Nito Alves revela: “TRÊS DIAS ANTES DA MANIFESTAÇÃO, O GOVERNO QUIS NEGOCIAR COMIGO”

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Nito Alves está entre os manifestantes que, nos últimos dois meses, aumentaram a pressão ao poder político angolano, para atender às crescentes necessidades da população e agendar uma data para a realização das primeiras eleições autárquicas. Na manifestação de 11 de Novembro, foi espancado pela Polícia até perder os sentidos. Em entrevista ao `O Crime´, o jovem activista revela, entre vários aspectos, a tentativa de negociação para abandonar as causas da sua luta e responde à alegada ligação com a oposição.

Inácio Manuel

O Nito Alves — Sou o Manuel Chivonde Baptista “Nito Alves”, cidadão angolano nascido no Huambo, descontente com a política exercida pelo governo do MPLA, que sabe o certo e o errado, luta pelos direitos humanos e toma as suas decisões.Crime — Quem é o Nito Alves?

O Crime — Exerce alguma actividade remunerável?

Nito Alves- Exerço várias, de forma liberal.

O Crime — Qual é o seu nível académico?

Nito Alves — Frequentei até o segundo ano de Relações Internacionais e Ciências Políticas, na Universidade São Francisco de Assis, em Portugal. Tenho, também, o curso de Direitos Humanos, feito no Brasil.

O Crime — Algumas dúvidas ainda persistem sobre o que terá ocorrido no dia 11 de Novembro, quando foi ferido durante a manifestação. Pode explicar?

Nito Alves — Mantenho, absolutamente, as minhas palavras, sem temer pela minha vida. Na manhã daquele dia, nós, a Primeira Região Militar ou Movimento Revolucionário, saímos da Estalagem, em Viana, com um grupo de jovens que nunca pensámos que se juntaria à nossa forma de revolução. Todos os grupos, saídos de várias zonas de Luanda, estavam unidos e prontos para uma manifestação pacífica. A Polícia estava totalmente preparada para um desafio e nós estávamos prontos para uma passividade democrática. Eles atiraram gás lacrimogénio, fizeram disparos com balas reais e de borracha. Um deles, feito intencionalmente, atingiu o amigo Inocêncio de Matos.

O Crime — Em que zona manifestava o grupo que integrou?

Nito Alves — Fizemos o percurso Viana, Palanca e, passando pelo interior dos bairros, por causa das barreiras da Polícia para dispersar os manifestantes, conseguimos chegar até à Avenida Brasil. Éramos mais de cem pessoas, ajoelhamos e protestávamos pacificamente, mas a Polícia de Intervenção Rápida (PIR) insistiu em dispersar o grupo, criando muita confusão.

O Crime — Foi neste momento que sofreu a agressão?

Nito Alves- Sim. Naquele momento, eles puxaram a mim e a um compatriota, o Belo, enquanto a maioria corria para locais incertos. O Constantino, também revolucionário, resistiu, para me livrar daquela situação, mas já era tarde, a Polícia batia-me com arma, porretes e, apesar de estatelado e a pedir misericórdia, jogaram-me gás lacrimogéneo e mostravam satisfação, porque estava a perder os sentidos. Ainda gritavam: «ele está morto».

A tentativa de suborno por parte do Governo

O Crime — Acha que esta acção terá sido encomendada por alguém?

Nito Alves — Sim. Três dias antes da manifestação, o Governo quis negociar comigo e rejeitei absolutamente tudo. Não temo revelar os nomes das pessoas que me contactaram, mas, neste momento de luta, prefiro não fazer e apanhá-los de surpresa. «Se quiseres ganhar uma guerra, não alerte o adversário» e nós estamos preparados para isso. Contudo, são pessoas que governam este país.

O Crime — Qual é a proposta que lhe fizeram?

Nito Alves- São propostas estúpidas, mas também extraordinárias. Porém, para uma pessoa que conhece Europa e vários países da América Latina, dormiu em vários hotéis e com mulheres de várias nacionalidades, não colocaria em causa a sua dignidade. Eu sou do musseque e consegui unir várias pessoas para uma luta.

Digo, sempre, para as pessoas aprenderem que um ditador, um carrasco ou um assassino, um dia conhecerá o seu fim; aqueles que cumprem as suas ordens também irão à cadeia. Após a Segunda Guerra Mundial, houve o julgamento de Nuremberg, onde foram julgados os generais, coronéis e comandantes que cumpriram as ordens de Adolf Hitler. O mesmo poderá ocorrer neste país e, quando assim for, ganharemos a causa. Isso abrange, igualmente, juízes, como Januário Domingos, que é um criminoso, o cidadão Miala, que, enquanto esteve preso, o defendemos, mas agora, por estar com o cidadão João Lourenço, está a afastar-se da sua dignidade e colocar a farda com a patente de general, para intimidar as pessoas. Vou enviar-lhe um recado, para ele transmitir a João Lourenço: o general Zé Maria era mais carrasco e assassino, mas lhe enfrentámos.

