Condenado em primeira instância: EMPRESÁRIO FRANCISCO YOBA CAPITA PISCA O OLHO AO CASO LUSSATY

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2028

O réu foi condenado a 7 anos de prisão e ao pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, no valor de 5 milhões de kwanzas, a ressarcir, por danos patrimoniais, um total de 760 milhões de kwanzas, com juros de mora de 10% até que pague na íntegra e que os meios apreendidos devem ser entregues ao ofendido, coronel José Tchiwana, como parte do pagamento.

 Liberato Furtado

O empresário Francisco Yoba Capita, que denunciou ter sido contratado para transportar contentores com dinheiro, levado a julgamento pelo facto, sob a queixa do então financeiro da Unidade da Guarda Presidencial (UGP), coronel José Tchiwana, foi julgado pelo tribunal da Comarca de Belas, na 14.ª Secção, num julgamento que teve cinco sessões.

O juiz da causa, Kissok Nziko, relatou que ficou provado, em tribunal, que os danos patrimoniais foram avaliados no valor de 580 milhões de kwanzas e 130 mil dólares americanos.  No entanto, “acrescido do juro de mora que, nessa data, está fixado em 175 milhões de kwanzas”.

O tribunal, no entanto, considerou parcialmente provada a acusação pública e provada na íntegra a acusação particular, pelo que, condenou, às seguintes penas parcelares: 7 anos de prisão pelo crime de burla, 4 anos de prisão para o crime de falsificação de documentos, um ano de prisão, pelo crime de calúnia;  3 meses de prisão para o crime de injúria e 3 anos de prisão por branqueamento de capitais.  “Feito o cúmulo jurídico, vai o réu condenado à pena única de 7 anos de prisão”, ditou o juiz da causa.              

Além de Francisco Yoba Capita, também respondeu António Gaspar Pequeno, por burla por defraudação, difamação, calúnia, injúrias e falsificação de documentos, tendo parado ao tribunal por esconder os carros de luxo de Francisco Yoba Capita, para que a justiça não tomasse conhecimento da sua existência. Entretanto, foi mandado em paz para casa, porque, segundo o tribunal, não se conseguiu provar a participação daquele nos crimes sub judice.

Os crimes terão sido cometidos em tempo que vigorava o anterior Código Penal e de Processo Penal, como tal, deveriam estar sujeitos àquela legislação. Porém, em observância aos desígnios legais, os réus beneficiaram da lei mais favorável e, com efeito, o tribunal usou o Código Penal vigente, com penas consideravelmente mais brandas, para se orientar no “prolatar” do acórdão, por assim dizer, para a consequente condenação.

Ainda a respeito, para se ter uma ideia, o crime de Burla por defraudação, no anterior Código Penal, tinha uma pena abstracta de 8 a 12 anos de prisão; no actual, a pena é de 2 a 8 anos.

Factos provados em tribunal

Kissok Nziko, o juiz, ressaltou, nas respostas aos quesitos, que não ficou provado ter havido um contrato para o transporte de contentores com dinheiro. Disse, ainda, que não ficou provada a entrega de uma soma em duas parcelas que perfaz mais de mil milhões de kwanzas. 

Todavia, diz ter ficado provada a entrega de mais 500 milhões de kwanzas e mais de 100 mil dólares americanos, com o fito de se evitar consequências maiores no caso em que o coronel José Tchiwana, então financeiro da Unidade da Guarda  Presidencial (UGP), foi levado ao Tribunal Militar na contenda com uma empresa de construção civil.

 “No princípio do ano de 2018, por intermédio do seu soldado, declarante Miguel Francisco de Sousa, o ofendido, coronel José Tchiwana, então  financeiro da Unidade da Guarda Presidencial, contactou o co-réu Francisco Yoba Capita, para este resolver o processo-crime, que corria contra si na Procuradoria-Militar por saber que a esposa do mesmo era magistrada do Ministério Público e afilhada do Procurador-Militar, Adão Adriano. Assim, no mesmo ano, o ofendido deu ao réu, Capita, o valor de 132 milhões de kwanzas para pagar as pessoas que trabalhavam no processo. Depois de um tempo, o co-réu Capita solicitou ao ofendido mais 400 milhões de kwanzas, que se destinariam aos funcionários do Tribunal Militar, para darem o andamento solicitado ao processo e porque a outra parte do processo pretendia dar queixa à Presidência da República”, ouvia-se do juiz. 

