As provas falam por si: DE ONDE SAIU A BALA QUE MATOU O TAXISTA NO LARGO DAS HEROÍNAS?
O jovem taxista, Alberto Lembegeca Augusto, 31 anos, perdeu a vida, durante um confronto à mão-armada entre as forças da Ordem e um grupo de marginais, no Largo das Heroínas, município de Luanda. Estão detidos quatro indivíduos como principais suspeitos do homicídio.
Engrácia Francisco
Um mês depois do infausto acontecimento, continuam acesas as chamas em torno da morte do jovem taxista, ocorrido no dia 21 de Abril, por volta das 17 horas, no Largo das Heroínas, durante um confronto entre a Polícia Nacional e os marginais.
O porta-voz da PN, Nestor Goubel, alegou que tudo começou quando os agentes que faziam patrulhamento na avenida Ho Chi Minh interpelaram dois indivíduos, a bordo de uma motorizada. “Durante a abordagem, foi detido um suspeito em posse de uma arma de fogo, enquanto o outro colocou-se em fuga”, disse.
“Naquele instante, surgiram outros três suspeitos, a bordo de uma viatura, efectuando disparos contra as forças policiais, acabando por atingir mortalmente um automobilista que circulava nas imediações do Largo das Heroínas”, disse Nestor Goubel, acrescentando que “os mesmos elementos, armados e perigosos, abandonaram a viatura, onde foi capturado um deles, enquanto os outros dois refugiaram-se no edifício inacabado, na rua Comandante Gika. Face ao cenário, foram accionadas as forças da Polícia de Intervenção Rápida, Serviço de Investigação Criminal, em colaboração com o Comando Provincial de Luanda, realizaram uma operação de busca ao edifício que terminou com a detenção dos dois suspeitos”, afirmou o porta-voz da PN.
Segundo o comunicado, os quatro elementos detidos e os meios apreendidos já foram encaminhados aos órgãos competentes para a instauração do processo-crime de homicídio qualificado e de associação criminosa. “Foi recuperada uma viatura de marca Suzuki Yaris, de cor vermelha, uma arma de fogo, modelo star, com oito munições que estavam em posse dos meliantes”, concluiu.
Familiares e amigos clamam por justiça
Familiares e amigos da vítima mostram-se indignados com a posição da Polícia Nacional, em torno do caso. “A Polícia não mostrou nenhum sentimento de solidariedade com o malogrado, limitou-se apenas a dizer que o povo estava contente, porque os marginais foram detidos. Quem nos garante que não foi a Polícia que matou, ao invés dos marginais?”, questionam.
“A família não quer se basear no «ouvi dizer», queremos certeza, por isso é que existem especialistas no país, é para trabalhar com clareza e verdade. Não se admite que antes de qualquer perícia feita no local do crime, o porta-voz da Polícia Nacional, Nestor Goubel, vem a público afirmar que foram os marginais que mataram, abdicando-se completamente de qualquer responsabilidade criminal”, alegam, acrescentando que “todos nós vimos que foi uma troca de tiros e, nestas circunstâncias, nunca se sabe de concreto de quem é a culpa, até que se faça uma boa investigação com base aos elementos ou vestígios probatórios encontrados no local do crime”, concluíram.
“O cobrador nos informou que o nosso filho não sabia de nada, ele vinha inocente, enquanto a Polícia efectuava vários disparos contra os marginais, e um dos tiros atingiu o meu filho. A Polícia devia lançar um alerta e impedir que as pessoas se aproximassem naquele perímetro ou, ao menos, que tivessem noção do que estava a se passar”, acresceu indignado o pai do malogrado, António Augusto.
Na sequência, referiu que “não foram os bandidos que mataram, porque o cobrador que estava no carro com o meu filho confirmou que foi a Polícia, por outro, eles não mostraram nenhum sentimento com a morte do meu filho, apenas aplaudiram a detenção dos marginais. Quero que se faça justiça, porque ele era pai, filho e irmão, a vida dele não devia terminar assim”.
Fernanda Joana, mãe do malogrado, visivelmente agastada, falou ao jornal que não quer mais nada além de justiça pelo seu filho. “Quero justiça, quero o meu filho, porque a Polícia é quem matou. Como eles vão disparar no meio de pessoas inocentes e indefesas?”, indagou aos gritos.
Por outro lado, a mulher do malogrado, Líria Cagiza, desolada pela perda, fez saber que, naquele dia, o seu marido só estava de falida no serviço de táxi, porque no dia seguinte começaria a trabalhar numa empresa de frescos, no KM 30. “O meu marido ligou para mim às 16 horas, a pedir para engomar a roupa dele para no dia seguinte ir ao serviço e assim fiz. Ligou novamente para cuidar de uma pasta e, em menos de 30 minutos, ouvi que ele foi baleado”, lamentou a viúva.
