Aumento da criminalidade: LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA OU BELO PRAZER?

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A criminalidade é um câncer que enferma a sociedade mundial, não importando a idade ou o extrato social, e o nosso país não é excepção. Por cá, muitos jovens, e também adolescentes, optam pela prática como meio de subsistência ou por modismo.

Mayomona Paxe

Em muitos bairros da cidade capital, mais a mais na periferia, adultos e crianças, munidos de armas brancas ou de fogo, assaltam em residências ou transeuntes, sendo que em casos mais extremos chegam a enlutar famílias. E a pergunta que se coloca é: por que será que estas pessoas enveredam por estas práticas, ao invés de formarem-se ou procurar por emprego?
A resposta por esta e outras perguntas encontrámo-las nos testemunhos de vários cidadãos com quem conversamos, durante uma ronda que o jornal O Crime efectuou por alguns bairros da periferia de Luanda. A nossa jornada começou no bairro A Vitória é Certa, um musseque do município do Kilamba Kiaxi.
Lá, encontramos Charles Simeão, um cidadão desempregado aos 52 anos, e pai de oito filhos, que, confrontado com a questão, sem papas na língua, revelou que os seus filhos, adultos e adolescentes, não trabalham e nem estudam, mas, de quando em vez, colocam comida à mesa, fruto dos assaltos que praticam na rua. Embora reconheça que não é o mais acertado, “é a forma que eles viram para sobreviver”, diz.

Lá, encontramos Charles Simeão, cidadão desempregado aos 52 anos, e pai de oito filhos, que, confrontado com a questão, sem papas na língua, revelou que os seus filhos, adultos e adolescentes, não trabalham e nem estudam, mas, de quando em vez, colocam comida à mesa, fruto dos assaltos que praticam na rua.

