Condenados à multa de 148 mil kwanzas:ESTUDANTES DO INSTITUTO SUPERIOR TOCOÍSTA QUE MANIFESTARAM A FAVOR DE ENSINO DE QUALIDADE E CONTRA SUBIDA DE PREÇOS

0
1202

Na sequência da manifestação por um ensino de qualidade e contra a subida de preços de emolumentos no Instituto Superior Politécnico Tocoísta, a Polícia Nacional deteve dez indivíduos, sob justificativa de crime de desobediência às regras impostas na vigência de Estado de Calamidade.

Felicidade Kauanda

Indignados pelo excesso na subida de preços dos emolumentos, num instituto em que reclamam ensino de qualidade, entres outras questões, os estudantes do Instituto Superior Politécnico Tocoísta (ISPT) manifestaram-se, defronte à instituição, a fim de reivindicarem os seus direitos.
Na sequência, nove estudantes foram detidos pela Polícia Nacional, juntamente com um cidadão, que apenas acompanhava a filha que também fazia parte do grupo dos manifestantes, e levados a julgamento, no Tribunal da Comarca de Belas pelo crime de desobediência ao Decreto Presidencial do Estado de Calamidade, que proíbe ajuntamento de qualquer natureza, na via pública, superior a dez pessoas.
Dos dez, quatro indivíduos, nomeadamente, Lando Ricardo, Ricardo Nunes, Gomes Jelson do Nascimento Pedro e Job Luís, foram absolvidos por não existir elementos bastantes ou qualquer nexo de ligação para que lhes recaísse a culpa.
Outros seis estudantes, designadamente, Nguinamau Simão, França Domingos Fernandes, João Gomes, Milton Celestino, Nzunzi António e Milton Celestino, foram sentenciados a vinte dias de multa, correspondendo, ao pagamento de AKZ 148.000 (cento e quarenta e oito mil kwanzas) e AKZ 8.000 (oito mil kwanzas) à taxa de justiça.

“Foi uma manifestação pacífica, temos vídeos”

Job Luís, um dos absolvidos, estudante do 3º ano do curso de Direito, indignado com a instituição e condenação dos colegas, disse, em entrevista a este jornal, que a manifestação foi pacífica, mas apareceu a Polícia a reprimi-los. “Foi uma manifestação pacífica, nós temos vídeos, não houve danos, nós fomos manifestar-nos contra todas as situações, mas a Polícia interveio a reprimir-nos”.
“Vendo todo aquele aparato policial, um dos colegas disse «estão aqui com mais de duas patrulhas, agentes da PIR, quando, neste exacto momento, tem bairros que precisam desta patrulha», foi quando um agente, sentindo-se ofendido, pegou o nosso colega e colocou-o na viatura. Sentimo-nos indignados com atitude da Polícia, fomos, até à esquadra onde foram detidos os nossos colegas, entregar-nos voluntariamente para que pudessem prender todos nós”, contou aquele estudante.

“Levaram-me como se fosse um delinquente”

Nguinamau Simão, estudante de Sociologia, condenado, lamentou ao O Crime as circunstâncias em que foi detido. “Foi muito feio, logo que cheguei defronte à instituição, nem consegui ficar dois minutos, fui detido, a Polícia disse-me que eu era o líder dos revolucionários, levaram-me como se fosse um delinquente, mesmo sendo um estudante universitário… se um académico o levam daquela maneira, imaginem um iletrado…”.
“Acho que a nossa Polícia deveria ter mais domínio sobre matérias relacionadas ao Direito, têm de ler mais a nossa Constituição… ficamos detidos durante 24 horas sem direito à telefonema aos nossos familiares e sem alimentação, fui ao tribunal, dia seguinte, sem o conhecimento dos meus familiares, julgado sem a presença deles, nenhum dos meus parentes sabia o que estava a se passar comigo, esta justiça é doente, num país Democrático e de Direito, isso é anormal, sem falar das péssimas condições que encontrei na cela”, lamentou.
Aquele estudante segue contando que, “por me intitularem líder dos revolucionários, fui separado dos outros e transferido para outra esquadra, sem nenhum papel de detenção, foi muito ilegal… apesar disso, não vou desistir enquanto os nossos direitos forem violados, essas detenções só me motivam, vou lutar para que a nova geração de Angola não passe por isso, é muita humilhação”.
Sobre a condenação, Nguinamau disse “acredito que não vou pagar, porque sou desempregado… se fui revindicar um recurso de 10 mil kwanzas, como vou conseguir pagar um valor de multa muito superior a este? Não estou em condições de pagar”.

