Mihaela Webba acredita na destituição do PR: “Existem muitos patriotas no grupo parlamentar do MPLA”
O grupo parlamentar da Unita, na oposição, anunciou ontem que vai lançar no parlamento uma iniciativa visando destituir o Presidente João Lourenço que, na sua óptica, subverteu o processo democrático, consolidou um regime autocrático e permitiu o aumento da corrupção entre titulares de cargos políticos dependentes dele, entre outras acusações.
Fonte: RFI
Em conferência de imprensa nesta quarta-feira, o grupo parlamentar da Unita disse que estava prestes a lançar no plenário uma Proposta de Iniciativa para a Constituição de Processo de Acusação e Destituição do Presidente da República, a quem acusam de ter subvertido “o processo democrático, tendo consolidado no País um regime autoritário, que atenta contra a paz e contra os direitos fundamentais dos angolanos”. Sob a sua alçada, referem que “o Estado foi capturado por uma oligarquia que é dirigida, mantida e controlada pelo Presidente da República” sendo que este último também “atentou e atenta contra a dignidade da pessoa humana, a concretização da Independência Nacional e contra a construção da paz social e da unidade da Nação.”
Neste sentido, a parlamentar considera que “há a possibilidade de a discussão ir avante” e que mesmo que o Presidente não venha a ser destituído, “já é positivo o facto de se estar a discutir isso em Angola, de os cidadãos perceberem que ninguém está acima da lei, perceberem que o Presidente da República, quando viola a Constituição há consequências, e que uma das consequências é o início de um processo de destituição”
Noutro aspecto, a Unita considera ainda que “enquanto Titular do Poder Executivo, pelos poderes que detém e utiliza nos termos da Constituição, tornou-se no único responsável político pela crise geral de governação que o País vive”, que ele “altera ou subverte o Estado de direito constitucionalmente estabelecido, nomeadamente os direitos, liberdades e garantias estabelecidos na Constituição da República, na Declaração Universal dos Direitos do Homem e noutros documentos internacionais vinculantes subscritos por Angola”.
Segundo o segundo maior partido angolano,”existem também fortes evidências de coacção contra órgãos constitucionais, designadamente, a Assembleia Nacional, a Procuradoria-Geral da República (PGR), o Ministério Público”, há igualmente “evidências claras de interferência do Presidente da República, controlo, instrumentalização e manipulação dos juízes dos Tribunais Superiores”, existem também “evidências bastantes de violação dos princípios constitucionais da transparência, da boa governação e da responsabilização, da parte do Presidente da República, na execução do Orçamento Geral do Estado (OGE)” e “aumentaram igualmente as evidências de actos de corrupção activa e passiva no seio de titulares de cargos políticos dependentes do Presidente da República que, mesmo depois de receber denúncias, queixas e reclamações diversas, manifesta inacção, tolerância, conivência ou desdém.”
Questionada pela RFI sobre esta iniciativa, Mihaela Webba, deputada da Unita, disse que os parlamentares do grupo a que pertence, “entendem que nos últimos tempos há matéria penal e há matéria voiladora da Constituição e são duas coisas que a Constituição exige para que haja destituição do Presidente da República”.
Ao referir que os factos “só no requerimento de acusação é que vão ser efectivamente apresentados”, a parlamentar sublinha que “já há alguns que vieram à tona na imprensa, alguns casos de corrupção”. Mihaela Webba cita nomeadamente “o facto de o próprio tribunal de contas ter recebido publicamente uma ordem do Presidente da República no sentido de viabilizarem os concursos sem se exigir o visto do tribunal de contas, o que configura um atentado ao regular funcionamento das instituições, o facto de o Presidente da República ter tido dois comportamentos diferentes relativamente aos juízes conselheiros, os presidentes do Tribunal Supremo e do Tribunal de Contas. A um pediu para pedir a sua demissão, a outro manteve a confiança política, mesmo sabendo que alegadamente estava a ser acusado de crimes graves”.
Ao evocar os procedimentos a serem observados no requerimento a ser formulado pelo grupo parlamentar da Unita, a deputada refere que o documento “necessita de 73 assinaturas no mínimo e posteriormente, para que passe, o requerimento precisa de 147 votos favoráveis”, sendo que Mihaela Webba sublinha que “em todo o processo relacionado com a destituição do Presidente da República é mediante votação secreta. Portanto, isso vai ser o primeiro grande desafio para o parlamento angolano porque nunca houve votação secreta no parlamento angolano.”
Questionada sobre a viabilidade desta iniciativa tendo em conta que o MPLA no poder é maioritário no parlamento, a deputada declara que “existem muito patriotas no grupo parlamentar do MPLA” e que acredita que “o voto aberto inibe as pessoas porque gera o medo e o voto secreto dá a garantia de que os deputados vão exercer a sua liberdade de modo que não haja posteriormente caça às bruxas”.
Neste sentido, a parlamentar considera que “há a possibilidade de a discussão ir avante” e que mesmo que o Presidente não venha a ser destituído, “já é positivo o facto de se estar a discutir isso em Angola, de os cidadãos perceberem que ninguém está acima da lei, perceberem que o Presidente da República, quando viola a Constituição há consequências, e que uma das consequências é o início de um processo de destituição”.
Mihaela Webba mostra-se convicta de que esta iniciativa pode traduzir-se num inflexão da política do Presidente, no caso de ele não ser destituído.”É um alerta porque significa que há um parlamento que tem a possibilidade de iniciar um processo de destituição e se o Presidente continuar a ter condutas violadoras do Estado de direito democrático, pode efectivamente perder o seu mandato”, conclui a responsável política.
Processo de destituição
A destituição do Presidente da República, de acordo com o artigo 129.º da Constituição da República, é accionado nas seguintes situações: a) Por crime de traição à Pátria e espionagem; b) Por crimes de suborno, peculato e corrupção; c) Por incapacidade física e mental definitiva para continuar a exercer o cargo; d) Por ser titular de alguma nacionalidade adquirida; e e) Por crimes hediondos e violentos tal como definidos na presente Constituição.
O Presidente da República pode ser ainda destituído por crime de violação da Constituição que atente gravemente contra: a) O Estado democrático e de direito; b) A segurança do Estado; c) O regular funcionamento das instituições.
O Presidente da República pode ser ainda destituído por crime de violação da Constituição que atente gravemente contra: a) O Estado democrático e de direito; b) A segurança do Estado; c) O regular funcionamento das instituições.
A UNITA ainda não apresentou os argumentos jurídico-legais que a levam a tomar a iniciativa de acusar e de destituir o Presidente João Lourenço. Tudo que se sabe é da sua intenção e do argumento político.
A Constituição também consagra que os processos de destituição do Presidente da República deve ser devidamente fundamentada, sendo que a proposta de iniciativa deve ser apresentada por 1/3 (um terço) dos deputados em efectividade de funções.
A deliberação (relatório parecer), por sua vez, deve ser aprovada por maioria de 2/3 (dois terços) dos deputados em efectividade de funções, devendo, após isso, ser enviada a respectiva comunicação ou petição de procedimento ao Tribunal Supremo ou ao Tribunal Constitucional, conforme o caso (criminal ou constitucional).
“Estes processos têm prioridade absoluta sobre todos os demais e devem ser conhecidos e decididos no prazo máximo de 120 dias contados da recepção da devida petição”, determina a Constituição da República de Angola.