Condenados a 1 ano de prisão: JOVENS ACUSADOS DE QUEIMAR COMITÉ DO MPLA E UM AUTOCARRO NO BENFICA
Dos oito envolvidos, incluindo uma rapariga, apenas um foi absolvido dos cerca de dez crimes de que foram acusados.
Felicidade Kauanda
Danos, danos com violência, associação criminosa, ofensas simples à integridade física, participação em motim, incêndio com explosão, furto qualificado, ameaça, instigação pública ao crime, desobediência à ordem de dispersão e ajuntamento foram todos os crimes de que os réus vieram acusados pelo Ministério Público, sendo certo que os autos relatam que foram roubados 16 motorizadas, 20 computadores portáteis, mais de 20 computadores de mesa, um gerador industrial, 12 aparelhos de ar condicionado e 8 motorizadas de três rodas.
Do acórdão, proferido no Tribunal da Comarca de Belas, 3ª Secção Sala dos Crimes Comuns, Benfica, pelo juiz Faria Diogo, ficou provado que Alfredo Cerrote, um dos oito réus, de 17 anos, o único que respondia em liberdade, não esteve envolvido nos crimes imputados aos demais, pelo que foi absolvido.
Por outro lado, dos dez crimes que os réus Domingos Kapipa, Manuel Alfredo, Baltazar Neto Kilalo, Eusébio Mateus Muongo, César Carlos, Angelino Hilário e Ana Lúcia de Almeida foram acusados, apenas dois ficaram provados, nomeadamente, participação em motim e desobediência à ordem de dispersão e ajuntamento. Por tal, foram condenados à pena única de 1 ano de prisão maior, ao pagamento de AKZ 50.000,00 (cinquenta mil kwanzas) de taxa de justiça e AKZ 5.000,00, (cinco mil kwanzas) aos seus defensores oficiosos.
Portanto, por ter expirado o prazo de prisão preventiva, uma vez que já estão detidos há mais de um ano, isto é, desde 10 de Janeiro de 2022, foi emitido o mandado de soltura, sendo que o tempo em que ficaram presos excede ao período que foram condenados.
MPLA reclama injustiça
Avelino Pedro, advogado do MPLA, insatisfeito com a decisão, disse que deverá interpor recurso por não ter sido feita a justiça como esperavam: “o juiz não teve uma postura muito rigorosa do ponto de vista de abordagem na sua decisão! Surpreendeu-nos o facto de não abordar os prófugos, sendo que desde o princípio tínhamos cerca de 24 arguidos e mais ou menos 13 estavam a responder em liberdade, mas nunca compareceram ao tribunal e naturalmente deviam ser também responsabilizados”.
“Nós respeitamos a decisão, mas não concordamos, tanto que vamos recorrer, não foi feita a justiça como se esperava. Esperávamos que existisse alguém que ateou fogo, porque existem nas imagens fogo e vandalismo, alguém naturalmente o fez, nós temos provas apresentadas nos autos. Um conjunto de pessoas participaram, logo, confirma-se que estas pessoas estavam envolvidas nestes actos”, teceu.
Terá a Polícia forjado os culpados?
Em sede de julgamento, todos os réus negaram o seu envolvimento nos crimes, dizendo que foram detidos sem motivos aparentes, pois foi quando cada um deles, ao passar pelo local onde ocorria a greve dos taxistas, alguns assistiam à queima do autocarro, enquanto andavam a pé, numa altura que o táxi estava difícil em consequência da greve dos taxistas.
Manuel Alfredo Joaquim, mais conhecido por DJ, 18 anos de idade, residente na Samba, contou que foi detido por volta das 9 horas, junto da esplanada das bombas da Pumangol, no Benfica, depois de ter descido do táxi que o transportou da Samba até ao Benfica, pois seu intuito era pegar outro para chegar à Centralidade do Kilamba, local onde tem feito seus “biscatos” (engraxar sapatos e transportar mercadorias dos moradores). Acrescenta que naquele momento já o Comité do MPLA e o autocarro do Ministério da Saúde estavam queimados.
Manuel Alfredo Joaquim, mais conhecido por DJ, 18 anos de idade, residente na Samba, contou que foi detido por volta das 9 horas, junto da esplanada das bombas da Pumangol, no Benfica, depois de ter descido do táxi que o transportou da Samba até ao Benfica, pois seu intuito era pegar outro para chegar à Centralidade do Kilamba, local onde tem feito seus “biscatos” (engraxar sapatos e transportar mercadorias dos moradores).
