As garras de Falcão: JUÍZA ABRE PROCESSO-CRIME CONTRA ENTIDADES DO SIC E ADVOGADO ENVOLVIDOS EM BURLA

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Aquela que seria somente a leitura da sentença de quatro efectivos do Serviço de Investigação Criminal (SIC) e dois civis, envolvidos um roubo de AKZ 163.900.000,00 (cento e sessenta e três milhões e novecentos mil kwanzas), pertença de um cidadão estrangeiro, acabou sendo uma verdadeira demonstração da mão pesada da Justiça.

Por: Felicidade Kauanda

Josina Falcão, brava juíza do Tribunal Provincial de Luanda, não poupou esforços para mostrar, a quem quer que seja, que a lei está acima de cargos e influências, ao exarar um despacho, em plena audiência de julgamento, que despoleta um processo-crime contra vários efectivos da Polícia Nacional.

O processo inicial é constituído por seis arguidos, dos quais, quatro efectivos do SIC, nomeadamente, o inspector-chefe Jacinto da Conceição Agostinho Marcolino, os oficias Josimar Gomes Pedro “Jamanta”, Barnabé Moisés e Edson Castelo, e dois civis, Cláudio António dos Santos e Belo Miguel dos Santos, sob a acusação dos crimes de roubo qualificado, prisão ilegal, peculato e concussão.

Segundo o acórdão, lido na 6.ª Secção dos Crimes Comuns, ficou provado que os efectivos do SIC cometeram os crimes de que foram acusados, o que resultou na condenação dos mesmos a uma pena de seis anos de prisão maior e ao pagamento de um milhão de kwanzas, como taxa de justiça, e indemnização ao ofendido, dos valores surripiados.

Cláudio Santos, por seu turno, pegou cinco anos de prisão efectiva, enquanto Belo dos Santos esteve minimizado com seis meses de prisão suspensa, que foi convertida em multa. Este último, para além dos crimes referenciados, pesou-lhe também o crime de falsas declarações.

Após ler a sentença, Josina Falcão exarou um requerimento para despoletar um processo-crime de burla por defraudação, em que constitui arguidos, os réus Belo Miguel dos Santos e Cláudio dos Santos, este por ter mentido no interrogatório, prestado ao SIC, dizendo-se proprietário de AKZ 63.000.000,00 (sessenta e três milhões de kwanzas), valores supostamente apreendidos no dia 4 de Janeiro do ano passado.

No mesmo processo-crime, inclui-se, também, na condição de arguido, o advogado do réu Cláudio, Hélder Caetano Neto, a quem foi depositado os valores, na sua conta bancária domiciliada no BPC, bem como o procurador Jaime Prata, que autorizou a entrega.

A juíza ordenou, ainda, que se constituam arguidos, o Comandante da 5ª Esquadra da Divisão da Maianga, Ernesto João dos Santos e outros cinco agentes da Ordem Pública da referida Esquadra, que auxiliaram no procedimento ilícito dos réus, e os declarantes Pedro Lufunguila, director do SIC, e Alexandre Higino Carneiro, oficial da Polícia, por não terem denunciado os factos, apesar de saberem que se tratava de crime.

Advogado e constituinte contrariam-se

Inconformado com o acórdão, Hélder Neto, advogado de defesa do réu Cláudio dos Santos, interpôs recurso. Todavia, o seu constituinte, condenado a cinco anos de prisão efectiva, declarou, em entrevista a este jornal, ter esperado por uma pena maior, pois, alega, a acusação relatava inúmeros factos que o incriminavam.

“Esperava por uma pena bem maior, não essa que me foi aplicada” referiu, adiantando, depois, “esperava que me perguntassem sobre a proveniência do dinheiro, o que não se fez, o Gaucia Quebe deveria ser investigado. À alma vem-me um sentimento de tristeza, eu era sócio e escolta do ofendido. Sei que ele é criminoso, esse dinheiro tem proveniência ilícita, vem da lavagem de dinheiro, e roubo de viaturas”.

Apesar de o tribunal dar como não provado a sua efectividade na Polícia Nacional, Cláudio confirmou ao “O Crime” que pertence à corporação, “sou sim agente da Polícia, o tribunal deveria ir ao Comando Geral, onde pertenço, para se certificar, e não em outro departamento onde foi”.

A confissão dos réus em audiência de julgamento

julgamento e não terem confessado os factos, os mandatários dos réus pediram ao tribunal que os ouvisse novamente, alegando que pretendiam trazer factos novos.

A instância atendeu o pedido, começando por chamar o réu Bernardo Moisés que, de forma voluntária, esclareceu que os valores estavam em três caixas, sendo que a primeira contagem, feita na presença de todos, incluindo os detidos, totalizou AKZ 83.000.000,000 (oitenta três milhões de kwanzas).

Da quantia referida, os efectivos retiraram AKZ 20.000.000,000 (vinte milhões de kwanzas) para si, tendo o réu Bernardo ficado com AKZ 5.000.000,000 (cinco milhões de kwanzas) e os demais beneficiado com outra quantia.

