DOMINGO DE RAMOS MANCHADO DE SANGUE
Dois mortos e sete detidos foi o resultado de um confronto opondo agentes da Polícia Nacional a populares, no bairro Boa Esperança, em Cacuaco, em pleno dia que diversas religiões celebram a entrada triunfal de Jesus a Jerusalém. Da accão, os insurgentes vandalizaram a unidade policial, bem como colocaram barricadas na rua, ateando fogo e pneus.
Afonso Benjamim
No dia 28 de Março, por volta das 21 horas, um grupo de moradores imobilizou um indivíduo que, supostamente, tentava assaltar uma senhora, querendo levar-lhe a peruca. O presumível meliante foi, de imediato, apanhado, imobilizado e levado, pela população, até à 41.ª Esquadra, situada em Cacuaco, às 22 horas, sob forma de se evitar que houvesse justiça com as próprias mãos.
Já na esquadra, segundo contam os moradores, estavam a ser impedidos de entrar com o suspeito pelo graduado em serviço. Este facto desencadeou um enorme tumulto à entrada da referida unidade policial, tendo o suposto ladrão conseguido soltar-se e escapar, segundo testemunhas. Foi então que o agente disparou a sua arma, “de forma precipitada”, atingindo mortalmente um dos jovens que segurava o aludido marginal, com três tiros na cabeça.
Após o sucedido, a população revoltou-se de fronte ao posto da Polícia, clamando por justiça. Em resposta, os efectivos da esquadra começaram a efectuar disparos para dispersar a população já enfurecida. Porém, alguns disparos terão atingido mais um cidadão, enquanto o mesmo fugia das balas, tendo, também, perdido a vida no local.
Soares da Silva, ou Paizinho, como era conhecido no bairro a primeira vítima mortal, deixou viúva e uma filha de apenas três meses, e foi a enterrar na passada sexta feira, 2.
De acordo com a Polícia, Soares da Silva morreu, vítima dos disparos efectuados pelos agentes, não à-queima-roupa, mas ao chão, tendo os projécteis feito ricochete e atingido o jovem. Ademais, defende-se a corporação, a acção dos agentes foi na perspectiva de se defenderem de uma possível invasão dos populares.
Já a segunda vítima, que em vida atendia pelo nome de Pedro Manuel, continuou a gerar confusão entre os agentes da Polícia e a sua família, isso porque, de acordo com Luamba António, tio do falecido, após o sobrinho ser atingindo, os moradores carregaram o seu cadáver e o colocaram de fronte à esquadra, propriamente à beira da estrada, de modos que a Polícia se responsabilizasse pelo sucedido.
Entretanto, ainda na mesma noite, acalmados que estavam os ânimos, um conhecido do tio da vítima foi até à unidade policial, tendo daí recebido a informação de que o jovem havia morrido depois de ser atropelado, enquanto tentava escapar. Mas esta versão não colhia para os familiares que, ademais, vinham-se impedidos pelo cordão de segurança dos agentes, em volta do corpo do rapaz. “Eu, inclusive, vi eles a limparem o sangue envolta do corpo do meu sobrinho”, afirmou Luamba António.
Domingos Sebastião, amigo de Pedro Manuel, lamenta ter perdido um grande companheiro. “Hoje, enquanto eu estava de saída, vimo-nos, cumprimentamo-nos, e disse-lhe que haveríamos de nos ver mais tarde”, disse, distante de saber que aquela era a última vez que veria o amigo com vida.
Já Luamba António assegurou que o seu sobrinho, Pedro Manuel, nunca se meteu em confusões, e o tinha como filho.
Pedro Manuel, tratado por `M-Stop´ pelos mais chegados, era, segundos os familiares e amigos, um jovem amado no bairro, e um empenhado activista social. Aliás, dizem, era dotado de uma intelectualidade incomum, fácil de divisar, quando em contacto consigo. Com a formação média concluída na área de Ciências Económicas e Jurídicas, `M-Stop´, por ironia do destino, morreu com o sonho de ser Polícia.
Na sequência destas duas mortes, os populares, muitos deles munidos de pedras e outros objectos, fizeram barricadas nas entradas da rua, com pneus em chamas, e arremessavam tudo que viam pela frente à esquadra. Da acção, pelo menos sete pessoas foram detidas.
O Bairro Boa Esperança é conotado como melindroso, devido ao elevado índice de criminalidade.