Por conta de um sistema de saúde falido: jovem doente preso numa cama em casa há mais de 10 anos sem assistência médica

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 Felicidade Kauanda 

Anciã Domingas Manuel António é, visivelmente, uma mulher amargurada, as rugas no rosto cansado e olhos com expressão de tremenda dor não escondem o sofrimento que aquela mulher carrega além da extrema miséria que vive, acrescenta na sua dor o problema de saúde do seu filho Nelson Manuel Congo, 23 anos de idade, que vive há mais de 10 anos, doente em casa, sem qualquer assistência médica porque os hospitais no país alegam não terem capacidade para tratarem a sua patologia. 

A nossa visita à família foi vista  como  uma  esperança ou luz no fundo do túnel,  pois a expressão de satisfação nos olhos dos filhos menores, traduziam-nos o sentimento de boas-vindas. Ademais, eram por volta das 15 horas, quando a nossa equipa de reportagem chegou no município do Cazenga, precisamente no bairro Terra Vermelha, para constatar in loco  a real situação que a família de Domingas Manuel António, mãe de Nelson Manuel Congo vive no dia-a-dia. 

Em entrevista a este jornal aquela mulher conta como tudo começou e apela ou melhor implora por ajuda de uma mão caridosa. 

A nossa visita à família foi vista  como  uma  esperança ou luz no fundo do túnel,  pois a expressão de satisfação nos olhos dos filhos menores, traduziam-nos o sentimento de boas-vindas.

O Crime – Dona Domingas como tem passado?

Domingas António – Não estou bem, por causa da situação do meu filho que também me faz emagrecer cada dia mais e mais… 

O Crime – Como se chama o seu filho e quantos anos tem?

Domingas António – O meu filho chama-se Nelson Manuel Congo, completou dia 14 de Julho 23 anos de idade. 

O Crime – Há quanto tempo está doente?

Domingas António – Praticamente está doente já há vinte e um anos, porque a doença começou quando ele tinha dois anos e seis meses 

O Crime – Pode contar-nos como foi que seu filho começou adoecer 

Domingas António – Meu filho nasceu bem,  mas depois, quando completou dois anos e dois meses, começou a sofrer de Epilepsia (vulgo gota), recuperou-se, mas depois recaiu de novo. 

O Crime – Depois desta recaída não recorreu novamente ao hospital? 

Domingas António – Recorremos mesmo, mas também não deram um diagnóstico certo 

O Crime – Em que unidade hospitalar foi?

Domingas António – Fomos ao hospital Maria Pia, onde fizemos as consultas, depois da recaída, ficou lá no isolamento e internado durante um mês, e daí nunca mais se recuperou. 

O Crime – Os médicos não conseguiram dizer – vos o que ele tem?

Domingas António – Não exactamente, eles disseram-nos para fazermos alguns exames, mas não conseguimos fazer por falta de dinheiro, como vocês mesmo vêm as nossas condições, é muito difícil estar no sobe e desce com ele às costas, sem dinheiro para pagar táxi dificultava-me muito. 

O Crime – Como tem sido o vosso dia-a-dia?

Domingas António – É complicado, muito complicado mesmo, o menino não fala, não consegue andar, não come sozinho, e já não sei como fazer porque cada dia ele piora. Chora todas as noites, só fica deitado quando tento lhe colocar sentado chora muito porque está cheio de feridas e dores no corpo. 

O Crime – O que faz o seu marido?

Domingas António – O meu marido também é doente sofre de infecção pulmonar, não trabalha, ele também precisa de ajuda para comprar os medicamentos, não temos como fazer 

O Creme – O que já fizeram pela saúde do seu filho?

Domingas António – Já fizemos tudo que estava no nosso alcance, várias consultas e nada resultou. Mas depois nos pediram para fazermos outras análises não conseguimos fazer por falta de condições, não tínhamos como dar continuidade, porque era sempre idas e voltas.

O Crime – Neste momento do que o seu filho se queixa?

Domingas António – Ele não fala, só chora , eu também não sei mais o que ele tem de concreto, se é a dor das feridas ou alguma dor no corpo, não sei. A única forma de ele manifestar algo é mesmo só pelo choro. Preciso mesmo muito de apoios pelo menos para continuar a fazer curativo das feridas não temos como comprar medicamentos tanto do filho, assim como do meu marido, até para comer é difícil, precisamos muito de ajuda. Por favor, quem é de boa-fé, ajuda¬-nos. 