Questionado sobre a escolaridade dos filhos, socorre-se da cantiga: “o país não ajuda, Angola é um país que mata sonhos”. Sonhos estes que, segundo ele, foram frustrados a partir do momento em que não pôde pagar, em uma escola pública, para que a entrada de um dos filhos fosse aceite. Aliás, sustenta, pagava AKZ 3.500,00 (três mil e quinhentos kwanzas), mensal, numa escola privada, mas que, a dado momento, teve que decidir entre a formação dos filhos e a comida. “Primeiro o estômago”, sublinhou.
Como consequência, disse ele, cansados de ficar em casa, sem estudar e tampouco algo para comer, decidiram ir à rua delinquir.
Ainda naquele bairro, muitos moradores, ouvidos pela nossa reportagem, afirmaram, como que em coro, que, por lá, as pessoas aprendem a roubar desde a tenra idade, justificando o acto com a fome e a pobreza extrema que assola aquela circunscrição.
No Banga Wé, Golf 1, conhecemos `Da mamã´, como é conhecido o adolescente Vicente Afonso, de 17 anos. De estatura baixa e bem irreverente, ostentando vários brincos na orelha e anéis de metal em oito dos dez dedos, como se de artista se tratasse, revelou que tinha o sonho de ser um médico, “pois nutre uma verdadeira paixão em cuidar de quem está enfermo”.
No entanto, acrescenta, por falta de possibilidades dos pais para o inscrever numa escola de saúde, viu o seu sonho gorado. Órfão de pai, e com mãe “zungueira”, `Da mamã´, disse fartar-se de comer milho torrado com chá, por isso, abraçou o mundo do crime. “Não faço isso por puro prazer, é mesmo a luta pela sobrevivência”, elucidou, sublinhando “ou arriscas ser preso para teres algo para comer ou morres à fome”.
Apesar da sua pouca idade, explicou que já fez de tudo um pouco para ter o necessário, fora do crime, como, por exemplo, lavar carros. “Mas não ajudou muito, queria algo que pudesse resolver as minhas necessidades de forma rápida”, notou.
“Angola é um país rico e com muitos recursos minerais, é inadmissível a população estar a viver em extrema pobreza. As pessoas não têm o que comer, tudo está caro, e, para piorar, os jovens que tinham de ser a força motriz para o desenvolvimento do país são os mesmos que, por falta de emprego, viraram delinquentes e criminosos”, desabafou Leal Mundunde, morador do bairro Katinton, no distrito urbano da Maianga.
Nos três bairros por onde passamos, Vitória-é-Certa, Banga Wé e Catinton, cada um parece ser uma autêntica cópia do outro, partilham dos mesmos problemas sociais, como a precariedade no sistema de electrificação, becos apertados, ruas esburacadas, como se de teatro de guerra haviam servido, e valas a céu aberto. Os casebres degradados de alvenaria não rebocados são o cartão portal destas zonas, espelhando, a olho nu, a miséria porque vivem os seus inquilinos.
A semelhança é também partilhada no modo de vida das famílias, onde o pais são, na sua maioria, desempregados e mães zungueiras, sendo estas últimas as provedoras dos lares.
Chuva Vs criminalidade
A chuva é um fenómeno natural, pode ser prevista pelos institutos de meteorologia, mas as suas consequências são reais e sentidas pela população. Em muitos casos, como os que foram reportados pelos nossos interlocutores, os criminosos aproveitam-se dela, chuva, para fazerem das suas, principalmente em zonas de difícil acesso ou com pontes improvisadas para passagem de pessoas e bens.
Na zona do Wenji-Maka, no bairro Sapú, município do Kilamba Kiaxi, por exemplo, os moradores relatam que não tem sido fácil sair e regressar à casa em épocas de chuva por conta, também, dos amigos do alheio, que vêem no fenómeno uma ocasião para assaltar.
Sobre uma ponte de madeira improvisada, os delinquentes cobram a travessia no valor de AKZ 100,00, pela ida e volta.
Jacira Baptista, moradora, afirma que a cobrança tem sido apenas a luz do dia e que, no período da noite, os delinquentes chegam a assaltar os pertences daqueles que pretendem usá-la, realçando que foi assaltada na companhia do seu namorado, quando pretendia fazer a travessia para o outro lado da sua casa. “Primeiro pediram dinheiro da travessia, dei, posteriormente, ameaçaram-me com uma faca e levaram a minha bolsa, onde também estava o meu telefone e 3.300,00 (três mil e trezentos kwanzas)”, afirmou, ao frisar que a zona está muito perigosa.
“Os meliantes assaltam à luz do dia, sobretudo se pretendes fazer a travessia e não tiveres valores para pagar, eles mandam para passar sobre a água e, quando o fazes, te agridem com garrafas e catanas e recebem-te tudo que tens”, desabafou Pedro Nteco, morador da circunscrição.
O mesmo cenário é, também, vivido pelos moradores do Wenji-Maka e Victória-é-Certa, na famosa “vala do tio Manuel”. Ali, foi possível divisarmos a presença de vários jovens à volta da ponte, fazendo o uso de bebidas alcoólicas e de estupefaciente. Não pudemos chegar muito perto, pois os jovens pareciam com cara de poucos amigos, e os moradores haviam entendido o recado, pois não circulava muita gente naquele local, preferindo dar a volta e usar vias alternativas.
Delinquentes entre os lotadores
São muitos os jovens e adolescentes que, tentando contornar a pobreza e o desemprego, encontram no serviço de lotação dos táxis um meio de sobrevivência. Alguns são pais de família, outros apenas para sustentar os seus vícios e outras necessidades.
É um trabalho digno, que tem vindo a ganhar corpo, embora muitos taxistas manifestem o seu descontentamento quanto ao modo de actuação destes, já que, no seu meio estes existem, também, os malandros, dado o número de queixas de roubos e furtos nas várias paragens por supostos lotadores.
De seu nome verdadeiro Simão Tandomesso, é chamado entre os amigos e colegas de “Pica Pau”. Este lotador, de 23 anos, que há mais de dois anos exerce o ofício na zona da rotunda do Camama, afirma que realmente há delinquentes que lotam carros, mas que os mesmos aparecem mais no período nocturno ou quando as paragens estão cheias, ao que, se aproveitando da escuridão e da confusão provocada pela luta do táxi, retiram pertences das bolsas e bolsos dos passageiros. “É triste quando nos confundem com gatunos, muitos de nós só entramos nessa vida por conta do sofrimento que passamos nas nossas casas: não há emprego, não estudamos muito por falta de condições financeiras e, para não ficar em casa a morrer de fome, gritamos em troca de cinquenta kwanzas”, desabafou.
A paragem do Calemba 2 é das mais famosas em casos de assaltos, tanto à luz do dia como à noite, que, segundo testemunhas, não conseguem diferenciar quem é o lotador e quem é o assaltante, “porque todos ficam misturados no mesmo local”, assevera Lopes, ou simplesmente “Lopera”, responsável dos lotadores naquela zona. O responsável clarifica que existem lotadores credenciados pelas associações de taxistas, que geralmente usam coletes para melhor identificação, e lotadores singulares, sendo que, dentre estes, é difícil identificar quem é gatuno e quem não o é. “Nestes casos, quando apanham um infiltrado, tão rápido levamo-lo para uma unidade policial próxima”, explica

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