Imprudência e excesso de consumo de álcool: CAUSA DIARIAMENTE MAIS DE SETE MORTES NAS ESTRADAS DO PAÍS

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Cerca de trinta e um acidentes de viação ocorrem, diariamente, nas estradas do país, matando, em média, sete pessoas e deixando feridas 34, tudo por causa da desobediência dos automobilistas no cumprimento das regras do Código de Estrada, segundo os dados estatísticos apresentados pela Direcção Nacional de Viação e Trânsito (DNVT). Sobre beber com moderação, conselho sonante em vários meios, os automobilistas parecem fazer ouvidos de marcador

Por: Olga da Silva e Honorina Kiampava

A festa está a bombar… um monte de barris de fino, música de rebentar os tímpanos, todo mundo na pista de dança, com o seu copo na mão a acompanhar os toques dos mais hábeis na dança “lhe dá, lhe dá, lhe dá eweee”. É impossível parar “vou morrer já aqui”. Mulheres de todo o tipo e aquele funk da Ludmila não poderiam mexer menos com a cabeça de todos.

Já lá se foram tantos copos que se perdeu a conta, queremos mais um, mais um e mais um, afinal, somos jovens, precisamos experimentar tudo o que a vida nos dá… “a cidade a essa hora fica às escuras e com o trânsito totalmente livre”, pensam em como não haverá nenhum problema conduzir com “uns copitos”.

“Wey, temos de bazer, a festa acabou e já não há bebida”, diz Heltom (nome fictício). Mas seu primo, Mauro, já cambaleando, retorquiu que teriam de ir procurar outro lugar para continuarem a beber. Juntos com as suas namoradas e mais um casal amigo, rumaram para Cacuaco, naquele patrol cinzento.

Os jovens fizeram-se à estrada, numa condução desgovernada. Mas a via, como previram, estava livre de carros e agentes de regulação. Postos aí, a saga da bebedeira continuou, até que decidiram que, no pior estado possível, poderiam voltar à casa.

Mariza, a namorada de João, convenceu o namorado a dormirem na praia, pois, poderia ser perigoso estarem dentro daquele carro com os condutores tão perdidos pela bebedeira. Zoados pelos amigos por serem medricas, com Mauro ao volante, Heltom e as duas outras raparigas se retiraram.

Eram 3 horas da madrugada, dava para contar os carros que por ali passavam, provavelmente de pessoas que, como eles, saíam da festa, mas também de médicos que, eventualmente, estivessem a ir responder a alguma emergência, de trabalhadores que terminaram o seu turno ou, até, de meliantes que melhor se dão com a calada da noite.

A música estava mais alta do que nunca naquele carro que, segundo Mariza, que nos contou a história, estava com um bafo terrível de vodka, indica, gin e, como se não bastasse, tabaco.

Mauro conduzia, ao mesmo tempo que acompanhava a alta batida, gritando de alegria, pois “a vida é para ser vivida”. Ele nem sequer notou que seu pé não saía do acelerador e as curvas eram feitas de forma abrupta, pois a atenção na estrada era o menor detalhe.

Foi assim que os jovens embateram forte contra um separador de faixas, no Calemba 2.

“Os acidentes são tão drásticos que, às vezes, não dá para acreditar. Eu não consegui reconhecer que era o mesmo carro, é terrível”, conta Mariza, deixando expresso em seu rosto a agonia que ainda sente ao lembrar, apesar de três anos se passarem desde o acidente.

“Eu não consigo acreditar que estava a um fio de estar naquele lugar, não mesmo”, chorava, ao lembrar como as outras duas moças eram lindas e cheias de vida. “Eu não as conhecia, apenas conheci os rapazes, por intermédio do meu namorado na altura”.

Depois daquele episódio, Mariza prometeu nunca mais beber e, segundo a mesma, só conseguia reflectir “e se o embate fosse contra outra viatura que, eventualmente, estivesse a transportar crianças? Prometi a mim mesma não mais viver um episódio daquele. Hoje não bebo, aliás, eu só tinha 19 anos na altura e mal bebia na verdade, estava a começar o ensino superior e nunca tinha bebido de facto. Ir àquela festa foi mais um impulso, porque me sentia pouco jovem”.

