Venda de estupefaciente na Terra Vermelha: UM NEGÓCIO CLANDESTINO A ARRASTAR JOVENS À DELINQUÊNCIA

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Até finais de 2010, a venda de estupefacientes era um negócio extremamente sigiloso. Hoje, no bairro Cassequel da Terra Vermelha, em Luanda, o cenário mudou, onde vários tipos de drogas são praticamente comercializados a céu aberto, principalmente a conhecida liamba.

Jurelma Francisco

Em qualquer canto do interior daquele bairro do Distrito Urbano da Maianga é visível jovens a consumirem drogas, sobretudo a liamba, não importando o período do dia, embora haja maior incidência da prática ao nascer do sol e à noite.
Reunidos em grupos ou de forma isolada, adultos, jovens e, até, menores, consomem essa substância sem receio dos transeuntes. Aliás, são esses últimos que vivem do medo de serem atacados por esses conhecidos “liambeiros”, daí que ninguém se atreve parar a sua onda.

“Você não precisa de coisas ruís em sua vida, porque em nada vale algo que te atrase, manche o seu passado e torne o futuro incerto. Coloque nas prioridades apenas o que realmente importa”, aconselhou, para depois repetir a frase “o crime não compensa. Pare e pense”, rematou Carlos André.

Os moradores do bairro disseram que boa parte dos usuários são pessoas próximas, mas não são denunciados para evitar represálias. Porém, a situação é melindrosa, uma vez que um número considerável desses jovens, depois de drogados, parte para acções marginais.
“A venda e o consumo de liamba no interior do bairro têm causado inúmeros desvios comportamentais a vários indivíduos, que, por meio dessas substâncias ilegais, tentam tirar o sono dos moradores”, queixou-se uma cidadã que se identificou apenas por dona Odete.
Numa ronda feita ao bairro, a nossa equipa de reportagem constatou, com base em testemunhos de moradores, que são muitos os jovens que usam estupefacientes, para depois proliferarem o terror no bairro: assaltam, violam sexualmente e matam.
Segundo os moradores, vários momentos de pânico já foram protagonizados por esses consumidores de liamba, mesmo no período diurno. E quando isso acontece, ninguém na zona da confusão consegue circular à vontade.
“Eles pegam em catanas, facas, pistolas ou pedras e guerreiam entre grupos de bandidos. Mas, mesmo assim, o inocente que aí aparecer, é atingido”, conta um jovem que preferiu anonimato.
O morador disse que uma vez já foi atacado, quando havia uma rixa entre essas gangues. Além de levarem o seu telefone, chegou a ser espancado. “A Polícia deve combater essas casas que vendem liamba”, apelou.
Na senda das denúncias, a nossa equipa partiu para um grande desafio: ouvir os vulgos “liambeiros”. Muitos, com medo ou desconfiança que fôssemos agentes da Polícia ou do Serviço de Investigação Criminal, recusaram-se a falar, mas houve quem teve coragem e deu o seu testemunho.
Cláudio Miguel, um conhecido consumidor, melhor identificado por “Yayobele”, de 21 anos, revelou que, antes de entrar ao mundo das drogas, era “craque de futebol”, mas, viu o vício a “roubar-lhe” o talento e gorar o seu sonho de tornar-se uma estrela angolana da bola aos pés.
“Fui cair nas drogas por influência de amigos”, começou por dizer o jovem, que se apresentava de roupas meio sujas e chinelos trocados, carregando nas mãos uma pequena coluna bluetooth a espalhar o som de uma música do estilo Kuduro.
Bastante extrovertido, bem-disposto ou meio inconsciente durante a entrevista, pois, além do cheiro pesado de álcool que exalava, parecia estar sob efeito de alguma dessas drogas, o Yayobele confessou que a primeira vez que aceitou fumar liamba foi numa festa nocturna.
Desde aquele dia do ano 2017, nunca mais parou. Ademais, disse que, além da liamba, já injectou no organismo outras substâncias psicotrópicas, mas hoje já só consome liamba e a famosa “légua”, uma bebida feita à base da mistura de sumo de múcua, diazepam e whisky.