Líria Cagiza vivia maritalmente com Beto há mais de dez anos. Fruto da relação, o casal tem duas filhas menores, 9 e 5 anos de idade. “Numa casa sem a presença do pai não tem graça e as minhas filhas estão acostumadas com o pai, elas não dormem sem o pai, perguntam por ele a toda hora. Eu já não tenho ninguém…”, clama, acrescentando que “a Polícia está a tentar ocultar, está a dizer que foram os marginais, mas foram mesmo eles que mataram. Quero justiça… o meu marido era muito calmo, não se complicava com ninguém”.
Alberto Augusto é lembrado pela família e amigos como uma pessoa de trato fácil e acarinhada por muitos. “Até no dia da sua morte, ele salvou muita gente no carro, não conseguiu baixar, porque tinha que ficar atento ao volante, por causa das pessoas que estavam no carro.
“Era impossível o tiro ser dos bandidos”
Passado um mês desde o triste episódio, Santos Gonçalves Mawila, o jovem que trabalhou como cobrador na viatura com o malogrado Alberto Augusto, mais conhecido por Beto, conta ao pormenor para o ‘O Crime’ como tudo aconteceu.
“Eram 17 horas, quando saíamos do São Paulo, em direcção ao Zamba 2. Inocentes do que estava a ocorrer, porque em momento algum a PN comunicou a população da acção. Postos no Largo das Heroínas, fomos surpreendidos com vários disparos de arma de fogo”, recorda.
Mais adiante, acrescentou, “na atrapalhação, o Beto tentou abrir a curva, para ir em direcção ao Alvalade, e foi atingido na nuca. Os marginais estavam de frente à viatura e os polícias atrás de nós, por isso, reitero que quem matou foram os agentes da ordem pública, pela farda que usavam”.
No dia seguinte à ocorrência, a equipa do jornal deslocou-se ao local, onde ouvimos várias testemunhas e a opinião foi unânime: “a Polícia vinha atrás do Hiace e o i10 estava frente ao taxista. Naquele momento, a PN fazia disparos contra os meliantes, chegando frente ao Largo das Heroínas, uma das balas atingiu o motorista do Hiace. A bala entrou pelo vidro traseiro e atingiu a nuca do motorista, no momento, o mesmo tentou resistir e ainda teve força de travar o carro”, contam as testemunhas oculares.
“Naquele instante, a PN não se apercebeu que uma de suas balas atingiu o motorista do Hiace e continuaram a perseguir os meliantes que escaparam, enquanto a vítima dava os últimos suspiros”, alegaram.
Segundo o comunicado da Polícia Nacional, aquando da ocorrência, foi apreendida uma arma de fogo, modelo Star, com oito munições em posse dos marginais, deixando, assim, por explicar vários elementos para se determinar de onde veio o tiro que acabou com a vida do jovem que estava em serviço para levar o pão à mesa da família. Por esse motivo, entrega-se a responsabilidade a quem de direito para mostrar se, de facto, o povo angolano pode ou não se sentir seguro com os órgãos de Segurança do Estado.
“Só o laboratório de criminalística poderá determinar de onde saiu a bala”
Segundo o presidente da Câmara dos Criminólogos de Angola, João Mário Kabeya, o Serviço de Investigação Criminal, através do seu Laboratório de Criminalística, tem a responsabilidade de esclarecer a autoria do disparo, com base aos elementos probatórios encontrados no local do crime.
“No âmbito da especialidade criminológica ou da forense, que é a ciência que desvenda o crime, existe o CSI, que significa Cenário de Investigação Criminal, local onde ocorre o crime e este tem procedimentos próprios, o isolamento, para a sua protecção, porque é aí onde se encontra todos os elementos que servirão de prova para o processo”, disse o especialista.
Mais adiante, João Kabeya esclarece que, no local do crime, ocorre o processo de colecta de vestígios, cuja transformação servirá de indícios, tornando-se, depois, evidências e, finalmente, em provas materiais do crime e esse processo todo é levado a cabo pela equipa de criminalística no âmbito da junção da cientificidade e policiamento.
A criminalística poderá acusar ou inocentar os envolvidos
De acordo com o criminólogo João Kabeya, no local do crime nunca faltam provas para os esclarecer. “Um investigador francês dizia que onde acontece um crime, sempre existe vestígios do criminoso. Olhando para o cenário, foram usadas armas de fogo e a Polícia tem diferentes tipos de armas de fogo, por isso, não devemos nos precipitar em acusar tanto os meliantes como a Polícia Nacional, porque já está a decorrer os procedimentos para averiguação real de quem é o autor do disparo que causou a morte do taxista”.
Ademais, o especialista explica que “o que atinge o individuo é o projéctil que sai do estojo ou cápsula e essa cápsula, que a essa altura já deve estar em posse do Serviço de Investigação Criminal, através do seu laboratório, que determina onde saiu a bala. Nesta fase, acredito que o SIC já tem mais ou menos ideia de onde saiu o disparo, porque é um órgão do Estado capaz de esclarecer a situação”, explicou.