MINISTÉRIO DA JUSTIÇA E DIREITOS HUMANOS: TRIBUNAIS E POSTOS DE EMISSÃO DE BI “CHUMBADOS” EM 2022

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As áreas dos tribunais e postos de emissão de Bilhetes de Identidades, afectos ao Ministério da Justiça e Direitos Humanos, receberam nota negativa dos cidadãos, por conta das recorrentes falhas no sistema e péssimo atendimento prestado ao público no ano de 2022.

Felicidade Kauanda

Esta avaliação foi levada a cabo pelo jornal O Crime, em detrimento das recorrentes denúncias que tem recebido por parte dos munícipes espalhados em diversas províncias. Só em Luanda foi instaurado um formulário de inquérito distribuído em diversos postos das áreas afins do Ministério da Justiça e Direitos Humanos, a fim de aferir as constantes reclamações que o referido Ministério tem lidado no seu dia-a-dia.
Resultados do inquérito mostram que as áreas dos tribunais e postos de emissão de Bilhetes de Identidades foram as mais indicadas devido ao péssimo serviço prestado ao cidadão. Com relação aos postos de emissão de BI, os cidadãos apontam a morosidade no atendimento, prepotência e arrogância por parte dos funcionários, falta de humanismo e patriotismo, além de as “idas e voltas”, como classifica um interlocutor, que é característico dos funcionários desta área.
O que nos dias de hoje tinha de ser mais facilitado e menos demorado, devido aos avanços tecnológicos que o país tem acompanhado na esfera global, tratar BI em Angola, particularmente em Luanda, ainda tem sido uma dor de cabeça no corpo de vários munícipes que, em função da realidade de suas localidades, são obrigados na maioria das vezes a madrugar nos postos de emissão, para serem os primeiros da fila e a serem atendidos, sob pena de serem transferidos para um outro dia em função do horário de atendimento ou de alguma irregularidade com o sistema de suporte às aplicações (Software) utilizadas nesse processo. “ O número de pessoas a serem atendidas por dia é reduzido; vezes há que chegas lá às 4 horas da manhã e só és atendido por volta das 12 horas”, lamentou Nelson Mundo.
Para além do processo de emissão que é demorado, os cidadãos também se queixam da morosidade na entrega do BI, que dura cerca de um mês e, em outros casos chega a demorar mais de 30 dias. “Eles dizem que vão ligar ou enviar uma SMS, para o cidadão fazer o levantamento do respectivo documento, mas nunca ligam; o cidadão tem de lá passar quase sempre para saber da situação”, afirmou Madaleno Chico, que reforça ainda que tem vezes que o cidadão é obrigado a faltar no posto de trabalho para resolver situações que em média demorariam 30 minutos ao invés de três a cinco horas.
Quanto aos tribunais, os cidadãos são unânimes em apontar a morosidade, arrogância, falta de bom censo, profissionalismo e responsabilidade, para além da burocracia como aspectos negativos dos funcionários desta área do Ministério da Justiça e Direitos Humanos. Os cidadãos inqueridos por este jornal, alegam ser desgastante as idas e voltas por conta de uma simples situação, em que os respectivos funcionários públicos não conseguem resolver em tempo recorde.
A título de exemplo, são os constantes atrasos das audiências de julgamento nos tribunais, que geralmente começam duas a três horas após o horário previsto ou até mesmo chegam a ser canceladas sem aviso prévio. Outro sim, tem que ver com a morosidade na marcação das datas de julgamento, que faz com que vários cidadãos desistem de acompanhar o processo em função da falta de celeridade. Os inqueridos acusam também o SIC e a Polícia Nacional (órgãos do Ministério do Interior) de falhas na investigação, sendo que sem provas que acompanham os processos em tribunal, vários infractores ou criminosos são postos em liberdade. “Eles só trabalham bem quando lhes convém”, frisou Inês Francisco, de 33 anos, para posterior contar que facto idêntico aconteceu a um vizinho seu que foi assassinado por dois jovens do mesmo bairro, mas que foram inocentados por falta de provas, que a mesma diz ter sido distorcidas por efectivos do Serviço de Investigação Criminal. “É frustrante, incentiva a pessoa a procurar justiça por mãos próprias”, desabafou.
Outro quesito mencionado são as famosas “solturas”, que tardam a chegar, mesmo que já ultrapassado o período da pena. Não se sabe ao certo se acontece por conta do esquecimento ou falta de acompanhamento dos processos junto dos serviços penitenciários. Maringá Samuel, ex presidiário, conta que passou três anos na comarca, acusado de um crime que diz não cometer, tendo sido absolvido volvidos quase três anos por falta de provas. O mesmo refere que foram os piores anos da sua vida no interior do “xadrez” e, revela que várias vezes foi espancado por efectivos do SIC sem motivo aparente e que, após soltura, nem se quer recebeu um pedido de desculpas de nenhum departamento a referir sobre a sua injusta prisão. “Perdi o emprego e oportunidade de crescer e, ninguém se responsabiliza por esses transtornos”, lamentou, para adiante anuir que em Angola a justiça é selectiva
O ex-presidiário conta ainda que durante o tempo que passou na cadeia, partilhou o xadrez com outro recluso que já tinha cumprido a pena na totalidade, porém não era solto e ficou por lá mais algum tempo. “Só sabem condenar, soltura que é bom não chega no devido momento”, rematou.
Todavia, Teresa Moreira, esposa do activista “Tanaece Neutro”, que foi preso em Janeiro do ano passado, mostrou o seu descontentamento aos órgãos de justiça do país, chegando a apelar à intervenção do Presidente da República, João Lourenço. Em causa estava a saúde de seu esposo que se encontrava debilitado na cadeia Hospital Prisão de São Paulo. “Tanaece Neutro precisava passar por uma intervenção cirúrgica por conta de seu estado de saúde o que não aconteceu por causa do sistema judiciário do país que é selectivo e medíocre”, disse. Relembrar que Osvaldo da Silva Moreira, ou simplesmente “Tanaece”, foi detido a 14 de Janeiro de 2022, em Luanda quando supostamente fazia um vídeo em directo nas redes sociais, proferindo palavras injuriosas contra as autoridades angolanas e exigia a libertação de outro activista, Luther Campos, também conhecido por “Luther King”, detido dias antes. Posterior, Tanaece foi condenado a pena suspensa de 1 ano e 3 meses de prisão, pelo crime de ultraje ao Estado.
Para além da pena suspensa, o tribunal obrigou-lhe ainda, a gravar um vídeo a se retratar ao Presidente da República e à Polícia Nacional, que seria divulgado igualmente nas redes sociais, orientação não acatada pelo activista.

