Afastados do seio familiar: MENINOS DE RUA TÊM OS SONHOS MUTILADOS

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Há, na capital do país, inúmeras crianças que fazem da rua o seu abrigo. Expostas ao frio, sem condições alimentar e higiénicas, estão propensas a adquirir diversas doenças, ficando, assim, violados os seus direitos, como à educação, habitação, saúde e recreação, segundo a Convenção sobre os Direitos da Criança, ratificada por Angola em Dezembro 1990.

Por: Jaime Tabo

Na Avenida Deolinda Rodrigues, Largo da Independência, à distância, vê-se Kelson (nome fictício) sob um papelão ao relento, nos últimos minutos do seu pesado sono. Descoberto e trajado apenas de uma velha t-shirt e um calção acima dos joelhos, o estado trémulo é justificado pelo frio que ainda assola.

5 horas e 50 minutos, o rapaz de 14 anos desperta e dobra o seu papelão, preparando-se para mais uma jornada de menino de rua. O forte abraço que dá ao seu companheiro de “trincheira”, no reencontro matinal, expressa o sentimento de vitória sobre a dura noite na rua.

“Meu sonho é ser militar e ter um futuro melhor”, responde de primeira. Tão jovem e da sua boca já sai palavras como “a vida na rua não é fácil e, por vezes, nos drogamos para não encarar a nossa pesada realidade”. Entretanto, consciente de que é preciso estudar para alcançar os sonhos, Kelson diz-se impedido por falta de condições financeiras.

Para tanto, o programa de combate à fome e à pobreza, levado a cabo pelo governo, não tem significado na vida desse rapaz que está na rua há seis meses, devido à “falta de alimentação em casa”.

Augusto Silvano (nome fictício) é outro adolescente, morador de rua, que nos revela que, dia após dia, tem estado a acostumar-se com a dureza de ser menino de rua, referindo, no entanto, que uma vez a outra regressa para a casa, em Viana, para ver a família, que ele abandonou por conta da tortura física que sofria no lar.

“A verdade é que, por vezes, ser menino de rua parece, aos olhos da Polícia, cometer crime, porque muitas vezes fomos recolhidos por estarmos simplesmente na rua”, revelou, ao lembrar-se do pesado dia em que a Polícia os recolheu do Largo da Independência e deixou-os à sua sorte em meio a matas de Catete, onde foram agredidos fisicamente pelos agentes.

Guilherme, que vê a bússola da vida a indicá-lo para um itinerário contrário do que augurava para o seu futuro, lembra, com um olhar distante da realidade, que “meu sonho é ser piloto de avião”. O mancebo parou de estudar na sétima classe e viu-se inabilitado para frequentar a classe posterior, devido às dificuldades da vida. “A minha avó vende bombó com jinguba e não serve para arcar com as despesas da escola”, disse Guilherme, que nem sequer tem registo de nascimento e bilhete de identidade.

O menino tem nas pedonais do Golfe 2, município do Kilamba Kiaxi, a sua cama de todas as noites há um mês, quando, depois de uma briga no bairro Prenda, onde vivia, em que acabou ferindo um dos envolvidos na cena, passou a ser perseguido para ser espancado, vendo-se obrigado a abandonar o bairro e, sem mais família na capital, viu na rua o único refúgio.

A rotina dos meninos de ruas

Ao pé do pavilhão de basquetebol, junto do Instituto Médio de Economia de Luanda (IMEL), é onde grande parte dos meninos se congregam para o merecido “repouso”. Finda a longa e dura noite, agudizada pela estação climática, pelas 6 horas, todos devem despertar para a luta pela sobrevivência.

Em busca do pão, andam pelas artérias da cidade, nos contentores de lixo, recolhendo latas para, posteriormente, pesarem nos comerciantes senegaleses. Com o pouco dinheiro que conseguem, alimentam-se de pão e salsichas congeladas durante o dia, comprometendo, assim, a saúde.