Como naquele momento o ofendido não dispunha dos valores solicitados, continua o meritíssimo, pediu ao co-réu Capita que o emprestasse. Para o efeito, no mesmo ano, ambos assinaram dois documentos, elaborados por Francisco Capita, solicitando ao Hotel Diamond Black o valor de 100 milhões de kwanzas e ao Casino Atlântico o valor de 300 milhões de kwanzas. Dias depois, refere, Francisco Capita apresentou ao ofendido dois termos de recebimento de valores assinados por si a confirmar que havia recebido os empréstimos solicitados.                                                                                       

Na sequência, o juiz leu que o co-réu Capita falsificou os termos de recebimento de valores, supracitados, para convencer, do empréstimo, o ofendido.                                                               Por ter acreditado nos termos do empréstimos apresentados por Capita, no dia 23 de Março de 2018, o ofendido transferiu para a empresa do co-réu, a Delta-Angola, o montante de 300 milhões de kwanzas, como forma de amortização da dívida.

“Como forma de ludibriar o banco, para poderem movimentar os valores, o co-réu Capita e o ofendido (o coronel), falsificaram uma factura, onde se atestava que a empresa do arguido tinha prestado serviços à empresa do ofendido, no valor de 300 milhões de kwanzas. Com o mesmo propósito de ludibriar o banco, os dois voltaram a falsificar uma factura onde simulavam que a empresa de Capita, a Delta-Bravo/ Delta Divisão de Segurança, haviam fornecido equipamentos agrícolas à empresa do ofendido, Complexo Agro-pecuário Txilutxiva, no valor de 400 milhões de kwanzas”, referiu.

No dia 01 de Abril de 2018, de acordo com o juiz da causa, Kissok Nziko, o coronel José Tchiwana fez a entrega de mais de 130 mil dólares americanos como parte da amortização dos empréstimos e, subsequentemente, outros pagamentos. “No passado dia 11 de Maio de 2018, o co-réu Capita recebeu do ofendido 370 mil dólares americanos referentes ao contravalor de 148 milhões de kwanzas, sob o pretexto de devolução do valor gasto no asseguramento do equipamento dado como garantia às empresas credoras (Hotel Diamond Black e Casino Atlântico )”. 

As prestações realizadas pelo ofendido em benefício do co-réu Capita, que se destinavam à resolução do processo-crime, totalizaram um montante de 580 milhões de kwanzas e mais 130 mil dólares americanos. 

O tribunal deu como provado que o réu Capita possui um Bilhete de Identidade falso, com o número 008140674CA048, emitido aos 02 de Fevereiro de 2016, tratado com o propósito de iludir o Estado angolano  e terceiros e que o co-réu António Gaspar Pequeno recebeu orientações de Capita para guardar as três viaturas, uma de marca Mercedes, outra Nissan, modelo Platinium e um Volvo. 

Provado também ficou que o co-réu Capita quis causar danos patrimoniais ao ofendido, falsificando escritos, com o único propósito de criar engano ao mesmo, para que lhe concedesse os valores acima referenciados, arranjando artifícios que visaram dissimular a origem lícita dos montantes em dinheiro e fazer com que os valores entrassem no sistema financeiro como se tivessem origem lícita.

Assim, o tribunal garantiu que o co-réu Francisco Yoba Capita agiu de forma livre, deliberada e conscientemente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei, acrescendo que o mesmo tem antecedentes criminais.”

A carta denúncia

Para enfatizar que ficou provada a prática dos crimes de difamação, calúnia e injúria, o juiz da causa ressaltou que Francisco Yoba Capita fez cartas dirigidas à Presidência da República, à Assembleia Nacional, ao Conselho Superior da Magistratura Judicial e do Ministério Público e, ainda, à IGAI, “dizendo que estava a denunciar um acto de corrupção protagonizado pelo coronel José Tchiwana, colocado na UGP e pelo procurador da República junto aos Serviços de Investigação Criminal de Luanda, Bento Manuel Paulo”.

Nas cartas, Francisco Yoba Capita alegou que José Tchiwana o havia contactado para transportar seis contentores com dinheiro que não fazia parte do circuito financeiro, mas era parte da quantia que o Estado procurava, alegadamente em posse dos “marimbondos”, salientando que desconhecia o valor do dinheiro em contentores, mas que o contrato ficou orçado em 300 milhões de kwanzas.

