“Eu acho que o antigo chefe inspirava menos medo que o actual chefe “

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É desta forma, e com uma gargalhada, que Benja Satula nos responde quando lhe perguntamos se os juristas que pactuaram com a corrupção do passado o tinham feito por medo ou por conforto. E explica-nos que isso fez parte de um esquema implantado entre 2003 e 2014.

Fonte:Expansão

Os juristas têm consciência das consequências económicas das suas decisões?

Acho que não. Na evolução do Direito há uma corrente que se desenvolve, que é a análise económica de Direito, onde já existe preocupação que os juristas percebam quais são os custos económicos das suas decisões ou da legislação que produzem. É normal que num País como o nosso a maioria dos juristas não perceba essa ligação e que não pense no custo económico quando aconselha determinada decisão a uma entidade ou a um cliente.

As instituições formam os alunos e as instituições emitem um certificado. Os alunos com esse certificado querem concorrer a um concurso público ou a uma vaga de trabalho, e o que é que fazem? Tem de levar este certificado ao INARES para certificar. Primeiro tinha que ser presencial, e estamos a falar de Angola toda…

Hoje há uma ligação muito forte entre o Direito e a economia. Grande parte das vezes que são chamados a intervir tem a ver com questões económicas, é uma nova realidade?

Para nós, é uma nova perspectiva do Direito. Durante muito tempo, o jurista ficou acomodado à ideia de que quem faz as contas são os outros. Nós fazemos as leis, nós interpretamos as leis, e depois os outros fazem as contas. Hoje a preocupação já é maior. Quem tem uma empresa ou uma entidade como cliente tem de ponderar qual é o custo económico da decisão que vai tomar. Lembro-me, por exemplo, de uma coisa que deve ser tomada em atenção em qualquer decisão jurídica, que deve ser possível traduzi-la numa linguagem informática.

 Explique-nos

Quando produzo uma lei, tenho de estar preparado para que esta venha a ser transformada numa linguagem informática, num programa, num software, para que as pessoas possam ter acesso, para que possam interagir. Da mesma forma, qualquer decisão jurídica, qualquer opinião ou aconselhamento jurídico, também deve ter em conta o seu custo económico.

 

Nós temos um quadro legislativo que é muito pouco informático. Por vezes confuso, mesmo.

Exactamente. Não se traduz nessa linguagem. Um quadro vasto, maçudo. Quando tomamos essas decisões não falamos com especialistas em informática, nem antes nem depois, e, a posterior, temos dificuldades em aplicar aquilo na prática. Também todo o estudante de Direito aprende, desde o início, que, por vezes, vale mais um mau acordo que uma boa sentença.

 

Por quê?

O que está na base disto é a racionalização do tempo. Eu posso esperar uma óptima sentença, mas isso pode significar que possa ter de esperar 10 anos.

Sem tempo definido não há justiça…

É verdade. Uma justiça demorada é meia justiça, e meia justiça é uma injustiça. Entre poder chegar a um acordo durante 30 dias, discutimos propostas e contrapropostas, e esperar uma decisão ideal que vai até ao Tribunal Constitucional, dentro dos diversos graus que temos aqui, pode demorar muitos anos, é preferível um acordo. Por vezes, querendo ser os justiceiros, ou os melhores do mercado, acabamos por não dar ouvidos a esta realidade, e acabamos por prejudicar muito mais a economia e o ambiente de negócios do que aquilo que nos chamaram a fazer, que era ajudar a resolver um conflito.

 

Essa é uma das maiores queixas dos empresários, em caso de conflito, as autoridades judiciais demoram muito tempo a ter uma decisão definitiva. Tem tudo a ver com as deficiências que temos no ambiente de negócios?

Basta só olhar para aquilo que nós exigimos para que uma empresa, uma sociedade comercial, esteja a funcionar em pleno. Os papéis todos, os alvarás, as certificações. Depois, não é possível conseguir todos estes papéis com uma única porta de entrada. Ou seja, é a pessoa que quer constituir a sociedade comercial que tem de ir a todas as entidades e serviços. E isso não leva menos de seis meses.