Quando atravessou a rua para o sentido contrário, diz, ao caminhar próximo da entrada da Polícia, foi interpelado por um agente fardado que lhe solicitou que o acompanhasse à esquadra. Já dentro, o agente colocou-o no refeitório e, minutos depois, apareceu outro, a orientar que o colocassem na cela, onde estavam outras 20 pessoas que reclamavam os motivos da detenção, tendo depois se acrescido mais cinco. Questionado sobre os motivos da sua detenção, respondeu que não sabe, mas que, no entanto, uma boa parte dos detidos foram soltos, enquanto ele permaneceu até à data presente sem justificação.
Por seu turno, César Carlos Domingos, mototaxista, de 33 anos de idade, residente no distrito urbano do Benfica, atestando ser uma pessoa honesta, disse nunca ter se envolvido em casos ilícitos. Conta, no entanto, que naquele dia saiu de casa, sita no bairro Kifica, às 09 horas, chegando ao Benfica às 11 horas. Após fazer compras para o almoço, notou que muita gente parava para olhar o autocarro que havia sido queimado, facto que o levou a juntar-se aos demais. Neste momento, acrescentou, apareceu um agente do SIC à paisana, que lhe agarrou nos calções, no meio de várias pessoas, e o levou até à esquadra, sendo que no interior da mesma o agente desferiu-lhe golpes com catana, obrigando-o a incriminar-se, sob pena de não parar de bater-lhe. Sentindo-se forçado e para evitar o sofrimento, disse o réu, cedeu a exigência do agente.
Reforçou que não presenciou o momento em que atearam fogo ao autocarro e ao Comité do MPLA, tão pouco quando foram retiradas as bandeiras e outros meios que estavam no interior do mesmo. Por outro lado, lembra, encontrou na esquadra dois jovens, sendo um claro e outro de cabelo loiro, separados dos restantes elementos do grupo, pelo facto de um deles ter sido encontrado com uma botija de gás, mas depois todos foram encaminhados à Comarca de Viana, sendo que, posteriormente, ele (réu) foi transferido para a Comarca de Calomboloca.
Eusébio Muongo, por seu turno, também conhecido por King, 31 anos, ladrilhador, diz que foi detido pelo simples facto de ter passado no local por volta das 08 horas da manhã, quando saía da sua casa, no bairro Catinton, às 06 horas, com destino à Zona Verde, local de trabalho. Devido a dificuldades de táxis que se registava naquele dia, disse, as paragens encontravam-se muito cheias, o que o levou a caminhar até à estrada principal do Gamek, onde conseguiu apanhar um táxi que o transportou até ao Benfica, precisamente nas bombas da Pumangol. Vendo que não conseguia continuar a marcha, decidiu caminhar a pé e, chegando nas imediações do BFA, viu uma fumaça que saía da queima do autocarro e do Comité. Na ocasião, disse, os agentes policiais que se encontravam no local faziam disparos de gás lacrimogéneo e nisso foi interpelado, nas imediações do Nosso Super, por um agente da Polícia Nacional, numa altura em que já haviam muitos jovens sob custódia.
Posto na esquadra, colocaram-no na cela com os demais. Ao anoitecer, sublinha, foi transferido para a esquadra do Chinguar, onde pernoitou e posteriormente foi para o Comando Municipal de Talatona, onde foi ouvido e conta que, num universo de 30 elementos, ficaram apenas sete. Questionado por que não foi solto, respondeu que foi pelo facto de haver divergência entre o agente policial que o deteve e o magistrado do Ministério Público.
Por seu turno, o réu Angelino Hilário, de 29 anos, segurança, residente no Distrito Urbano do Benfica, declarou que a sua detenção ocorreu quando saía do serviço, na Barra do Kwanza, ao chegar junto ao BAI com pretensão de levantar dinheiro no ATM. No momento, conta, perguntou ao segurança o que se havia passado naquela área, tendo aquele o respondido que na sequência da greve dos taxistas, haviam queimado o autocarro e o Comité do MPLA.
Continuando a sua marcha, ao chegar à 24.ª esquadra, foi interpelado por um agente trajado a civil que o mandou entrar, dizendo que o chefe dele estava a chamá-lo. Já na presença do referido chefe, conta que este o questionou quem havia queimado o autocarro e o Comité do MPLA, ao que respondeu que não sabe. Daí, ressalta, o agente, com uma catana, foi o agredindo, ao mesmo tempo que lhe exigia que dissesse que só faltou queimar os policiais.
Depois da barbaridade, ele e mais dois indivíduos foram levados à esquadra do Chinguar, onde encontraram mais 21 elementos, todos relacionados com os episódios ocorridos na Estrada Nacional 100. No quarto dia de detenção, refere, foram retirados da cela e um agente do SIC os separou e, dos 24, apontou apenas quatro como os autores da queima do autocarro.
