MENOR DE 17 ANOS NO BANCO DOS RÉUS POR MATAR

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Nsunda Gabriel, também conhecido por “De Estrela”, que responde pelo crime de homicídio voluntário, nega ter agido com intenção de tirar a vida do amigo, Francisco Mateus Munanga, 18 anos, durante uma briga no seu quintal.

Por: Felicidade Kauanda

Saiu da cadeia sob termo de identidade e residência e, apesar de viver com os pais e irmãs, o adolescente, Nsunda Gabriel, apareceu ao tribunal sem qualquer parente próximo ou amigo a acompanhá-lo. Parecia bastante calmo e seguro, para quem estivesse a enfrentar situação do género pela primeira vez.

Porém, enquanto se aguardava pelo início da sessão, na sala de espera, o réu, mesmo no meio de familiares do malogrado que, ainda consternados com a perda, lamentavam o acto macabro, fazia transparecer sua indiferença, como se fosse alguém que nada tinha a ver com o caso.

Já no banco dos réus, a juíza da causa, Elisabeth Katila Augusto, na 13.ª Secção dos Crimes Comuns do Tribunal de Comarca de Belas, questionou-lhe sua idade, tendo o mesmo, exibindo a cópia do seu documento de identidade, respondido ter 17 anos.

Sobre os factos, confessou parcialmente o crime, defendendo que, entre ele e o malogrado, Francisco Mateus Munanga, tratado carinhosamente por Da Chique, existia uma boa relação de amizade, cumplicidade e entreajuda, em diversas situações, por isso, não foi sua intenção exclui-lo do mundo dos vivos.

Para justificar o seu acto, contou que o infeliz e outros seus amigos, conhecidos apenas por, “Quene”, “Viúva Negra”, “Elo K”, “Da tua mãe” e “Bruno B”, depois de uma briga da qual ele não participou, muniram-se de paus, catanas e ferros e invadiram-no, no quintal da sua casa, onde se encontrava com três irmãs e três amigos.

Seguidamente, disse ter ouvido insultos por parte do grupo do infeliz, que estavam em maior número, sendo que, para acautelar, saiu de dentro, mas quando se aproximou, viu-se envolvido na confusão e, de imediato, foi golpeado com um bastão no pescoço, por “Viúva Negra”, enquanto os outros invasores agrediam os seus amigos.

Temendo que aqueles entrassem no interior da casa, onde se encontravam as irmãs, que clamavam por socorro, entrou para a cozinha e retirou a faca, segundo ele, apenas para os ameaçar, porém, a dado momento, Francisco foi contra si e desferiu-lhe o golpe no pescoço.

Na ocasião, disse, a confusão cessou, enquanto o infeliz se retirava, andando junto dos companheiros, com a promessa de que voltariam. Então, com medo de sofrer represálias, todos abandonaram a residência e foram em parte incerta, tendo o réu se refugiado para a província do Bengo.

Julgando que tinha causado um simples ferimento a Francisco, no dia seguinte, conta, surpreendeu-se com a notícia da sua morte. Tão logo os seus pais souberam do sucedido, levaram-no para uma esquadra policial, em Caxito, onde foi detido e, posteriormente, levado para Luanda.

O réu fez saber, ainda, que deitou a faca de cozinha numa casa inacabada, tendo, mais tarde, tomado conhecimento de que foi encontrada pelos agentes do SIC.

Como a amizade começou a ruir…

Há um tempo, o réu e os seus amigos criaram um grupo que se dedicava à música e realização de festas. Posteriormente, o grupo foi repartido em dois, tendo o réu e o infeliz ficado em lados opostos, ou seja, Francisco integrava o grupo denominado PRB, constituído por nove membros, entre eles, “Gu de Arroz”, “Bad Panda”, “Paquete”, “Viúva Negra”, “Da Tua Mãe” e “Elo K”. Já o réu fazia parte do grupo RTC, igualmente constituído por nove elementos, dos quais “Raia”, “Mexaque”, “Papi”, “Dacamazita”, “Bild”, “Da Favela” e 2B. Entretanto, diz o réu, todos mantinham bom relacionamento uns com os outros, aliás, alguns deles eram seus colegas de escola.

