Washington na rota do Governo e da UNITA

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Acompanhando à lupa o que, desde 1992, se vem passando no nosso País em matéria de eleições, os Estados Unidos entraram agora na rota das movimentações diplomáticas que, nos últimos tempos, têm sido feitas em Washington pelo Governo e pela UNITA.

Gustavo Costa

Fonte: NJ 

Embora as suas prioridades no domínio da política externa estejam neste momento viradas para a guerra na Ucrânia, os Estados Unidos não deixam de olhar com atenção para Angola, tendo em conta o seu enorme potencial geo-estratégico na região austral de África.

Fazem-no sabendo que Angola tem plena consciência do papel-chave que os Estados Unidos podem desempenhar na credibilização do seu regime político.

Fazem-no tendo presente que a avaria do elevador social em Angola, a sede de poder e os conflitos eleitorais, são três ingredientes que – se não forem devidamente avaliados e neutralizados – podem alimentar uma combustão social que pode expelir as labaredas para fora das suas fronteiras.

Fazem-no partindo do pressuposto de que, em países como Angola – que atravessam processos de transição política enevoados de incertezas – a observância da transparência eleitoral se afigura crucial para se evitar a instabilidade e o isolamento internacional.

Fazem-no partindo do princípio de que a transparência eleitoral é determinante para transmitir confiança aos eleitores, assegurar a estabilidade, tranquilizar os homens de negócios e atrair o investimento.

Porque toda a gente também já interiorizou que essas mesmas equipas de comunicação conseguem convencer os políticos que assessoram de que, neste domínio, são elas que “mandam” e definem as regras de jogo e não o contrário.

Fazem-no na esperança de que, nas próximas eleições, independentemente da tendência de votos projectada pelas sondagens, os seus resultados venham a ser aceites, de modo absolutamente inequívoco, por todas as partes.

Fazem-no esperando que, liberto de arrogância, o partido que vier a ganhar as eleições saiba observar o mais estrito respeito pelos valores dos adversários.

Fazem-no convencidos de que, por mais polarizada que esteja a ser a corrida às urnas e por mais ensombrado que esteja o nosso processo de transição democrática, as eleições em Angola não podem continuar a desembocar numa estrada recheada de minas e armadilhas, susceptível de provocar instabilidade social.

Fazem-no, enfim, certos de que, ao olharem para o que, de 1992 até 2002, se passou em Angola por causa das eleições, os políticos angolanos terão plena noção de que para contarem com o seu apoio têm de dar eco popular, sem quaisquer sobressaltos, à construção da democracia, impondo-a como uma base sólida para a paz.

Disso parecem ter dado conta o MPLA e a UNITA, que se aqui dentro afinam as suas máquinas eleitorais, lá fora estão envolvidos numa apertada disputa diplomática, tendo como pano de fundo a capital norte-americana.

Nessa disputa diplomática o dinheiro e a eficácia dos lobbies do Governo e da UNITA, a partir de agora, falarão mais alto.

Em jogo estará o poder que, desde a guerra fria, tanto os lobbies afectos ao MPLA, através do Governo, como os lobbies afectos à UNITA, enquanto maior partido da oposição, detêm para influenciar a administração norte-americana sobre a credibilidade ou a fraudulência do processo eleitoral.

A razão é simples: os americanos estão a monitorizar diversos processos democráticos e já advertiram de modo categórico que não estão dispostos a tolerar actos viciados.

Empenhado em tirar partido dessa posição americana, o corrupio começou há dois meses com a ida de Adalberto da Costa Júnior à capital norte-americana para fazer o ponto da situação eleitoral em Angola e pôr a descoberto alegadas suspeitas de fraude, dos quais – a três meses das eleições – a UNITA diz já estar a ser vítima.

O líder do maior partido da oposição não deixou também de falar sobre a discriminação de que está a ser alvo no acesso aos meios de comunicação social públicos, da necessidade de haver fiscalização internacional das eleições e de se introduzir o voto electrónico.

Um mês depois, João Lourenço enviou a Washington o seu Ministro de Estado e Chefe da Casa Militar, General Francisco Furtado, que, acompanhado pelo Chefe de Estado-maior das FAA, General Egídio de Sousa, e pelo número dois da Segurança Externa, Mário Costa, foi recebido pelo Secretário de Estado da Defesa, Lloyd Austin, que raras vezes “dá confiança” aos homólogos africanos.

Este tipo de audiência é reservado normalmente aos mais altos representantes de governos com os quais os EUA têm uma cooperação militar assinalável – seja porque vende armas, seja porque fazem parte da agenda diplomática do Pentágono – como são os casos em África de países como Marrocos e o Egipto.