O réu Angelino Hilário disse também que maior parte dos que estavam detidos foram soltos, enquanto ele e outros sete foram encaminhados para a Comarca de Viana e depois para a cadeia de Calomboloca.
Ana Lúcia de Almeida, 24 anos, babá, residente no município do Cazenga, bairro Cuca, mãe de dois filhos, descreveu que nada tem a ver com os crimes mencionados, pois estava apenas a passar no local da ocorrência para ir ao trabalho.
Já Alfredo Cerrote, 17 anos de idade, residente no Distrito Urbano do Benfica, conta que saía da casa da sua irmã, no bairro Chongoroi e, caminhando nas imediações do Nosso Super, foi abordado por um elemento da Polícia, trajado a civil, que o seguiu e pediu que o acompanhasse até à esquadra. Aí chegados, foi logo colocado na cela com argumentos de que estava na manifestação.
Estado perde milhões com autocarro destruído
No dia 24 de Dezembro de 2021, foi publicado o Decreto Presidencial 321/21 de 24 de Dezembro, que determinava que os transportes colectivos urbanos, interurbanos e Interprovinciais de passageiros, públicos e privados, teriam apenas um limite máximo de até 50% de sua lotação, como uma medida de prevenção à propagação da covid-19.
Entretanto, os representantes das associações dos taxistas, insatisfeitos com a medida decretada, engendraram uma manifestação para o dia 10 de Janeiro de 2022. Assim, nas primeiras horas da manhã daquela segunda-feira, taxistas e populares em grupos não identificados, postos na Estrada Nacional número 100, no perímetro do Comité do MPLA, Benfica, paragem de táxis junto às bombas de combustível da Pumangol, sentido de marcha sul-norte e vice-versa, no intuito de impedirem a livre circulação de diversos automobilistas, atearam fogo em pneus e arremessavam pedras e blocos contra outras viaturas.
Em seguida, indivíduos não identificados dirigiram-se ao Comité do MPLA, destruíram a porta do quintal e o respectivo gradeamento, entraram e subtraíram bens diversos, como documentos, computadores de mesa, portáteis, retroprojetoradores, impressoras, equipamentos de escritórios, máquinas de corte e costura, cadeirões, botijas de gás butano, aparelhos de ar condicionado, colunas de som, microfones e outros meios.
Em seguida, indivíduos não identificados dirigiram-se ao Comité do MPLA, destruíram a porta do quintal e o respectivo gradeamento, entraram e subtraíram bens diversos, como documentos, computadores de mesa, portáteis, retroprojetoradores, impressoras, equipamentos de escritórios, máquinas de corte e costura, cadeirões, botijas de gás butano, aparelhos de ar condicionado, colunas de som, microfones e outros meios. Os arquivos de materiais de propagandas foram queimados no local e, não satisfeitos, atearam fogo num gerador que se encontrava no quintal.
Posteriormente, em hora não precisa, José Ricardo, motorista do autocarro pertencente ao Ministério da Saúde, que levava médicos, técnicos de saúde e outros funcionários a um centro de saúde em Viana, comuna de Calumbo, foi impossibilitado pelos manifestantes de prosseguir a viagem. O motorista ainda tentou contornar a rotunda, mas não foi possível, pois os indivíduos começaram a arremessar pedras ao veículo, o que fez com que todos no seu interior se dispersassem.
Acto contínuo, sob liderança de um indivíduo identificado apenas pelo cabelo de cor branca, os manifestantes atearam fogo ao autocarro, com argumento de que eram os ocupantes que roubavam todo o dinheiro da covid-19.
Segundo o Ministério dos Transportes, que procedera a entrega do referido autocarro ao Ministério da Saúde, o veículo tem o valor de 58.354.933,00 (cinquenta e oito milhões, trezentos e cinquenta e quatro mil, novecentos e trinta e três kwanzas), ao passo que os autos referem que o total dos danos causados ao Comité do MPLA excederam os 98 milhões de kwanzas.
Edson Luciano Martins, à data Comandante da Esquadra do Benfica, disse ter tomado conhecimento via telefone da concentração de indivíduos no Benfica. Na sequência, deslocou-se para lá e, quando chegou, o acesso ao seu comando já se encontrava completamente bloqueado com pneus.
Lembra que, depois de ter conseguido aceder à esquadra, nada mais poderia fazer senão orientar o seu efectivo, composto apenas por cinco elementos, a proteger a esquadra. Porém, atendendo que o número de manifestantes era completamente superior a sua capacidade de reacção, já que rondava mais de mil indivíduos, dos quais cerca de quinhentos pretendiam vandalizar a esquadra, pediu reforço, que chegou por volta das 8h45, tendo sido possível fazer uma incursão nas instalações do Comité e a detenção de alguns dos manifestantes.