Um dia, o grupo PRB, do qual o malogrado fazia parte, realizou uma festa, em que apenas três membros do seu grupo, isto é “Mexaque”, “Papi” e “Raia”, tinham sido convidados. Este último, porém, depois de ter ingerido bebidas alcoólicas por excesso, começou uma confusão, situação que aborreceu os organizadores e os obrigou a convidarem os três a abandonarem o local.

Um mês após a cena, os grupos passaram a mandar-se recados ameaçadores. Apesar disso, conta o réu, a sua relação com os agora adversários manteve-se imaculada, isto é, sempre que cruzava com alguns elementos dos PRB, era tudo normal, sem qualquer discussão, razão pela qual chegaram a questioná-lo porquê razão não fazia parte deste grupo, uma vez que residia próximo deles.

Uma outra briga entre os PRB e RTC aconteceu e, apesar de o réu não se ter feito presente, conta que o malogrado e os seus amigos, posteriormente, foram à sua residência e deixaram um recado à sua mãe e às irmãs, dizendo que, quando o encontrarem, o matariam, facto que os levou a mudarem de bairro.

Pai da vítima mostra não conhecer o filho

Mateus Munanga, pai de Francisco, em sede de julgamento, fez transparecer que pouco sabia ou que não conhecia muito bem o filho, tendo o Ministério Público, inclusive, o questionado se, realmente, vivia com a vítima, o que deixou os seus familiares aborrecidos, em particular Albertina João André, a mãe, que, movida pelo sentimento de justiça pelo filho, levantou-se e pediu à juíza da causa que lhe permitisse prestar declarações, alegando que tinha muito mais para esclarecer. Porém, não obteve sucesso, porque o momento era inoportuno.

O pai do malogrado, além de não saber sobre os factos, disse desconhecer o significado da alcunha do filho, “Da chique”, que usou por cerca de quatro anos, assim como não sabe a alcunha do réu, com quem seu filho andava habitualmente, assegurando mesmo que não o conhece e nem sequer o viu alguma vez no bairro, sendo aquele dia de audiência o primeiro que o avistava.

Na mesma senda, desconhece os grupos RTC e RPB, que se dedicavam à música e realizações de festas na sua localidade, e muito menos que seu filho fazia parte. Sabe, apenas, que o filho se ocupava com a vida estudantil, aos deveres de casa e aos cuidados da residência de um cidadão no bairro.

Conta que o filho andava, habitualmente, com dois primos menores e um vizinho, que apenas conhece por Paizinho, mas que nunca ouviu sobre qualquer conduta ilícita por parte deste. Por outro lado, contou que no período da manhã, no dia dos factos, Paizinho foi à sua residência e saiu com o seu filho, alegando que iam à casa daquele.

Entretanto, para mais esclarecimentos, disse que Paizinho é a pessoa ideal, defendendo que foi ele quem esteve, a todo momento, com o malogrado, sendo que apenas recebeu a notícia depois de um tempo, quando seu filho já estava estendido e ensanguentado na rua.

Solicitado ao réu para identificar o referido Paizinho, disse tratar-se do “Viúva Negra”.

Por fim, o pai disse não saber quem saqueou e incendiou a residência dos pais do réu, após a morte do seu filho.

“Matei, já saí da cadeia e estou a comer muito funge”

Tanto na audiência de julgamento, quanto fora da sala, os parentes da vítima mostraram-se revoltados com as declarações do réu, alegando que quase tudo não passava de mentiras. Por essa razão, ameaçam fazer justiça com as próprias mãos, caso o mesmo saia impune.

Albertina João André, enfurecida, apresentou a este Jornal o motivo que a leva a pensar em fazer justiça por conta própria. “Este miúdo vai fazer-me conhecer a cadeia… desde que foi solto, tem colocado a fotografia do meu filho no facebook, a dizer “matei, já saí da cadeia, estou a comer muito funge”, isso me deixa muito irritada.