“Fui alvejado por um polícia que saiu impune”

Um dos estudantes do curso de Contabilidade e Finanças, que foi apenas acompanhar o julgamento, preferindo anonimato, expressou o quanto está insatisfeito com o mau procedimento da Polícia.
“O responsável da Polícia disse que os estudantes foram vandalizar a instituição, mas não houve vandalização, por outro lado, não se entende como os colegas foram julgados pelo crime de desobediência ao distanciamento social, se na sala de audiências não existiu nenhum distanciamento, os réus estavam sentados muito próximos uns dos outros, é uma sala pequena, mas havia mais de vinte pessoas, e entre os polícias que estavam na manifestação também não houve distanciamento”, avançou, concluindo “se os colegas foram julgados por desobedecer esta lei, por que houve ajuntamento dentro da sala de julgamento? E na cela onde estavam detidos? Por que é que eles devem pagar por um crime que todos estão a cometer?

Não vejo justiça dentro deste país, é lamentável”.

Por seu turno, Sicano de Lemos, membro da organização Sociedade Civil Universitária, alvejado na perna por um dos agentes da Polícia Nacional, no passado dia 4 de Fevereiro, durante uma manifestação dos estudantes ocorrida em Luanda, apoiado em duas muletas, apareceu no tribunal, para solidarizar-se com os estudantes. “Sendo angolano, e na qualidade de ser humano, identifico-me com esta causa, por isso saí da minha casa, apesar da minha condição de saúde, para solidarizar-me com os estudantes”.
“Já participei numa manifestação igual, no dia 4 de Fevereiro, saímos às ruas para manisfestar os nossos direitos, com o lema «45 mil é muito», mas, durante a manifestação, vieram polícias munidos com armas de fogo e bombas de gás lacrimogéneo e, infelizmente, durante a manifestação, fui alvejado com um tiro na perna esquerda, por um dos agentes, que até hoje não se responsabilizou em nada. Neste exacto momento, ainda me encontro com a bala alojada por falta de condições para dar continuidade ao tratamento, não estou a trabalhar, a empresa em que trabalhava não me aceita nesta condição, por isso, aproveitando o momento, peço a quem de boa-fé, para me ajudar”.

“Uma biblioteca com apenas um livro de Direito”

