios enviados a diversas instituições.

Defendem os autos que o propósito a alcançar com tal procedimento seria o granjear de “simpatia, respeito e submissão hierárquica dos associados, fazendo com que estes, a sua semelhança, pudessem obter benefícios sociais indevidos junto de órgãos afectos às Forças Armadas Angolanas, prestadores de vários serviços”.

Não se bastando, o réu António Fernando Samora, destacam os autos, pelo seu alarde, convenceu o Ministério dos Antigos Combatentes e Veteranos da Pátria, hoje agregado ao Ministério da Defesa Nacional, que detém o grau militar de brigadeiro das FAA, quando, em abono da verdade, é apenas licenciado à reforma com a patente militar de capitão.

Diante dos factos elencados, António Fernando Samora responde pela prática dos crimes de abuso de confiança em concurso com o crime de falsificação de documentos autênticos ou que fazem prova, segundo a acusação promovida pelo Ministério Público.

Já o co-réu Florindo Bartolomeu Gonçalves responde por de abuso de confiança, ao se apropriar de forma indevida de parte da verba proveniente do OGE destinada à ASCOFA.

ASCOFA actualmente

Hoje, a ASCOFA é uma organização, alegadamente, presidida por António Caetano.

Durante longo período está em disputa a direcção da associação, em meio a troca de denúncias que terão precipitado esse desfecho, ainda que provisório, com a antiga direcção em tribunal.

A associação diz que controla aproximadamente 90 mil membros que estarão integrados em 89 cooperativas agro-pecuárias, 25 de pesca e outras de prestação de serviços, perfazendo um total de 250 cooperativas.

Os associados são ex-militares oficiais, sargentos e soldados da extinta FAPLA. Destes, 15 mil são oficiais que beneficiaram de reforma do Estado Maior General das Forças Armadas Angolanas (FAA).

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