“Ele é muito conhecido no bairro pelas suas práticas criminosas. Ele mentiu no julgamento… meu filho não era de nenhum grupo, ele começou a perseguir o Francisco há muito tempo, a partir da escola, porque queria que fizesse parte do grupo dele de bandidagem, meu filho sempre me contava, mas perseguiu até que conseguiu tirar-lhe a vida”, revelou.

Com remorso, aquela mãe lembra que, no dia do infortúnio, Francisco passava pela rua com o amigo Paizinho, quando o réu e os seus amigos lhes assaltaram, razão pela qual o seu filho foi à casa do réu. “Eu tenho muito para esclarecer no tribunal, por isso pedi à juíza para me deixar falar”, frisou.

Aos prantos, desabafa “tinha apenas dois filhos, mataram o meu segundo filho, único rapaz, não era de grupo de bandidos, ele e o amigo eram desses miúdos que parecem que vivem no interior, não tinha vícios, dedicava-se apenas aos estudos, tinha uma vida honesta… com 18 anos, já trabalhava, cuidava da casa de um vizinho que fazia viagem, ganhava 35 mil kwanzas, apresentava-me o salário, eu é que tinha que lhe dizer «não filho, o dinheiro é teu, compra o que for necessário para ti». Quero justiça, esse De Estrela tem que estar preso”.

Segundo fontes do O Crime, Nsunda Gabriel, ou simplesmente De Estrela, apesar de adolescente, é considerado grande nas práticas delituosas, pois, ele, que, anteriormente, residia no bairro Rocha Pinto, fugiu por se ter envolvido na morte de uma senhora, tendo mudado-se para o Calemba 2 — Sapu, onde lidera um grupo que perturba a tranquilidade dos moradores.

Sustentam as fontes que, através do seu grupo, a escola Caxiri e outras instituições de ensino, principalmente aquelas sem segurança ou vigilante, já foram invadidas, com alunos e professores dentro das salas, o que obrigou a muitos encarregados de educação a retirarem, daí, os seus filhos, em pleno ano lectivo, em função do sentimento de insegurança que eles causavam.

Por outro lado, disse a fonte, Da estrela, para além de escolas, já invadiu um óbito; aconteceu meses atrás, depois de solto, quando foi para o bairro antigo e, apercebendo-se que “Viúva negra” estava num óbito nas proximidades, reuniu seu grupo e, para lá, se dirigiu, no dia do funeral, e gerou grande pânico aos presentes, que se viram obrigados a refugiarem-se em casas próximas.

Por fim, a nossa fonte revelou-nos que o pai do réu é curandeiro, pelo que Da Estrela nada teme.

Acusação

O Ministério Público, na sua acusação, sustenta que na manhã do dia 25 de Setembro de 2019, no bairro Bita Sapu 2, o réu encontrava-se na via pública, em companhia dos seus amigos, conhecidos apenas por 2B, Da favela e o declarante Manuel Constantino Lopes, quando foi convidado por este último, para irem à sua residência, a fim de almoçarem arroz. Porém, por ser uma refeição muito simples, o réu, decidiu ir à sua casa, buscar dinheiro para comprar feijão e pediu aos amigos que o acompanhassem.

Já no interior da casa, enquanto os seus amigos aguardavam no quintal, foram surpreendidos por Fernando, a vítima, que estava acompanhado de cinco amigos, munidos de ferros.

No momento, começou uma briga com os que estavam no quintal e, quando o réu saiu, Viúva negra desferiu-lhe um golpe, com um bastão, no pescoço. Este, por sua vez, aproveitando-se de um momento de distração do grupo que os agredia, entrou na cozinha, pegou em uma faca que estava sobre o armário e voltou para o quintal. Naquele momento, Francisco aproximou-se dele e foi golpeado no pescoço.

Francisco Mateus Munanga, também tratado por Da chique, infeliz nos autos, foi socorrido pelos vizinhos e levado para o Hospital Geral de Luanda, onde faleceu. Seu corpo foi examinado e concluiu-se que a causa directa e necessária da morte foi causada por aquele ferimento.

Assim, de acordo com o Ministério Público, Nsunda Gabriel cometeu o crime de homicídio voluntário, previsto e punível pelo artigo 349.º do Código Penal.

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