PROFISSIONAIS RECONHECEM DEBILIDADES DO MINISTÉRIO

Os operadores de justiça entrevistados pelo jornal O Crime, que preferiram anonimato, reconhecem debilidades nos serviços e contam que os problemas são antigos, justificando a morosidade dos processos a condições precárias de trabalho. Desde a falta de transporte para notificar um arguido, pilha de processos para poucos funcionários, falta de papel e tinteiro para as impressoras e agendas de trabalho.
De acordo com os mesmos, o número de processos em que um oficial de justiça é encarregado, é superior ao normal, daí a morosidade na resolução de alguns processos. Na falta de papéis ou tinteiros, os documentos são enviados num pendrive para serem impressos em outros locais adjacentes ao tribunal. “Os magistrados e outros assistentes são obrigados a permanecer na sala, à espera do escrivão que recorreu noutras secções para puder trazer o documento impresso e em seguida ser assinado e, isso demora algum tempo”, declarou.
É inadmissível que nos dias de hoje, este ministério apresente problemas de índole básica, que até as agendas de anotações são adquiridas pelos próprios funcionários, o que nos remete a um retrocesso do tamanho do céu. Ainda assim, a comunicação entre os departamentos, como contam, não funciona de forma eficaz por conta dos métodos arcaicos ainda em utilização. “Comunicamo-nos ainda por via de papel”, lamentou.
Quantos aos atrasos das audiências de julgamento, referem que acontece frequentemente devido ao processo de distribuição de réus presos nos tribunais, uma vez que tem dias que apenas uma única viatura dos serviços prisionais é escalada para a ocasião ou não são avisados de possíveis atrasos na distribuição por parte dos efectivos dos serviços prisionais. “ Tem vezes que só uma viatura distribui os réus nos tribunais do Benfica, do Palácio Dona Ana Joaquina e do Kilamba Kiaxi, essa rotina leva tempo”, justificaram e aguardam esperançosos que para o ano as coisas mudem para melhor servir o cidadão.