Na mesma senda da carta enviada às diferentes entidades, o juiz da causa sublinhou que, com o teor da mesma, Francisco Capita distrata tanto o coronel José Tchiwana quanto o procurador, Bento Manuel Paulo. “… dizendo que José Tchiwana se fazia passar por empreendedor honesto, mas não o era, pois, solicitou-lhe um empréstimo na ordem de 400 milhões de kwanzas que seriam devolvidos no prazo de um mês, acrescidos de uma taxa de juros. Por isso, Capita recorreu a algumas parcerias, com o objectivo de realizar esse negócio, dando os seus bens como garantia com o compromisso de o coronel restituir os respectivos valores e juros. Mas isso não veio a acontecer, o que acabou por envolver o procurador Bento Manuel Paulo, que recebeu parte do dinheiro (50 milhões de kwanzas), que seria destinado a Capita como devolução, em troca de protecção jurídica e chantagem contra ele”.

Fruto da repercussão dessa carta, conclui-se, o coronel, José Tchiwana, acabou exonerado das funções, porque o réu publicamente imputou factos ofensivos à honra do ofendido.

Factos não provados em tribunal

Nos factos não provados com relevância na decisão da causa, o juiz Kissok Nziko, salientou que os autos fazem menção de avultados montantes entregues ao co-réu Capita, mas em produção de provas durante o julgamento, não se conseguiu atestar  sobre a veracidade de tais entregas. 

“O tribunal deu como não provado que o ofendido fez uma prestação ao co-réu Capita no valor de 500 milhões de kwanzas, com o propósito desse resolver questões atinentes ao processo-crime que corria contra ele (o Coronel) na Procuradoria-Militar.  Também se deu como não provado que o ofendido fez a entrega ao co-réu Capita do montante de 286 milhões de kwanzas.

Igualmente, não se provou que as empresas Hotel Diamond Black e Casino Atlântico tenham feito empréstimos ao co-réu Capita. Assim como que são verdadeiras as informações divulgadas pelo co-réu Capita relacionadas ao ofendido.

Final extenuante

O jovem juiz da causa, vindo da província do Zaire, na leitura do acórdão, mostrou-se algo tenso e, de todo, permissivo às extemporâneas colocações dos advogados do réu e até da assistência (advogados do ofendido), tendo qualquer uma das partes e, até mesmo o magistrado, mostrado-se bastante prolixo, arrastando a sessão por mais de duas horas. Isso foi motivo de sobra para um elemento do público suspirar e dizer “que saudades do tempo do juiz Januário José!”.

Em conversa avulsa, enquanto se dirigia aos réus em última dissertação, o juiz acentuou que o coronel José Tchiwana deveria ter aparecido também como co-réu nesse processo, tendo em linha de conta que o mesmo gastou rios de dinheiro, procurando alterar o rumo legal de um processo-crime. No entanto, de acordo com o mesmo magistrado, o tribunal viu-se limitado pela deficiente instrução do processo no SIC e a subsequente “omissão” do Ministério Público na conformação da acusação e, em consequência, restou apenas obedecer os preceitos legais.

Não obstante o verbo discorrido do juiz, na esteira dos articulados do processo penal que nos leva ao âmbito do princípio da correlação entre a pronúncia e a denúncia, apresentam-se outros caminhos. Segundo os manuais de Direito, a faculdade do juiz para o efeito apenas não deve ofender o princípio constitucional da ampla defesa e do contraditório. Pois, pode alterar o delito para outro, inclusive, mais grave. Para tanto, deve remeter os autos ao dominus litis (o autor da acção= M.P, no mais, o SIC), para que o mesmo, entendendo, adite com outros termos a peça acusatória, permitindo, desta feita, ao réu o direito de se defender.

Uma ponta do caso Lussaty?

Solange Silva, a advogada de Francisco Yoba Capita, já no final, em conversa connosco, não hesitou em afirmar que vê fortes intimidades entre esse caso Yoba e o do Lussaty. A cimentar as suas ilações, sustentou que não foram pelos lindos olhos que ao coronel foi interdita a saída para o exterior do país, nos termos do processo-crime intrínseco à “Operação Caranguejo”.  