11 de Março, dia marcado para a manifestação, os estudantes centralizaram-se defronte ao ISPT, e começaram. Porém, a Polícia que já tinha sido accionada pela direcção da instituição, interveio, emitindo ordem de dispersão, alegando haver violação das medidas de segurança impostas por conta da vigência do Estado de Calamidade.
Segundo os agentes policiais, a ordem não foi acatada, tendo, na sequência, procedido às detenções de Ricardo Nunes, que no momento que fazia filmagem pelo telemóvel; Gomes Pedro, quando acompanhava a filha que fazia parte dos estudantes manifestantes; Lando António, quando reclamava, junto à esquadra, a detenção dos colegas; Job Luís, que, de forma voluntária e isolada, dirigiu-se à esquadra para saber dos demais colegas e acabou sendo detido, enquanto os restantes foram detidos no local da manifestação.
O Crime foi ao encontro dos estudantes que aderiram à manifestação, para saber dos motivos que os levou a reivindicar, pelo que, unânimes, descreveram diversas reclamações. “Temos uma biblioteca com apenas um livro para o curso de Direito, mas cheia de livros para o tocoísmo, não é adequado para um instituto de ensino superior, faltam-nos muitas coisas, exigimos ensino de qualidade, necessitamos de mais aulas práticas, mais professores e dirigentes competentes, carecemos também de associação dos estudantes, por causa do nepotismo, desejamos uma AE competente, capaz de zelar pelos nossos direitos”.
Entretanto, uma das reivindicações de maior realce, foi contra a subida de preços dos emolumentos. “Das propinas, não temos reclamações, mas os emolumentos estão muito caros… o recurso está a custar AKZ 10.000,00 (dez mil kwanzas), enquanto noutras universidades está a baixo de AKZ 7.000,00 (sete mil kwanzas). Antes, uma declaração custava AKZ 2.500,00 (dois mil e quinhentos kwanzas), hoje, por uma sem notas paga-se AKZ 5.000,00 (cinco mil kwanzas), com notas AKZ 10.000,00 (dez mil kwanzas).
“Durante muito tempo, os estudantes ficaram irritados com esta situação, muitos optaram por pedir transferências, pelo que, a instituição, ao notar que os pedidos estavam a ser demais, fez subir a taxa de transferências para AKZ 50.000,00 (cinquenta mil kwanzas) e mais AKZ 20.000,00 (vinte mil kwanzas) das declarações. Para acrescentar, o certificado ou diploma está no valor AKZ 150.000,00 (cento e cinquenta mil kwanzas), a beca custa 70.000,00 (setenta mil kwanzas), já a monografia AKZ 200.000,00 (duzentos mil kwanzas)”, acresceram.
Por outra, contaram que “há estudantes que não trabalham, dependem dos pais, outros nem têm fundo de rendimento, só para frisar que, em Angola, o salário mínimo é AKZ 34.000,00 (trinta e quatro mil kwanzas)… imaginemos: como o filho de um segurança vai custear os gastos dos filhos? Sua Santidade, Don Afonso Nunes, patrono da instituição, dizia, num dos seus discursos, que o ISPT era um sonho para que os filhos dos pobres pudessem estudar, mas, constatando a realidade, vimos que eles apenas querem nos tornar muito mais pobres ainda”.
Por outro lado, os estudantes sublinham a atitude da direcção como indiferente. “Já tentamos negociar, mas não atendem as nossas preocupações. A senhora directora, Elsa Pedro, é muito prepotente, por isso, aquando da manifestação, exigimos a presença do patrono da instituição, Dom Afonso Nunes, pois entendemos que ele seja inocente de certas situações que ocorrem… há uma barreira para as mensagens chegarem até ele, sabem que podem vir questões que vão abalar a própria instituição… só para referir, a maioria dos membros da direcção está lá por serem filhos de directores”.
“Esqueceram-se de que nós, estudantes, somos os maiores publicitários da instituição, mas por causa da falta de vontade da senhora directora em não falar connosco, a instituição ficou manchada… nós, estudantes, também temos voz, temos uma capacidade ampla de pensar, deveriam aproveitar isso e ouvirem também a nossa opinião, mas a instituição está contra nós, no julgamento não apareceu ninguém ligado à instituição, mas, apesar disso, não vamos parar sem que os nossos direitos sejam salvaguardados”, reforçam, sublinhando que lamentam, ainda, o facto de a direcção ter emitido um comunicado a anunciar a expulsão dos líderes da manifestação, caso forem identificados.
Ainda de acordo com os estudantes, o lema “rigor, inovação e excelência”, não se constata até agora na instituição. “Verificamos, apenas, défice, défice, e défice… exigimos qualidade de ensino, porque não é apenas um curso ou dois que estão mal, os estudantes dos cursos de Sociologia, Psicologia e Engenharia estão, igualmente, insatisfeitos… em suma, é a instituição em geral que está mal”.
“Nós, estudantes do curso de Contabilidade, estamos a fazer cinco anos curriculares, sabemos que há um ano a mais… em bom rigor, já não teríamos obrigação de fazer a monografia, mas, apesar disso, ainda vamos fazer a monografia. Foi-nos dito, no princípio do curso, que faríamos estágio na Ordem dos Contabilistas, mas até hoje, tanto os que estão a frequentar o 4.º ano ou o 5.º, ninguém teve esta oportunidade, nem a instituição se pronuncia sobre este assunto”, reivindicam.
Este jornal procurou ouvir, também, Muenho da Costa, secretário executivo do Movimento dos Estudantes de Angola (MEA), do município de Kilamba Kiaxi, que disse estar a par da situação e que já esta em agenda um encontro com a ministra do Ensino Superior e uma breve manifestação. “Brevemente, teremos uma manifestação, que visa combater o excesso da subida das taxas em várias universidades do país, mas ainda teremos um encontro com a ministra do Ensino Superior, sabemos que boa parte dos estudantes são desempregados, não sei como queremos formar com estas todas situações”.
Quanto às detenções e consequente condenação dos estudantes no município que representa, Muenho considerou injusta. “Sentimo-nos indignados com a situação, foi uma injustiça, uma vez que eles apenas exigem os seus direitos, entre eles o ensino de qualidade. O valor estabelecido de multa é muito alto, eles já não têm dez mil para pagarem recurso, onde tirarão esse dinheiro?”, questionou, tendo, depois, referido que, infelizmente, o MEA não teve conhecimento da manifestação, teve apenas o conhecimento das detenções, tendo, de imediato, arranjado advogado para os defender”.
Por fim, informou que a sua equipa se deslocou ao Instituto Superior Politécnico Tocoísta, para se pronunciar sobre o assunto, e aqueles prometeram falar a qualquer altura.

Comentários do Facebook

Leave a reply