Depois de ofendido e ameaçado: AGENTE DA POLÍCIA ‘SEGURA FIRME’ E LEVA CIDADÃO A TRIBUNAL
O caso, à partida, podia ser considerado um simples episódio que, de tão ínfima importância, foi julgado sumariamente. Unindo as pontas soltas, porém, temos o “prato do dia” e é de suma importância, do ponto de vista do caldeirão que é, hoje, a relação cidadão versus Polícia.
Por: Liberato Furtado
Num momento em que fazem notícia, dia sim e dia também, várias mortes apontadas à Polícia, um homem, alegadamente sob efeito de álcool, conta o polícia em tribunal, por três vezes, dá solavancos ao agente da ordem, desafia-o, dizendo que se não o matasse, ele, o homem, o matava.
“Senhor juiz, está a ver o físico desse senhor? Compare com o meu… com os empurrões, estive sujeito a cair e ele receber-me a arma. Eu procurei distanciar-me dele, mas ele se aproximava ameaçadoramente. Chamou-nos de gatunos, bandidos e, como se não bastasse, tratou-me como “filho da pu…” e mandou-me para a “ pu.. que me pariu” … Eu não quis acreditar que me estivessem a distratar, como estava este senhor, bem apessoado, transmitindo a ideia de que era alguém responsável e respeitoso”, narrava o agente.
O réu, Hélio Sandro Setas dos Santos Ferreira, tem por volta de 1,80 M de altura e constituição física avantajada. Já o agente da Polícia terá 1,68 M de altura e compleição física franzina.
Os factos ocorreram junto à Unidade da Polícia, anexa ao Ministério do Interior, estando o agente prisional em serviço, escusado dizer que estava fardado, quando aquele morador do edifício ao lado à unidade chega, por volta das 23 horas, saído de um encontro familiar, e parte a desancar o agente da ordem.
Em tribunal, o réu defendeu-se, dizendo que estava farto de ver a sua viatura canibalizada pelos amigos do alheio, à madrugada, e, naquela altura, havia sido vítima. No momento da ocorrência, explica, desabafava, em conversa com alguns jovens que teriam, no período da manhã, “apanhado” os suspeitos.
Nega que tenha se dirigido explicitamente ao polícia em causa e também recusa que o tenha empurrado, desafiado ou chamado nomes obscenos… Indagado, respondeu que os jovens com os quais conversava não eram moradores do edifício em que ele, Hélio, morava e pelo mesmo motivo não conseguiu levá-los a testemunhar.
O polícia, entretanto, conta que o réu conversava com elementos da segurança privada, em serviço nas redondezas, e estes, também, se teriam mostrado inconformados com a atitude de Hélio Soares Lopes Muxito, o polícia, sublinhou que, inclusive, a mulher do réu tentou persuadi-lo a ir para casa, chegando a se desculpar junto à Polícia.
Porém, o marido fez ouvidos de mercador e foi elevando, cada vez mais, a voz nos impropérios, ignorando, de igual modo, os vizinhos chamados pela mesma esposa que tentava, a todo custo, evitar o pior…
No momento em que tudo aconteceu, o polícia estava com uma arma a tira-colo e pistola à cintura e chamou por Deus e santos que lhe ocorreram, para lhe darem serenidade e não limpar a honra com sangue, de acordo ao que se retira do seu relato em tribunal, posto que, com passagem pela tropa, nunca admitiu, nem mesmo aos seus chefes, tais afrontas e desrespeito a sua mãe.
Ao contrário de desfechos hoje cada vez mais correntes, felizmente, honrosamente, diria a sociedade e a família de ambos (polícia e agressor), o agente recorreu aos mecanismos legais, segundo os autos, e, com a ajuda que veio dos seus colegas, levou Hélio a tribunal.
O juiz da causa, Adélio Chocolate, pelo Tribunal Provincial de Luanda, considerou provado tudo quanto o polícia contou em julgamento e sustentou que o relato foi simples, seguro e convincente, dando nota que, com o crime em causa, o réu estava sujeito à prisão até 3 meses.
Embora a defesa do réu tenha, igualmente, reconhecido que foram muito graves as ofensas morais que lesam o polícia, a mesma chamou à atenção para a sabedoria popular que diz que “quem conta um conto, aumenta um ponto”, para alertar que nem tudo que o agente contou ao tribunal consta do autos de notícia.
O juiz, em resposta, enfatizou que o adágio pode servir aos dois lados (réu e ofendido), no entanto, a coerência e precisão do relato feito pelo polícia não deixou margens para duvidar do conteúdo.
O magistrado do Ministério Público, João Gaspar Pederneira, corrobora da apreciação do juiz da causa, pois, antes, em alegações orais, pediu a condenação do réu, sem que fosse necessário o encarceramento daquele, tendo em linha de conta, entre outras razões, a situação de calamidade.
Adélio Chocolate, por último, condenou o réu, ”em nome do povo”, a uma pena de prisão de um mês, ao pagamento de AKZ 88.000,00 (oitenta e oito mil kwanzas) de taxa de justiça e, a título de indemnização ao ofendido, foi condenado ao pagamento de AKZ 22.000,00 (vinte e dois mil kwanzas), pelos danos morais causados.
No entanto, nos termos do artigo 86.º do Código Penal e por se estar a vivenciar a situação de calamidade no país, o tribunal optou por não apostar numa medida detentiva, convertendo a pena de prisão de um mês em multa pelo tempo correspondente, à razão diária de AKZ 100,00 (cem kwanzas).
E, assim, termina o julgamento em que Hélio Sandro Setas dos Santos Ferreira, além de tudo, sai do Tribunal Provincial de Luanda com um sublinhado vermelho no registo criminal e fundados motivos nos levam a perguntar que predicado lhe ocorre dar a alguém que se arrisca, se submete a essa desventura que, por si só, a todos os títulos, é reprovável e, ainda, tem o condão de acontecer num momento em que vários episódios entre a Polícia e cidadãos têm resultado em morte…