Assim, a advogada promete dar “luta” suficiente para se chegar a um veredicto a contento do seu cliente e mostrou tal pressuposto em tribunal, quando advertiu o advogado do coronel que lhe poderia refrescar a memória sobre um alegado histórico de ilicitudes de José Tchiwana.

Quando insistimos em saber se Yoba havia visto ou não o dinheiro nos contentores que transportou, a causídica reiterou que não, mas tratou de sublinhar que as evidências levam a concluir que sim e a conclusão da “Operação Caranguejo” tratará de ser mais cáustica a propósito.

A despeito, cenas subsequentes esperam-se porque se fala em voz alta que outros processos estão na mira, além da decisão desse caso, que agora depende do Tribunal Supremo.

A causídica, por outro lado, mostrou-se muito agastada com o tribunal, alegando que terá ignorado evidências cruciais para a decisão. No entanto, mostrou-se esperançosa em dias melhores, por isso, interpôs recurso com efeito suspensivo da pena e ainda solicitou a soltura do seu constituinte por excesso de prisão preventiva. 

O tribunal anuiu, em razão do que dispõe a lei, mas condicionou a liberdade do réu ao colocá-lo sob a medida de coacção de termo de identidade e residência. Não bastando, ao abrigo da lei, exigiu que se fizesse a entrega ao tribunal dos dois passaportes de Francisco Yoba Capita, o ordinário e o diplomático, lembrando que era uma condição sine qua non. 

Todo esse exercício desagradou os advogados do ofendido, que, com unhas e dentes, a todo custo, tentaram, sem glória, persuadir o juiz ao contrário.

Yoba em tribunal: contentores tinham dinheiro

O co-réu Francisco Yoba Capita, em julgamento que teve início a 3 de Junho de 2021, começou por contar que teve o encontro com o coronel José Tchiwana, sob os auspícios de um subordinado do militar. Disse que o coronel se apresentou como proprietário da empresa Horizonte Comercial, que pretendia levar à Benguela seis contentores de 20 e 40 pés.

Francisco Yoba Capita, de 38 anos de idade, perguntado, respondeu que o valor do frete ficou em 300 milhões de kwanzas. Afinados os termos do contrato, segundo Yoba Capita, o coronel abriu um dos contentores e retirou uma caixa de onde extraiu maços de notas de cinco mil kwanzas, num montante que perfazia os 300 milhões de kwanzas.

Indagado, Francisco Yoba Capita alegou que negou receber tal montante em cash, porque entendeu que aquele não era o modo mais correcto de se proceder entre duas empresas, quanto mais não seja porque, a qualquer momento, se chamado a justificar a existência do dinheiro, não teria como fazê-lo. .

O coronel, por fim, concordou em pagar via banco, respondeu o co-réu. Porém, de acordo com o mesmo, antes o militar se prontificou em pagar em notas com os valores faciais de 2000, 1000 e 500, convencido que o obstáculo residia no valor do papel-moeda em causa.

Instado, Yoba Capita expôs que, quando o coronel fez a segunda oferta em notas menores, teria referido que poderia retirá-las dos demais contendores. Essa passagem, justificou o co-réu, alicerça a sua convicção de que a carga transportada era composta por dinheiro, embora não tivesse visto nem lhe tivessem aberto qualquer um dos contentores.

Por fim, Francisco Yoba Capita, marido de uma magistrada do Ministério Público (a mesma que em conversa connosco negou ter qualquer relação de parentesco com o actual PGR, Hélder Pitta Grós), relatou em tribunal que a surpresa foi maior quando, a meio do caminho para Benguela, precisamente na Canjala, o coronel ordenou que toda a equipa da empresa Delta-Angola (inclusive ele, Yoba) regressasse à capital do país, porque o que restava do percurso a Tropa da Unidade da Guarda Presidencial o faria a contento.

Indagado, o réu disse que, embora o acto ter sido inesperado e, consequentemente, o ter levado a ficar incrédulo, não se fez rogado, tão pouco relutante, até porque o pagamento via banco já se tinha consumado.

Destarte, tais pronunciamentos, como se pode depreender, fazem às delícias da narrativa do processo-crime, que resulta da “Operação Caranguejo” que, para já, garante as suas linhas nos anais do crime em Angola. Entretanto, toda a atenção é pouca para que o assunto não se transforme em um amontoado de papel, uma bola encestada a jeito num depósito de lixo com fundo falso!

               

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