Depois, foram chamados os co-réus Édson Castelo, Josimar Pedro e Jacinto Marcolino, que reproduziram, fielmente, as declarações do réu Bernardo, acrescendo, apenas, um pedido de desculpas e arrependimento pela sua conduta. Finalmente, afirmaram que Cláudio dos Santos teria sido a fonte pois dava as coordenadas da viatura que se fazia transportar o ofendido e o dinheiro em causa.

Eles disfarçaram uma operação “Mártires seguro”

Segundo os autos, o réu Cláudio dos Santos, que alega ser agente da Polícia e que tinha uma empresa de segurança privada, prestava serviço de escolta ao cidadão estrangeiro, Mussa Quebe, na transposição de dinheiro da província de Luanda para Lunda Norte.

No dia 4 de Janeiro de 2019, Diab Baba, que trabalhava com Mussa Quebe, solicitou a Cláudio o transporte, de Luanda para cidade de Lucapa, província da Lunda Norte, da quantia AKZ 163.900.000,00 (cento e sessenta e três milkões e novecentos mil kwanzas), disfarçada em três caixas de papelão.

Cláudio alertou ao oficial Alexandre Higino Carneiro Manuel da existência de tais valores, tendo este, por sua vez, informado ao inspector-chefe Jacinto da Conceição Marcolino, afecto ao SIC-Geral, contando que, à madrugada, sairia uma viatura Toyota, modelo Hilux de cor branca, com a matrícula LD-85-98-GI, do bairro Mártires do Kifangondo, com avultadas somas em dinheiro, com destino à Lunda Norte.

Na qualidade de inspector-chefe, Jacinto Marcolino, de imediato, comunicou ao seu superior, Pedro Lufunguila, declarante nos autos, que ordenou, verbalmente, que fosse impedir a saída da referida viatura e, consequentemente, a apreensão dos valores.

Para o efeito, Jacinto Marcolino convocou seus colegas, Josemar Gomes Pedro, também tratado por “Jamanta”, Barnabé Moisés, e cinco efectivos da polícia da Ordem Pública, colocados na 5.ª Esquadra da Divisão da Maianga, incluindo o comandante, Ernesto João dos Santos.

Trajando farda, por volta das 22 horas, os agentes rumaram ao município de Viana, precisamente no Km30, defronte à empresa chinesa de montagem de automóvel Zenza, aguardando pela viatura denunciada.

A uma hora da madrugada, a viatura esperada foi interceptada quando por aí passava, com a soma em referência, ou seja, AKZ 163.900.000,00 (cento e sessenta e três milhões e novecentos mil kwanzas).

Seguidamente, Alexandre Higino Carneiro Manuel e Jacinto Marcolino simularam prender os quatro ocupantes, entre eles Cláudio, Inácio Calamba Bartolomeu, um cidadão conhecido apenas por Gérson e o expatriado Mussa Quebe, bem como as três caixas de dinheiro e a viatura Toyota Hilux em que se faziam transportar, levando-os ao SIC-Geral, onde abriram e contaram os valores de apenas uma, num total de 83.000.000,00 (oitenta e três milhões de kwnazas).

Questionados a quem pertencia os referidos valores, Cláudio dos Santos, categoricamente, respondeu que eram seus. No dia seguinte, 5, Cláudio, Inácio e Gérson foram postos em liberdade, sem que fossem apresentados ao Ministério Público, tendo Mussa Quebe permanecido na cela por cinco dias.

O ofendido, Mussa Quebe, alegou que, durante a sua detenção, foi obrigado, pelos réus, a assinar um documento sem ler, ficando a saber, apenas posteriormente, que se tratava de um auto de apreensão dos valores encontrados na sua viatura, quando nem sequer assistiu à contagem até ao final.

Na ocasião, Jacinto comunicou ao seu superior, Pedro Lufunguila, do sucesso da operação, referindo que se tratava de AKZ 83.000.000,00 (oitenta e cinco milhões de kwnzas,), corrigindo, depois, para  63 milhões, valor transferido, posteriormente, para a conta do advogado Hélder Caetano Neto, constituído por Cláudio, pelo facto de ter alegado que era o proprietário.

Em defesa no tribunal, os réus alegaram ter agido em função da operação “Mártires Seguro”, que visava a contenção de venda de divisas na rua e a retirada de massa monetária que estivesse fora do circuito bancário, facto que o tribunal deu como não provado, posto que, no relatório conclusivo da alegada operação, não constava nem o nome do suposto arguido, Mussa Quebe, nem mesmo aparece dados estatísticos.

O tribunal referiu que os réus, nas diligências enquanto agentes da Polícia, agiram de forma arbitrária, por não haver qualquer ordem expressa, mandado ou fiscalização de um magistrado do Ministério Público.

Para o tribunal, ficou patente que, realmente, existiam três caixas de dinheiro apreendidas, mas não se aclarou o paradeiro das outras duas, tendo os réus alegarem que não sabem.

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