Quando estava a ser julgado, deu aulas no tribunal e ficou mais de duas horas em pé. Eu fiquei mais de 40 minutos estatelado, a jorrar sangue e perdi os sentidos, mas estou em vida. Isso significa que é uma guerra declarada contra o Governo.

“Não temo pela minha vida. Se um dia morrer, será por culpa do Governo”

O Crime — Aparentemente, no Hospital do Prenda, recebeu um tratamento especial, talvez por ser o Nito Alves. Certifica isso?

Nito Alves — Devo agradecer às zungueiras, às crianças e a outras pessoas que se rebelaram contra a Polícia, por causa da situação que causou, embora eu não tenha mostrado resistência. O agradecimento é extensivo aos órgãos de Comunicação Social, que mostraram a verdade. Este povo salvou a minha vida.

Inicialmente, fui tratado como um cidadão comum. Quando o povo se fez à porta do hospital, a pressionar os médicos, perceberam que estavam a tratar alguém que também defende o pão e a dignidade deles. Depois disso, o tratamento que tive não foi um favor, mas um direito consagrado no artigo 30.º da Constituição da República de Angola, direito à vida. Eles salvaram a minha vida e devo agradecer o profissionalismo que tiveram, algo que deve beneficiar todo o cidadão, de Cabinda ao Cunene.

O Crime — Durante o período de internamento, sentiu algum receio de retaliação?

Nito Alves — Eles responsabilizaram-se a tratar-me como um cidadão. Mantiveram mais de oito polícias a me proteger. Apenas o director do hospital tinha acesso à sala e algumas médicas que cheguei a dar-lhes a mão. Em Angola, ainda existem pessoas com honra. Mas um grupo de bandidos que detém o poder, o MPLA, estragou este país.

Tiveram muito tempo para me fazer mal e, repito, não temo pela minha vida. Se um dia morrer, será por culpa do Governo.

O Crime — O que representa o aparato policial que cuidou do acesso à sala em que esteve internado?

Nito Alves — O Nito é um jovem que se manifesta e, se acontecesse alguma coisa comigo, o Governo seria o culpado, então, tinha que me proteger. O Governo e a Polícia queriam me matar, mas, depois, perceberam que não cometi nenhum crime e foram lá para me defender. Cumpriram uma ordem.

O Crime — De quem terá sido a ordem?

Nito Alves — Do cidadão Eugénio Laborinho, ministro do Interior. Foi ele que ordenou a Polícia. O Miala manda e o Laborinho executa.

O Crime — A forma como se entrega às causas que defende mostra tratar-se de um jovem com muita coragem e determinação. Nunca teve receios?

Nito Alves — Tomo as minhas decisões sem temer pela vida.

O Crime — Como é que a sua família encara o seu posicionamento?

Nito Alves — Os pais querem sempre o bem para os seus filhos, nunca lhes querem ver mortos. Eles respeitam a minha decisão como homem e me tratam como filho. Sou responsável pelos meus actos, mas não me posso impor a eles. Eles respeitam o que eu faço, aceitam a diferença, porque luto pela democracia, lutamos pelo respeito, educação, saúde, água, pão, luz e dignidade humana.

O Crime — Qual foi o objectivo da sua viagem à Portugal?

Nito Alves — Certamente que o Governo vai ler esta matéria e, se disser aqui o que me levou a Portugal, poderá ser um caminho para eles fazerem as suas manipulações e interferirem nos meus planos. Isso eu entrego no campo de batalha.

O Crime — É verdade que a sua formação foi patrocinada por organizações internacionais e que tem o apoio do parlamento europeu?

Nito Alves — Não há nenhum financiamento. Se assim fosse, a casa dos meus pais não estaria no estado actual.

Admito ter boas relações com o pessoal na Europa. Sejam brancos ou negros, comunidades africanas que são símbolos da resistência e lutam por uma causa justa, pela união do continente. O nosso apoio é a resistência. Um dá a mão ao outro e todos caminham. Para ter isso, mostrei trabalho e sacrifício. E o europeu, embora esteja a estragar o nosso continente, quando se trata de direitos humanos, defende. Como africano, lamento ter que dizer isso, mas agora, nós, os jovens, temos que ensinar os nossos irmãos.

Neste país, com uma licenciatura ou doutoramento, as pessoas tornam-se ignorantes por causa do poder e do fato e gravata. Devemos respeitar todos, zungueiros, sapateiros, serralheiros ou quem quer que seja. Todos eles são uma força para o Estado. O grau de superioridade em Angola deve acabar e respeitarmos todos como pessoa humana. Ali, eu diria que Angola é um grande país na África subsariana. Então, não devemos perder a oportunidade que temos para organizar este país.

O Crime — Nos últimos anos, surgem vários grupos que se assumem defensores das causas do povo angolano, doando-se a elas, sobretudo, por via das manifestações. Na sua visão, isto está a contribuir para maior união ou para dividir o Movimento Revolucionário?