Não preenchendo Angola esses critérios e não passando a cooperação militar da formação de tradutores e intérpretes, a relevância desta audiência só pode ser justificada com a necessidade que Luanda sentiu de garantir aos americanos que o processo eleitoral reúne todos os pressupostos para não levantar, entre a comunidade internacional, quaisquer tipos de suspeitas.

Apesar de se tratar de uma visita oficial previamente agendada, o General Furtado não deixou de rebater algumas das teses em forma de críticas ao comportamento do governo que haviam sido expostas pelo líder da UNITA.

Depois da presença do Chefe da Casa Militar em Washington, João Lourenço não ficou por aqui e há duas semanas enviou para a capital norte-americana uma missão chefiada pelo seu assessor diplomático Víctor Lima e integrada pelo Ministro da Justiça, Francisco Queirós, para avaliar o nível da temperatura reinante nas relações de Luanda com os Estados Unidos.

Envolta na maior discrição, a presença destes dois altos dirigentes angolanos nos Estados Unidos terá servido basicamente para fazer o balanço do trabalho que tem sido feito junto da administração norte-americana pelos lobbies que trabalham para o Governo e cujos resultados apontam para o aprofundamento da normalização das relações com Washington e para o reforço da confiança mútua.

Mas, o “namoro” entre Luanda e Washington não fica por aqui. Esta semana durante a estadia em Luanda da sub-secretária de Estado dos EUA, Wendy Sherman, duas das questões de acentuada relevância política para o andamento do processo eleitoral trazidas pela governante norte-americana diziam respeito ao processo de acompanhamento das próximas eleições em Angola por missões de observadores internacionais e ao posicionamento do Governo perante a guerra na Ucrânia.

Com o pé no acelerador, as nossas autoridades em contrapartida, aproveitaram para acentuar o empenho do Presidente no combate à corrupção, o compromisso do Governo na observância dos direitos humanos e o alcance do trabalho da Comissão de Perdão e de Reconciliação Nacional.

Mas, nesta frente diplomática, a UNITA continua a dar mostras de que também não pretende ficar de braços cruzados. À boleia do maior partido da oposição, uma delegação da Frente Patriótica Unida, chefiada por Adalberto da Costa Júnior e integrada por Abel Chivukuvuku e Filomeno Vieira Lopes, está de malas feitas para Washington para reforçar as queixas eleitorais da troika, expor o seu plano de poder e apresentar as garantias de que, sob a sua hipotética governação, serão dadas aos investimentos norte-americanos.

Atentos aos passos que estão a ser dados no âmbito da nossa transição política, os Estados Unidos esperam agora estar confiantes de que as nossas lideranças partidárias venham a tomar a realização de eleições imparciais e credíveis como um imperativo político incontornável para a solidez da democracia.

Mas, os Estados Unidos estão atentos também a qualquer tentativa da justeza das eleições vir a ser apenas validada por uns quando estes são declarados vencedores e invalidada por outros quando estes as perdem, mesmo que os observadores internacionais as qualifiquem como isentas.

A primazia e a eficácia do diálogo assente na seriedade e no compromisso para afastar e enterrar a intolerância política e fazer prevalecer o bom senso é outras das grandes preocupações dos Estados Unidos enquanto acompanhante activo do processo de transição política angolana.

Mas, porque será que a apreensão em relação ao desfecho das próximas eleições continua a bater à porta da generalidade dos angolanos?

Porque se, como vem acontecendo em dezenas de outros países, aqui existe o perigo da construção da democracia vir a ser enfraquecida por actos subversivos, não devemos esquecer que, como assinala o conhecido analista e jornalista da CNN Fareed Zakaria, existe também “o perigo da democracia vir a ser enfraquecida de modo perfeitamente legal”.

Porque em Angola os discursos dos líderes partidários continuam carregados de “balas incendiárias” que alimentam uma guerra de palavras hasteada por quem revela manter-se atado a um passado dominado pela exclusão e o ódio mútuos.

Porque ninguém tem garantias de que, encapotados numa oratória cheia de hipocrisia, não voltemos a assistir ao acionamento de disparos verbais por parte dos líderes da oposição ou de quem lidera a governação.

Porque toda a gente já percebeu que as equipas de comunicação dos líderes partidários não estão a ter a autoridade profissional e a coragem política requeridas em momentos tão conturbados como o que vivemos, para lhes imporem determinados limites verbais.

Porque toda a gente também já interiorizou que essas mesmas equipas de comunicação conseguem convencer os políticos que assessoram de que, neste domínio, são elas que “mandam” e definem as regras de jogo e não o contrário.

Porque está ainda por descortinar em Angola a existência de partidos dispostos a deixarem de ver as eleições como um fim em si mesmo.

Logo, sendo os partidos políticos peças importantes para a construção da democracia, é imperativo que os seus líderes saibam que Angola é muito mais importante do que eles e, por isso, não devem perder de vista que se pisarem o risco vermelho, serão responsabilizados e a história não lhes perdoará!

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