A história de um jornalista que já viveu nas ‘trevas’: “JÁ ME DROGUEI E ROUBEI… MAS TUDO ISSO FICOU PARA TRÁS”

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António Dumbo Sacuvaia é um jovem que entrou de cabeça ao mundo das drogas, mas conseguiu abandonar o vício, graças ao apoio incondicional que recebeu de amigos. De ambulante para jornalista, acompanhe o percurso dessa história de superação.

Honorina Kiampava

Aos 14 anos, isto em 2000, veio a Luanda, com o propósito de obter melhores condições de vida para ele e para a sua família. Era este o seu pensamento e objectivo, antes de deixar a província de Benguela.

“A influência de alguns amigos de infância, que sempre que viessem a Luanda e quando regressassem levavam consigo roupas novas e bicicletas (BMX), estimulou-me na decisão de conhecer Luanda, mesmo sabendo que não tinha ninguém com quem poderia contar, ao vir à capital”, diz.

Lembra, com bastante certeza, do dia 15 de Abril de 2000, quando tirou duas cadeiras brancas da casa da sua avó, que morava no bairro 70, onde cresceu, e as vendeu a AKZ 160.,00 (cento e sessenta kwanzas), tendo tal valor servido de suporte para a sua viagem. “Fui até ao mercado da Caponte, onde apanhei um táxi até ao Lobito. Não conhecia o porto do Lobito, mas foi perguntando e acabei por lá chegar”.

Apenas com um saco preto, onde tinha dois calções, duas camisas, bilhete de identidade, sete bananas, três pães e um cantil (bidão) de kissangua, comprou o bilhete de passagem do barco (Catronga- pequeno porte) por volta das 14 horas, e partiu do Lobito quando eram 19 horas, numa viagem turbulenta, com as chuvas a se abaterem por cima deles, até chegarem ao Kikombo, Cuanza-Sul, onde, em virtude da guerra, se apanhava os autocarros para Luanda.

“Eram por volta das 5 horas da manhã… chegávamos à berma da praia do Kikombo, onde acabávamos de atracar. Fui abordado por dois agentes da Polícia que, entre tantos que lá se encontravam, faziam um cordão para identificar cidadãos nacionais e estrangeiros. Fui obrigado a mentir aos agentes que tinha sido deixado pela minha mãe para poder seguir o meu percurso até aos autocarros para Luanda”, lembra, com nostalgia.

Como o objectivo era fazer poupança até chegar em Luanda, pediu ao cobrador que lhe cobrasse a metade do valor oficial da viagem, para que restasse algum no bolso, uma vez que não tinha noção para onde estava indo. Assim, sentado no chão do corredor do autocarro, partiram de Kikombo às 13 horas e chegaram em Luanda pela madrugada. O destino dos autocarros era o Roque Santeiro, onde existia parques de carregamentos e descarregamentos de passageiros. Aí pernoitou até o amanhecer.

“No dia seguinte, já acordado, andei pelas ruas do Sambizanga, à procura de algum conhecido, mas não encontrei ninguém. Sem mais dinheiro para pagar o parque, para pernoitar, decidi recorrer às barracas do Roque e conheci alguns jovens, a quem pedi para pernoitar naquele dia de quarta-feira”, diz, acrescentando que passou a viver nas barracas. Em troca de abrigo e comida, juntou-se aos jovens que lavavam pratos de uma das vendedoras, conhecida por senhora Maria, que os dava matabicho e almoço. Foi assim durante 11 meses.

A salvação

Por influência dos que encontrou naquelas barracas, António aprendeu a fumar cangonha (liamba) e a usar libanga. Era uma “obrigação” do chefe de um grupo de jovens que viviam nas barracas, chamado “Bala 10”. “Meses depois, tornei-me num viciado em fumar liamba e usar drogas, situação que só cheguei a deixar quase dois anos depois de ter sido acolhido pelas madres do Dom Bosco.

Durante os meses que com elas ficou, conta, passou por um processo de ressocialização, sendo que o facto de viver em uma família cristã ajudou-lhe muito a adaptar-se e a mudar o rumo da vida, deixando as drogas.

A nova vida

“Depois de ter saído das madres, tornei-me vendedor ambulante. Nessa altura, já tinha encontrado vários amigos de Benguela, que ajudaram-me a entrar no mundo da zunga”, disse, lembrando que passou a viver com os amigos de Benguela, numa casa de passagem, no Sambizanga, bem ao lado do mercado do Pombinha, com a mãe de um dos amigos, a quem, carinhosamente, tratam por tia Ana, mas às noites compravam as suas refeições, vendidas em sacos de plásticos.

No Sambizanga, ainda como ambulante, entrou para um centro de formação profissional e fez o curso de inglês, por influência de um amigo a quem chama de Dr. Romeu.

Daí, só boas novas passaram a surgir, como ele próprio narra. “Em 2007, consegui o meu primeiro emprego, na zona da Samba, numa empresa onde trabalhei como lavador de carros durante dois anos”.

Em 2008, matriculou-se num colégio em Viana, na zona da Robaldina, onde passou a frequentar a 8ª classe. No mesmo ano, foi convidado, pelo jornalista Ernesto Samaria, a ser assistente do programa Hora Máxima, da Rádio Despertar. Foi nestas vestes, e com o apoio do apresentador (Samaria), que despertou-lhe o desejo de enveredar à Comunicação Social.

“Comecei como assistente e, com o tempo, fui evoluindo. Fiz algumas formações básicas, até que um dia, em 2009, tornei-me pivô naquela rádio!”, conta, eufórico.

Para somar a alegria, em 2013, foi convidado a juntar-se a uma equipa que produzia o programa Angola Rural, emitido pela Televisão Pública de Angola, começando na área de pesquisa, depois passou a repórter e, posteriormente, como repórter redactor.

Com a ajuda do jornalista Gustavo Silva, aprendeu a fazer a notícia e a escrever melhor. “Uma pessoa, de trato fácil, de quem serei grato a vida toda”, reconheceu.

Trabalhou no referido projecto durante 5 anos e, desde aquela altura, nunca mais saiu da comunicação. “Hoje, trabalho como repórter e editor de um dos jornais online no país, com muita visibilidade, o Correio da Kianda, projecto que abracei em 2017, depois de ter sido convidado”.

António Dumbo Sacuvaia vive em Luanda há quase 20 anos, uma vida feita sem familiares por perto, mas mostra que conseguiu passar por vários muros de dificuldades, sendo que, actualmente, está a frequentar o terceiro ano do curso de Direito.

“Maior parte dos amigos que conheci no Sambizanga, que depois acabaram por tornar-me mulas e vendedores de droga, acabaram por morrer, por consequência do consumo e alguns em função da ligação com o mundo da criminalidade”, lamenta, por isso, agradece sempre a Deus pelos livramentos, porque sempre acreditou, que foi graças a Ele que está vivo. “Já fumei, já me droguei e já roubei, mas tudo isso hoje ficou para trás. Sou uma pessoa nova e renascido de espírito novo”.

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