DESCONTENTAMENTO NA PNA:Efectivos agastados denunciam péssimas condições de trabalho
Agentes da Polícia Nacional revelam condições precárias de trabalho sobretudo na Ordem Pública, onde alguns participam de operações de risco sem coletes à prova de balas, em caso de acidentes de trabalho, nem sempre recebem o devido suporte da instituição e denunciam esquemas na obtenção de uniformes para que estejam devidamente aprumados.
Leal Mundunde
Três agentes deste órgão castrense, afecto ao Ministério do Interior, identificados por Zé Maior, Zé Jr. e Zé Postura(nomes fictícios), deixaram o silêncio e optaram em narrar as dificuldades que os Efectivos enfrentam na sua jornada diária.
Os interlocutores garantem que em distintos Comandos Municipais, a nível do país, muitos trabalham 24horas ao dia, com pouco tempo de descanso, o que consideram de prejudicial a saúde.
Com as devidas excepções, por exemplo, se o Agente na segunda-feira,chegar na unidade no período das 6 ou 7 horas, no dia seguinte, a renda pode acontecer somente entre 11 e 12 horas.
Ainda assim, devem regressar no dia seguinte, pontualmente para cumprir com mais uma jornada de trabalho.
Zé Postura diz que, quem ousar em faltar para recuperar a energia perdida, tem de estar consciente de que será descontado no final do mês e outros em alguns casos, para além de serem descontados no período que faltou, isto pode acontecer até em outros meses porque eventual falha do sistema.
Nos municípios de Cacuaco, Viana e Cazenga, no caso concreto de Luanda, são alguns locais em que o Efectivo trabalha neste regime, mas reconhecem que existem territórios em que os seus colegas têm mais tempo de descanso.
ESQUEMAS NA OBTENÇÃO DE UNIFORME
A uniformização dos Efectivos é outra preocupação, pois, no geral, dizem que recebem um par de fardamento, bota e meias somente uma vez por ano e se eventualmente alguém quiser estar devidamente uniformizado, deverá comprar aos colegas que tenham a mais, por eventualmente terem familiares a nível da estrutura central que os fornecem.
Segundo os interlocutores, um par de fardamento chega a custar entre 15 a 20 mil kwanzas, a bota no valor de 10 mil kwanzas dependentemente da origem, sendo que o preço pode chegar até 50 mil kwanzas se for Americana ou Portuguesa.
No caso específico da farda de saída, vulgo a social, pode custar um par no valor de 10 mil kwanzas.
Zé Jr. diz que há colegas seus com uniformes em péssimas condições e isto, deixá-os envergonhados, porque nem todos têm a capacidade de adquirirem estes meios a terceiros, que podiam receber regularmente a custo zero.
OUTRAS DIFICULDADES
Os Efectivos falam em alimentação precária e denunciam que normalmente não chega até ao dia 15 de cada mês, porque os seus superiores hierárquicos (Comandantes, Chefes das Operações e da Logística) retiram uma parte para o benefício pessoal.
Os denunciantes lamentam, que em casos de acidentes de trabalho, a instituição tem se responsabilizado somente com os primeiros socorros numa das unidades hospitalares e depois é deixado a sua sorte.
Zé Postura disse que tem um dos colegas que havia sido baleado numa das operações, toda a medicação, Raio X, os exames exigidos e outros gastos ficaram sob sua responsabilidade , sem no mínimo a instituição ajudar o companheiro de trabalho.
Por exemplo, falam da existência de Postos Médicos a nível dos Comandos Municipais, cujos serviços seriam a custo zero, mas a realidade é diferente, por isso, esperam a reversão do quadro o mais rápido possível, para que tenham o atendimento médico gratuitamente.
Recomendam por sua vez, que o Ministério do Interior, siga o exemplo do Ministério da Defesa, que tem unidades hospitalares destinados aos seus Efectivos.
Outro facto que os deixa agastados, é se eventualmente um dos Agentes, tiver que responder a um processo no tribunal, face a uma acção que terá ocorrido no exercício das suas funções, os custos com o advogado é da sua responsabilidade e dizem que nem sempre existe solidariedade por parte dos seus superiores.
Zé Jr. que trabalha fora de Luanda, diz que muitas vezes, vão nas operações de grande risco, sem colete balístico, o que dificulta o trabalho, pois, os marginais encontram-se devidamente preparados e prontos para dispararem quando sentirem aproximação policial.