 

Imagine um cliente estrangeiro que aborda o seu escritório para pôr uma empresa a funcionar em Angola. Que prazo mínimo lhe dá para poder estar a funcionar?

Digo-lhe que, no mínimo, vamos ter nove meses para ter isso a funcionar. Pode ser que apareça alguém a dizer que “consigo isso mais rápido”, mas lá está, já estamos a entrar naquele caminho de dar a volta, fazer uns telefonemas, tomar um café com uma ou outra pessoa, é muito mais complicado. O normal seria uma pessoa dirigir-se a uma porta de entrada e, quando voltasse, 30 dias depois, já ter todos os papéis necessários, pagar tudo de uma vez e começar a sua actividade.

 

Mas ouvimos todos os dias os discursos dos governantes a apelar que venham investir em Angola, que há inúmeras facilidades. Esse é um discurso sem aplicabilidade na prática?

Sem qualquer aplicabilidade, porque como, lhe disse atrás, não conseguimos passar para uma linguagem informática toda a legislação que suporta essas exigências. Vou dar-lhe apenas um exemplo, o do visto online. Depois de tratada toda a documentação pode falhar, como já aconteceu connosco. E depois temos de correr pra lá. E depois corres o risco de chegar ao aeroporto e encontrar uma fila enorme para fazer um pagamento. Eu tentei encurtar tudo, mas depois perco o dobro do tempo, dependendo do local de onde venho. E isto é o desencontro entre o diploma legal, que tem uma bondade própria e um objectivo próprio, e depois a possibilidade de o cumprir na prática.

 

O problema então deste mau ambiente de negócios está na legislação ou está nos processos?

Temos de fazer uma divisão. Nós temos legislação a mais, para aquilo que não precisamos, esse é um ponto. Outro é que essa legislação não é antecedida de consulta prévia aos economistas e informáticos, no sentido de nos dizerem quais são os custos económicos e qual a linguagem informática que pode ser utilizada. Como acontece na maioria das vezes, é um descalabro. E vou dar-lhe outro exemplo…

 

Também nesta área dos processos desajustados?

Sim! Uma situação que nos acontece muitas vezes e que tem a ver com os certificados do INARES. Nós temos instituições de ensino superior certificadas no País, todos os anos o ministério publica as instituições e os cursos legalizados. As instituições formam os alunos e as instituições emitem um certificado. Os alunos com esse certificado querem concorrer a um concurso público ou a uma vaga de trabalho, e o que é que fazem? Tem de levar este certificado ao INARES para certificar. Primeiro tinha que ser presencial, e estamos a falar de Angola toda…

Para nós, é uma nova perspectiva do Direito. Durante muito tempo, o jurista ficou acomodado à ideia de que quem faz as contas são os outros. Nós fazemos as leis, nós interpretamos as leis, e depois os outros fazem as contas. Hoje a preocupação já é maior. Quem tem uma empresa ou uma entidade como cliente tem de ponderar qual é o custo económico da decisão que vai tomar. Lembro-me, por exemplo, de uma coisa que deve ser tomada em atenção em qualquer decisão jurídica, que deve ser possível traduzi-la numa linguagem informática.

Mas isso tem a ver com o facto do Estado não confiar nas instituições…

Esse é que é o problema! Certificou a instituição, mas não acredita nela. Para questões legais e laborais exige a certificação daquele certificado que foi emitido por uma instituição certificada por si. Para ver se de facto aquele estudante fez um curso. O que é que temos aqui? Temos um não acreditar no sistema, um não acreditar nas competências e nas certificações que o Estado dá às instituições, e um descrédito geral implícito aos diplomas que se emitem.

 

O argumento usado é a possibilidade de falsificação.

Existem outras formas de prevenir as falsificações. Por exemplo, todos os dados dos certificados poderiam passar pelo INARES antes de serem emitidos. O instituto tinha as listas dos estudantes formados por cada instituição, e não precisava aluno passar horas e dias nas filas do INARES a tentar certificar o seu certificado de habilitações. E qual é o objectivo disto? Queremos dinheiro? Queremos credibilidade? Mas não é assim que as coisas devem funcionar.

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