SUPOSTO ASSASSINO DE JOVEM MORTA NO MUSSULO JÁ NAS BARRAS DO TRIBUNAL

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No dia 1 de Janeiro de 2020, a sociedade angolana foi chocada com um bárbaro crime: uma jovem, de apenas 21 anos, que fora à Ilha do Mussulo passar o réveillon, foi barbaramente assassinada. Quase um ano depois, o suspeito já está a responder em tribunal.

Por: Felicidade Kauanda

Dos quatro indivíduos, anteriormente, detidos como presumíveis autores, apenas Vivaldo Luís Domingos, ou simplesmente Vivi, de 23 anos de idade, está no banco dos réus, respondendo por roubo concorrido com o crime de homicídio, previsto e punível pelo artigo 433.º do Código Penal.

Os restantes, agora soltos, foram constituídos declarantes, tudo porque Vivaldo Domingos, no seu interrogatório em instrução primária, afirmou que aqueles eram inocentes, alegando ter cometido o crime com dois cidadãos que tinha acabado de conhecer naquela madrugada.

Porém, em sede de julgamento, o réu nega a autoria do crime, contrariando a confissão prestada em instrução, segundo a qual, naquele dia, a uma hora da madrugada, afastou-se do grupo de amigos, “para apreciar a beleza da Ilha”. Portanto, ao caminhar, encontrou em um local onde faziam grelhados de frango, onde retirou uma faca de cozinha e levou-a consigo.

Posteriormente, contou na época, fez amizade com dois indivíduos, que diziam ser moradores da zona e lotadores das chatas. Momentos mais tarde, Vivaldo conta que caminharam os três, indo até ao Pôr-do-Sol, local onde Érica Patrícia Chambula Basílio e sua amiga, identificada por Daniela Loiro, chegaram, com a intenção de fazerem necessidades.

Aí, o réu e os dois novos hipotéticos amigos aproveitaram o momento para assaltá-las. Porém, a dado momento, Vivaldo pegou no cabelo de Érica, enquanto os outros dois estavam com Daniela, e a esfaqueou, alegadamente sem intenção de a matar.

Confrontado com tais declarações já em audiência de julgamento, Vivaldo alega ter elaborado esta “estória”, sob tortura e ameaças feitas por agentes dos Serviços de Investigação Criminal (SIC), para dele obter uma suposta confissão.

Assim, o réu reiterou ser inocente e disse que era a primeira vez que tinha estado na Ilha do Mussulo, ao contrário dos outros que já lá iam, após concerto com os amigos para lá passarem o final do ano, na residência do pai de um dos amigos, identificado por Pedro.

Em sua defesa, disse, ainda, que tem sido hábito seu afastar-se dos amigos, sempre que há convívios, sendo que, se for no seu bairro, prefere ir para casa descansar, mas em local distante, separa-se para apreciar a beleza da zona, o que diz não ter sido diferente quando foi à Ilha do Mussulo.

Na ocasião, lembra, chegaram à Ilha, por volta das 19 horas do dia 31 de Dezembro de 2019, num grupo de nove elementos, entre eles, Francisco, Zé Calanga, Pedro, Quequito, Teresa e mais três raparigas, cujos nomes não se recorda. Posteriormente, todos saíram da residência, dirigiram-se à praia, para, então, comemorarem.

Ademais, diz ele, por considerar a Ilha bela e, na curiosidade de apreciá-la, trajando apenas calções brancos, sem a camisola, pois a deixou com um dos elementos do grupo, separou-se dos amigos a 1 hora da madrugada, informando apenas a Francisco que já voltava, levando consigo um bidão de água mineral e uma garrafa de whisky quase vazia.

Entretanto, continua a narração, por volta das 6 horas da manhã, quando regressava ao encontro dos amigos na residência onde se hospedaram, foi interpelado por dois cidadãos que, à força, meteram-lhe no interior de uma viatura, do tipo V8, no banco traseiro, onde havia vestígios de sangue.

Na sequência, foi levado ate à residência dos familiares de Érica, onde começou a ser agredido e acusado de a ter assassinada. Apesar das agressões, afirma ter mantido a negação, até que apareceu uma jovem mestiça, que tinha estado com a malograda no momento do assalto, que dizia “este jovem não tem nada a ver”.

Confrontado com as declarações da amiga da malograda, que contrariam a sua eventual inocência, afirmou não ter motivos para mentir, “ela disse assim, não tenho porquê mentir”.