O Crime – que tipo de ajuda a senhora precisa exactamente?

Domingas António – precisamos de pelo menos uma cadeira de rodas, medicamentos ou qualquer outro apoio para dar continuidade às consultas. 

Jogados ao abandono

A nossa equipa de reportagem, para chegar até à residência daquela família, precisou de contar com ajuda de um guia, devido ao elevado índice de criminalidade na zona e o difícil acesso das vias que fez com que caminhássemos à pé por longa distância. 

Enquanto caminhávamos, alguns moradores juntavam-se a nós, com intuito de nos contarem as dificuldades que enfrentam. Mencionando entre elas, o difícil acesso das vias, o aumento da criminalidade de jovens com idades compreendidas entre 12 a 21 anos de idade, que, inclusive, à luz do dia, praticam assaltos à mãe armada, com objectos perfurantes como faca de cozinha e lâminas.

Porém, a hora da nossa visita, já passava do tempo do almoço, mas apesar disso, Nelson Manuel Congo, o doente de 23 anos, que se encontrava deitado numa esteira, ainda não se tinha alimentado  por falta de comida. 

 “Aqui a delinquência juvenil é muito alta, é bom quando a pessoa vem visitar ou é nova andar sempre com alguém que conhece muito bem o bairro, pelo contrário, volta sem nada” .  Diziam os moradores citando os grupos rivais que mais actuam na zona 

“São miúdos que nos tiram o sossego,  a maioria com idades compreendidas entre os 12 aos 21 anos, e estão nos grupos de gangues como os Noventa L, os Catolicanos, os Manequins, BM e outros, tu, se não fazes parte de nenhum dos grupos ou o teu filho não faz parte, sofres muito, porque  assim não vais ter quem te vai defender, até para mandar o filho em algum sítio tens de pensar muito, nós não conseguimos andar e viver em paz, porque a qualquer hora do dia lutam e praticam assaltos,  já somos pobres, mas o pouco que temos para sobreviver ainda nos desgraçam mais. Prosseguiam 

“O pior é quando estes grupos rivais se encontram e lutam, eles usam catanas, facas pedras, tudo que é objecto perfurante, e sempre tem mortes, tanto entre eles, assim como de pessoas inocentes, já morreram muita gente, aliás não passa um mês sem ter morte de alguém assassinado pelos marginais, já pedimos muito a intervenção das autoridades estamos cansados,  temos lá em baixo um posto policial mas não tem condições suficientes para intervir”.

“Outra situação também que nos dificulta aqui no bairro da Terra Vermelha é a falta de infra-estruturas sociais,  principalmente de escolas públicas,  os nossos filhos, para estudarem numa escola pública, têm de percorrer longas distâncias ou  apanharem táxi, os que não têm possibilidades não conseguem estudar, há jovens que concluíram a 9.ª classe não conseguem dar continuidade ao ensino médio, porque estas escolas públicas estão muito distantes e, para além dos jovens, também há  crianças fora do sistema de ensino”

O difícil acesso das vias é outra dificuldade mencionado pelos moradores, “ se vocês notarem muito bem aqui a maioria dos táxis que circulam são motorizadas, por causa do difícil acesso,  estão a tentar improvisar através das eleições gerais colocando terra planagem nesta  via direita que liga  o Asa Branca até aos Mulenvos de Cima, mas só assim não basta,  porque quando chegar as chuvas essa via vai ficar de novo intransitável, o melhor seria mesmo colocarem asfalto e não este improviso” .

Entretanto posteriormente, entre ruelas, becos e mais becos, passado aproximadamente trinta minutos, chegamos com êxito na residência pretendida. Onde fomos recebidos pela senhora Domingas Manuel António, que, de braços abertos e com um semblante que fazia disfarçar o sofrimento, abriu-nos  a porta da sua casa 

A vítima de um sistema de saúde falido 

Porém, a hora da nossa visita, já passava do tempo do almoço, mas apesar disso, Nelson Manuel Congo, o doente de 23 anos, que se encontrava deitado numa esteira, ainda não se tinha alimentado  por falta de comida. 

Mãe de oito filhos, sendo o doente Nelson Manuel Congo, o quarto. Domingas Manuel António de 48 anos, visivelmente desesperada e agastada, sentada numa pedra, e pensativa como ilustra a imagem, seguiu contar a sua triste história de vida com lágrimas no canto dos olhos.

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