Reacção do sindicato dos oficiais de justiça

“ESTÁ EM CARTEIRA A SEGUNDA FASE DA GREVE”

Em exclusivo ao jornal O Crime, o secretário-geral do SOJA, (Sindicato dos Oficiais de Justiça de Angola), Joaquim de Brito Teixeira, adiantou estar em carteira a segunda fase da greve, com o propósito de pressionar o Ministério de tutela a atender as reclamações constantes no caderno reivindicativo, dentre elas, a melhoria nas condições de trabalho, como explica na entrevista a baixo. Referir que o SOJA foi reconhecido oficialmente em 2014 e tem como objectivo principal defender os interesses dos funcionários junto do Ministério da Justiça e Direitos Humanos e do Conselho Superior da Magistratura Judicial.

O Crime – Atendendo as reclamações que a classe enfrenta, que culminou em greve, em Novembro último, houve algum entendimento entre as partes?
Joaquim de Brito Teixeira – Depois da grave que terminou no passado dia 17 de Novembro, não houve, até aqui, qualquer consenso com a entidade empregadora (Conselho Superior da Magistratura Judicial).

O Crime – Quais reclamações constam no vosso caderno reivindicativo?
Joaquim Teixeira- Do caderno reivindicativo que remetemos ao Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ), constam a melhoria das condições de trabalho, seguro de saúde, estatuto remuneratório, meios de transportes, identificação profissional a todos os oficiais de justiça e as suas devidas prerrogativas previstas por lei, regulamento dos oficiais de justiça, comparticipação emolumentar, estímulo aos oficiais de justiça a par dos magistrados judiciais, promoções, entre outras reclamações. Vale referir também que estas reclamações já foram enumeradas nos períodos anteriores e, até hoje, não são atendidas. Trabalhamos sem melhores condições de acomodação; temos em faltas cadeiras, secretárias, folhas A4 e nos cartórios em grande parte, as salas não são climatizadas.

O Crime- Estas dificuldades interferem na celeridade dos processos?
Joaquim Teixeira- De certo modo sim, tanto que a falta de materiais e comodidade condicionam o bom funcionamento dos postos judiciários.

O Crime- Há oficiais de justiça que utilizam seus próprios materiais para a realização de um julgamento? Joaquim Teixeira- É verdade! Há muitos oficiais que tiram dos seus próprios bolsos, dinheiro para comprar algum material em falta. Muitos julgamentos só são realizados por conta do heroísmo e comprometimento dos oficiais de justiça e, este cenário deve mudar, pois também temos famílias para sustentar.

O Crime- O que nos tem a dizer sobre as condições dos tribunais, em particular os da primeira instância?
Joaquim Teixeira- As condições dos tribunais de primeira instância são deploráveis, não oferecem qualquer dignidade a quem recorre aos serviços de justiça e, é inacreditável que, nos dias de hoje, os tribunais em Angola estejam em condições desagradáveis.

O Crime- O que os oficiais de justiça esperam deste novo ano (2023)?
Joaquim Teixeira- Esperamos que haja melhorias e que nossas reivindicações sejam atendidas na íntegra, caso contrário, continuaremos a pressionar a entidade empregadora.

O Crime- Quais sugestões o sindicato deixa aos órgãos competentes?
Joaquim de Teixeira- Sugerimos que a entidade empregadora tenha vontade e bom censo em querer negociar, que não olhe o sindicato como opositor ou grevistas. Apelamos também aos nossos associados muita calma e serenidade, pois está em carteira a segunda fase da greve.
Importa referir que o presidente do tribunal supremo, Joel Leonardo, durante a sua intervenção na cerimónia de abertura do Ano Judicial – 2022, ocorrida na província do Huambo, anunciou a criação dos Gabinetes de Assistência ao Cidadão junto dos tribunais, para que os serviços possam atender as reclamações e acolher as sugestões dos serviços de justiça. “Há necessidade de se ouvir mais os cidadãos”, referiu reconhecendo, as inúmeras reclamações recebidas diariamente, pelas longas demoras dos processos nos tribunais.
Citou ainda, que as providências cautelares, que, por força da lei, decorrem com urgência, mas que também demoram, originando que as tramitações não observem a velocidade típica da natureza e finalidade específica dos referidos expedientes judiciais.
Recorda-se também, quanto à celeridade na emissão do Bilhete de Identidade, o ministro da Justiça e Direitos Humanos, Marcy Lopes, falou recentemente que estão a ser feitos programas que vão acelerar o processo de emissão de bilhetes de identidades e outros documentos.
Quanto às falhas nas investigações, que nalguns casos favorece os criminosos, que são colocados em liberdade por falta ou insuficiência de provas no tribunal, o jornal O Crime contactou o porta-voz do SIC, Superintendente-chefe de investigação criminal, Manuel Halaiwa, a fim de se pronunciar sobre o assunto, este por sua vez prometeu dar declarações nos próximos dias.

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