Nito Alves — Quando começámos esta luta, éramos poucos e conotavam-nos como jovens frustrados, mas conseguimos influenciar uma fasquia da juventude, o que quer dizer que o grupo cresceu. Todavia, isso não significa qualidade.

Alguns grupos de pressão ao Governo devem saber que Angola não é Canadá, é um estado selvagem. E o maior problema desse país é o MPLA, tem que ser derrubado. A juventude deve começar a pensar no derrube do regime e ficar atenta a essa suposta oposição, esses velhos sem juízo que estão no parlamento.

Há que se analisar o poder político e a organização deste país. Com que idade José Eduardo dos Santos, Emmanuel Macron e Muammar al-Gaddafi assumiram o poder? Então, por que os jovens vão ter medo de assumir o poder e organizar o nosso país, se os mais velhos estão todos traumatizados, porque combateram e borraram as suas mãos de sangue? Quando jorra sangue entre os mais velhos, a nova geração deve perdoar-se, para dar continuidade ao país. Isso eu espero de Angola e a responsabilidade está com os jovens.

“Apenas respeito a UNITA de Jonas Savimbi”

O Crime — O incentivo da UNITA para a manifestação de 24 de Outubro é, por algumas pessoas, interpretado como aproveitamento político. Paralelamente a isto, a visita que recebeu do deputado Nelito Ekuikui. É também a sua visão?

Nito Alves — Antes do Nelito Ekuikui ser deputado, já éramos amigos. Por outra, não somos influenciados pela UNITA e não temos qualquer ligação com eles. A UNITA é um partido político e nós somos os jovens do Movimento Revolucionário, estamos de fora das negociações ou poder que eles têm. Portanto, respeito a UNITA, mas a de Jonas Malheiro Savimbi.

O Crime — E a de Adalberto Costa Júnior?

Nito Alves — Esta UNITA, absolutamente, trato-lhes de tu para tu, é um grupo de velhos. Devem reflectir sobre o tempo que estão na oposição e os resultados das eleições fraudulentas que aceitaram. Se a intenção continua a ser a ascensão ao poder, a oportunidade já passou. Aceitaram, por três vezes, fraude eleitoral. Quando isso acontece, o jovem com discernimento não aceitaria arriscar a sua confiança a pessoas que engoliram sapo. Não sou político, mas um cidadão que defende os seus direitos. O político pode ser considerado bruxo, pode discutir no Parlamento e depois sentar com o MPLA para receber envelopes.

Isso é falta de respeito. Se as pessoas pensam que desejo governar este país, podem esquecer. Após a minha luta, estaria a descansar na Singapura, à beira-mar, com os meus filhos. E a responsabilidade estaria com os próprios autóctones.

O Crime — Uma das lutas do movimento a que pertence é a alternância no poder político em Angola, mas defende que já passou a oportunidade de a UNITA exercê-lo. Que partido espera que venha a governar o país?

Nito Alves — Em política, tudo é possível, mas não significa que será a UNITA. Queremos inclusão dos jovens na organização de um governo.

O Crime — O Nito Alves é apartidário?

Nito Alves- Sou cidadão comum.

“Se eu fosse João Lourenço, demitia-me”

O Crime — Arrepende-se de alguma coisa que terá feito neste percurso?

Nito Alves — Dizem que o arrependimento vem depois, mas também é depois que aparece a felicidade. O passado é mesmo passado, porém fica registado como história. Eu jogava futebol na escola Norberto de Castro e sempre estudei em bons colégios, mas comecei no bairro, com o sacrifício da minha mãe. Hoje sei que já não devo recuar.

O Crime — Que avaliação faz da governação do presidente João Lourenço?

Nito Alves — Dou nota zero. O preço dos alimentos subiu e houve aumento do desemprego, miséria e prostituição. Se eu fosse o cidadão João Lourenço, demitia-me, por uma questão de honestidade. Mas, em Angola, isso não acontece, por causa da ganância ao poder.

O Crime — Quando foi apresentado o programa de governação do MPLA, durante a campanha eleitoral de 2017, teve esperanças de uma Angola melhor?

Nito Alves — Só um ingénuo ou irracional acreditaria nisso. Quem deu o poder ao João Lourenço foi José Eduardo dos Santos. Poderia eu acreditar num partido que está há mais de 40 anos no poder?!

O Crime — Certamente, não é esta Angola que o Nito Alves sonha viver…

Nito Alves- Angola é um estado selvagem, autoritário. Quem já viveu noutros países com liberdade civil, onde as pessoas têm, pelo menos, uma alimentação digna, sabe que Angola é um estado falhado. Eu quero viver numa Angola em que todo cidadão é respeitado. A honra em primeiro lugar. Bem ou mal, João Lourenço irá deixar o poder e o MPLA será derrubado. Não acredito no poder político do meu país.

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