No decorrer da reportagem, vários indivíduos, mais adolescentes, chegavam e mantinham um contacto rápido e discreto com o nosso entrevistado. Foi daí que nos apercebemos que o jovem Yayobele, além de consumir, é, vendedor de liamba.
O negócio decorria bem “ao nosso nariz”, mas conservava o seu carácter secreto, sendo quase impossível de se notar, dada a rapidez em que a operação decorria. Bastava uma saudação, através de um aperto de mão, para se dar a troca. Aliás, durante a nossa conversa, o jovem mantinha as mãos aos bolsos e só as tirava na hora de “cumprimentar” os já identificados clientes.
Questionado sobre o seu fornecedor, como um profissional, o vendedor e consumidor escusou-se a revelar a identidade deste, tampouco a proveniência do produto. Outrossim, fez saber que os revendedores são vários no bairro e quase todos, inclusive, donas de casa, vivem disso.
Apesar de estar desde 2017 a consumir, só há um ano é que Cláudio Miguel “Yayobele” tornou-se vendedor de liamba. “Consigo resolver algumas coisas em casa e ajudar os velhos”, gabou-se.
Quanto aos preços, explicou que esses variam de acordo a quantidade, mas o valor inicial é 50 kwanzas, enfatizando que “este é um kumbu que atrai os clientes, porque qualquer um tem facilidade de conseguir e sentir a vida no céu”.
Uma mudança de vida
O uso de estupefaciente é um fenómeno que constitui um grave problema social, com sérias consequências para o país, sendo que boa parte dos seus consumidores acabam atirados na delinquência. No bairro do Cassequel do Imbondeiro, por exemplo, os moradores contam que muitos jovens e famílias foram destruídas por causa do uso desses produtos que causam estímulos desviantes à mente humana.
Mas, apesar disso, há bons exemplos de superação. Como é o caso de Carlos André, de 28 anos, que usou drogas por quase dez anos, tendo começado quando tinha apenas 17 anos. “Lutei contra o vício das drogas e venci”, afirma, orgulhoso, sublinhando que o caminho para desistência do vício começou em 2019, altura em que foi internado num centro de reabilitação.
Mas antes disso, conta, chegou a ser preso por dois anos e uns meses na Comarca de Viana, por roubo.
O jovem disse ter sido criado numa boa família, onde nenhum membro era consumidor de drogas, todavia, explica, as ruas o haviam ensinado tudo quanto precisava para adoptar um comportamento desviante. “Desenvolvi o vício enquanto participava de um grupo musical. Essa dependência andou a estragar a minha vida”, lamentou, acrescentando que só depois de ter causado muitos problemas e prejuízos à família, decidiu, no dia 1 de Maio de 2019, internar num centro de reabilitação. “Deixei o meu orgulho de lado e reconheci que estava doente. Pedi ajuda e isso salvou a minha vida”, asseverou.
Arrependido do seu passado, por considerar que as drogas o roubaram muito tempo, Carlos aconselha os jovens a optarem por boas escolhas e reflectirem bem antes de tomar qualquer decisão.
“Você não precisa de coisas ruís em sua vida, porque em nada vale algo que te atrase, manche o seu passado e torne o futuro incerto. Coloque nas prioridades apenas o que realmente importa”, aconselhou, para depois repetir a frase “o crime não compensa. Pare e pense”, rematou Carlos André.
A comissão de moradores do bairro Terra Vermelha, na voz do seu coordenador, João Ganga, mais conhecido por “Dala”, reitera alguns problemas relacionados com a presença de grupos de supostos marginais, os quais realizam assaltos na via pública, bem como questões sobre falta de patrulhamento policial no período noturno.
O responsável prometeu sensibilizar os membros da sua comunidade a fim de que estes possam colaborar com as autoridades, na denúncia dos crimes contra a ordem e segurança pública.
Já a Polícia local prometeu pronunciar-se sobre estes casos brevemente.

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