Alternativamente, põem-se de estrada em estrada, aproveitando o trânsito apertado para pedir esmola. Nessa acção, muitas vezes a resposta tem sido o fechar dos vidros. Outros andam mesmo pela calçada, interpelando os transeuntes, para “kota, dá só 100 para eu matabichar”.

No fim do dia, ao cair do sol, por vezes, fazem uma contribuição e depois cozinham em papelões ou carvão, tendo as latas de chouriço ou manteiga como substitutas das panelas.

Desta maneira, por volta das 21 horas, cada um arruma o seu leito. Uns estendem papelões e outros lençóis apanhados no lixo. O facto mesmo é que, de qualquer modo, é ali onde tentam reclinar as suas cabeças.

O crime e a prostituição como meio de sobrevivência

“Na rua, parece que a queda pelas drogas é inevitável”, afirma um menino de rua, na vila de Viana, que diz já ter sido detido por quarenta dias, depois de partir, propositadamente, o vidro traseiro de uma viatura. “Estava drogado, lotei o carro e o cobrador não quis pagar”, justificou.

Segundo o nosso interlocutor, cujo nome omitimos, muitos adolescentes da rua têm visto no roubo um escape da fome. “De noite, simulam ser passageiros e, na luta pelo táxi, roubam os pertences alheios”, denunciou.

A prostituição é outra saída que constatámos, porquanto, na Escola Nzinga Mbandi, município de Luanda, algumas adolescentes vendem os corpos ao preço de 1200 kwanzas. É o caso de Guarida (nome fictício), 17 anos, que, com um corpo avantajado e rosto esbelto, garante ser mais feliz com a vida que leva. “Assim não passo fome e já não durmo na rua”, falou, com um sorriso encantador.

Psicóloga apela resgate das crianças de rua

A psicóloga clínica, Domingas Gabriela, em entrevista a este jornal, apelou ao Instituto Nacional da Criança (INAC) e ao Ministério da Família, Acção Social e Promoção da Mulher que resgatem, com a máxima urgência, as crianças de ruas, dando-lhes acompanhamento psico-social, para que se previna um mal maior, “a criação de novos marginais”.

Para esta académica, as crianças na rua estão desprotegidas e crescem sem referência paternal. “A figura paterna é de extrema importância para o estabelecimento de vínculos afectivos, responsabilidade e referência social. Os pais são os pilares da moral e a sua ausência cria rupturas na estrutura psíquica”.

No entanto, esclarece que crianças sem uma referência moral, expostas à rua, estão vulneráveis a todo tipo de má influência que as leva a adquirirem maus comportamentos e o consequente ingresso à criminalidade, toxicodependência e à prostituição.

No capítulo das causas que levam crianças às ruas, a psicóloga aponta “a pobreza, consumo de bebidas alcoólicas e a violência doméstica” como as principais.

Centro de acolhimento de Viana

Graças à pandemia da Covid-19, muitas crianças de rua foram albergadas, pelo Governo de Luanda, no Centro de Acolhimento de Viana, Kikuxi. Em finais de Março, homens e mulheres da Administração Municipal e Agentes de Desenvolvimento Comunitário e Sanitário (ADECOS) recolheram das ruas centenas de crianças, adolescentes, jovens e, até mesmo, idosos para os levarem ao novo lar de três andares e boas condições para os hóspedes.

Além da administração e figuras públicas, há muitas associações filantrópicas e empresas que oferecem roupas, alimentos e outros bens ao centro, e, para reforçar, existe uma horta onde se cultiva a couve e o repolho, principalmente.

Dividido em seis blocos, os quartos têm camas suficientes para acolher entre quatro a seis pessoas. Pela manhã, os abrigados devem acordar às 6horas e cuidarem da higiene local. Às 9 horas, é servido o pequeno-almoço e, nas horas subsequentes, as outras refeições.

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