Outra preocupação, tem a ver com a inexistência de sindicato no seio da Polícia, para a defesa dos seus direitos, pois, reconhecem que seria uma mais valia para este órgão do Ministério do Interior, em que a pesar de sentirem na pele os problemas não conseguem abordar livremente sob pena de sofrerem represálias.
Por outro lado, Zé Maior garante que no local de trabalho, se o Comandante tomar conhecimento que há colegas a conversarem, normalmente envia um Agente “espia” para observar o que está a ocorrer.
A selectividade na atribuição de armas de fogo de tipo pistola, é outro assunto que os apoquenta e revelam que em alguns casos são entregues por afinidade.
“Olham na cara, se o chefe não tiver simpatia contigo, não lhe é atribuída a pistola e prefere disponibilizar a outro colega. Uns sem responsabilidade, volte e meia fazem disparos na rua”, lamenta Zé Postura.
Zé Maior, que nas Forças Armadas Angolanas, ostentava a patente de sargento, diz que, no acto da transição para a Polícia, o grau obtido anteriormente não serviu, o que o deixa tristonho.
“Permaneço com lágrimas nos olhos, porque não tenho nada o que fazer”, finalizou.
Os Agentes avançam também, a escassez de viaturas a nível dos Comandos Municipais, que em algumas realidades, não ultrapassa de duas, considerada insuficientes para o patrulhamento a nível da circunscrição em que se encontram.
“O MININT dá mais meios na Unidade de Reacção e Patrulhamento (URP) e na Polícia de intervenção Rápida (PIR), deixando de lado a Ordem Pública”, afirmou Zé Jr, que espera maior investimento na Polícia de Ordem Pública, para manter a tranquilidade no seio da população.
No período nocturno tem sido difícil, por ser altura em que acontecem várias denúncias e há necessidade de se deslocarem aos pontos, mas nem sempre existe veículos a disposição.
Dada a situação difícil que enfrentam, dizem que existe Comandantes que ocultam a realidade vivida nos seus territórios, para que sejam vistos como bons líderes, enquanto que os seus colaboradores passam por situações lastimáveis e apelam aos órgãos competentes que investiguem estas denúncias.
Face ao contexto, os denunciantes da Polícia Nacional exortam aos seus superiores, particularmente ao Ministro do Interior Eugénio Laborinho, para que dê solução aos problemas que enfrentam no seio da corporação.
DIRECTOR ADJUNTO DO DCII DA PNA REAGE ÀS DENÚNCIAS
O assunto que foi um dos temas em destaque na edição de 8 de Junho, do Programa O Crime na Rádio, emitido na Rádio Prenda, mereceu reacção do Director Adjunto da Direcção de Comunicação Institucional e Imprensa (DCII) da Polícia Nacional, Subcomissário Mateus Rodrigues.
Na ocasião, reconheceu alguns dos problemas enumerados pelos Efectivos, mas deu a conhecer que outros são desconhecidos por si e dada a gravidade, prometeu encaminhar as instâncias superiores, para merecer o devido tratamento.
“Há denúncias tão graves que devem ser investigadas”, avançou, tendo acrescentado que as reclamações são positivas.
Sobre a possibilidade de criação de um Sindicato a nível da Polícia, o Subcomissário disse que em Angola não é possível.
Questionado sobre alguns países Europeus, em que no seio da corporação há sindicato, respondeu que o contexto é diferente, possuem características distintas, sendo que, as normas castrense em vigor em Angola não permitem a sua constituição.
Há mais de 20 anos na Polícia, Mateus Rodrigues garante que, quando um indivíduo cessa a sua actividade nas Forças Armadas Angolanas, fecha um capítulo, para dar abertura a outro, por isso, destaca que desde 2002, no acto da transição não é possível manter a patente que o indivíduo ostentava no ramo anterior, por isso, é submetido a um concurso público.
O Director Adjunto da Direcção de Comunicação Institucional e Imprensa (DCII) da Polícia Nacional, Subcomissário Mateus Rodrigues, a pesar de avançar que este órgão evoluiu bastante comparativamente ao passado, disse por sua vez, que existem ainda várias dificuldades e tudo está ser feito para serem ultrapassadas.