Confrontado, também, com as declarações de seu amigo, Francisco, prestadas na condição de arguido, que deixou patente que, depois de terem procurado pelo réu, sem qualquer notícia do seu paradeiro, todos recolheram-se para dormir na residência, onde se tinham hospedado, Vivaldo insistiu que, antes de sair, despediu-se de Francisco, alegando que, não obstante ter ingerido álcool, estava sempre lúcido.

Questionado onde estava e o que fazia durante o tempo que se separou dos amigos, respondeu que esteve a caminhar à beira-mar, entrando, de vez em quando, ao mar, para banhar, até ao momento que chegou ao Pôr-do-Sol, onde pernoitou até às 6 horas da manhã, altura que decidiu retornar.

Por outro lado, afirmou não ter confessado aos amigos Zé Calanga, José Filipe, Marcos e José Tango Fernando, que foi ele o autor do crime, na altura que todos se encontravam detidos, atestando ser palavra deles contra a sua.

Vivaldo sublinhou que, no momento que foi interpelado, não estava com sinais de sangue, reiterando que não estava sequer com camisola no seu corpo.

Contou que, posto na esquadra do Talatona, primeiro foi retirado da cela, para conversar no pátio com um suposto efectivo do SIC, que se identificou como psicólogo, e com este já mantera a posição de inocente. Posteriormente, disse, foi tirado novamente da cela e conduzido num quarto fechado, que parecia ser depósito, bastante escuro, com um pequeno orifício de entrada de luz, onde foi torturado e obrigado a confessar a autoria do crime, pelo que o fez.

Questionado para clarificar os moldes concretos que contou a história aos supostos agentes do SIC, Vivaldo não soube aclarar, dizendo apenas que lhe diziam para assumir a culpa, tal qual está no processo. Recorda-se, porém, de ter dito, no primeiro interrogatório junto ao procurador, que era inocente, mas não se lembra o que tinha contado, alegando que, talvez, deveu-se ao medo das ameaças que sofria.

Por outro lado, o seu advogado alegou ter havido irregularidades nas diligências, pois, não foram apresentadas provas suficientes que sustentam a acusação do Ministério Público, que indica o seu constituinte como o autor do crime. Porquanto, refere que as investigações não foram feitas com a precisão que se impõe, tendo em conta a arma do crime que não foi encontrada nem tão pouco examinada.

Por outro lado, levantou o facto de o telemóvel roubado da malograda não ter sido, igualmente, encontrado na sua posse, tendo acabado de descrever o seu constituinte, como uma pessoa honesta, trabalhadora, bem comportada, sem antecedentes criminais, amigo dos seus amigos e alegre.

O crime

Nos termos da acusação do Ministério Público, no passado dia 1 de Janeiro, por volta das 4 horas da madrugada, no município de Talatona, Ilha do Mussulo, bairro Cambaxi, zona da Boia Amarela, Vivaldo Luís Domingos, ou simplesmente Vivi, munido de arma branca, não apreendida nem examinada, em companhia de dois comparsas prófugos, não identificados, interpelaram Érica Patrícia Basílio, que se fazia acompanhar da sua amiga, Daniela Loiro, que saíam do interior de uma festa, em direcção a um beco de pouca iluminação, a fim de fazerem necessidades menores.

Na sequência, mediante ameaças de morte, o acusado e os comparsas agarraram a malograda pelo cabelo e Daniela pelo braço, imobilizando-as. Seguidamente, retiraram o telemóvel da malograda. Entretanto, enquanto tentavam retirar a roupa de Daniela, esta soltou-se das garras do acusado e do comparsa e saiu correndo, desesperada, em direcção ao local da festa, em busca de socorro.

Neste momento, Vivaldo sacou a faca que portava, desferiu um forte golpe que atingiu a região do tórax de Érica, causando um ferimento grave. Depois do cometimento do crime, com o telemóvel em sua posse, colocaram-se em fuga, cada um para lugar incerto.

Entretanto, Érica Patrícia Basílio ainda regressou ao local da festa, onde foi socorrida para a Clínica Girassol, mas, dada a gravidade dos ferimentos, não resistiu, acabando por conhecer a morte durante o trajecto.

Por volta das 7 horas da manhã do mesmo dia, foi possível a localização e a detenção do réu, enquanto que os comparsas, por sinal moradores do Mussulo, continuam foragidos.

A audiência de julgamento prossegue na terça-feira, 15, para audição dos declarantes, na 14.ª Secção dos Crimes Comuns do Tribunal Provincial de Luanda, sito no Benfica, sob condução da juíza Isabel Tona.

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