Heltom Cruz, 22 anos, era estudante de Engenharia Informática, estava precisamente no último ano e teve morte imediata no local. Seu primo, Mauro, teve fortes lesões, porque, como motorista, foi cuspido para fora da viatura, encontrado morto, com a cabeça rachada.

Uma das acompanhantes chegou a ser socorrida ao hospital, mas não fez 24 horas, chegou inconsciente, ensanguentada e com a aparência de perna partida, enquanto a outra morreu no local também. mariza não soube identifica-las, apenas as descreveu como eninas de boa aparência, entre 18 a 20 anos, aparentavam ser de família com nível social alto, pois, Heltom e Mauro eram de classe.

Quatro vidas jovens jogadas à sorte da bebida. Essa é uma das milhares de histórias trágicas de mortes por acidente na via pública. A sinistralidade rodoviária só é ultrapassada pela malária, no ranking de causas de morte em Angola, com ocorrência de mais de trinta casos por dia, só em Luanda.

A condução sob o efeito de álcool é, desde logo, o primeiro motivo apresentado pelas autoridades, seguindo-se o excesso de velocidade e a condução distraída, que tem por causa o manejo do telemóvel, enquanto se está ao volante, acrescendo-se a fraca iluminação pública e o mau estado das vias.

Sequelas para quem sobrevive

Além de mortes, muitas pessoas ficam com a mobilidade reduzida para toda a vida. É o caso de Marcelo Januário, que ficou coxo na sequência de um desastre rodoviário, em 2004. “Eu vinha da província do Zaire. Parti a perna e o carro ficou danificado”, conta.

Habitante do bairro Popular desde 1990, ex-funcionário público, com 45 anos de idade, sente as dificuldades de se locomover e depende da bondade dos filhos e dos vizinhos para quase tudo, “sem uma cadeira de rodas, se torna quase impossível ir à busca do meu pão de cada dia”, lamenta esse pai de três filhos, que sobrevive através da sapataria que abriu em casa e da ajuda da sua caçula, Eliana Januário, que vende gelados, bolos caseiros e pipoca no mercado dos Congolenses .

Sem muitos recursos, vê-se obrigado a clamar por socorro por, pelo menos, uma cadeira de rodas, para sair sem depender de ninguém, já que a primeira cadeira que teve foi uma doação da Associação Nacional dos Deficientes em Luanda (ANDA), há alguns anos.

Ao nos contar que seu outro grande sonho é abrir uma loja de calçados, para poder ajudar aqueles que se encontram na mesma condição que ele, Januário sublinha que a ANDA, que existe desde 01 de Fevereiro de 1993, já apoiou cerca de 60 mil deficientes físicos e está localizada na Maianga, avenida Ho Chi Minh, tendo como diretor Silva Lopes Etiambula.

 Artistas não ficam de fora

Os acidentes de viação também encurtam a carreira de muitos artistas em ascensão. Em Junho de 2004, o kudurista angolano Virgílio Mateus da Silva, conhecido por “Virgílio Fire”, na  altura com 26 anos, sofreu um trágico acidente na Avenida Deolinda Rodrigues, no período nocturno, quando regressava à casa, depois de ter participado de um espetáculo músico-cultural. Hoje, o autor do sucesso musical “Estamos sempre a subir” desloca-se numa cadeira de rodas.

No final de Julho do ano passado, o conhecido humorista Kotingo teve um acidente na estrada Luanda-Bengo. O artista ficou em estado crítico e acabou por ver um dos seus membros superiores amputados.

Ainda de acordo com a DNVT, só nos últimos nove meses de 2018, 1.776 pessoas morreram nas estradas de Angola. No mesmo período, 8.484 ficaram feridas, num total de 8.301 casos registados.

Os acidentes de viação constituem a segunda principal causa de morte no país, depois da malária, por esta razão, a sinistralidade rodoviária é motivo de reflexão, pelo menos, uma vez por ano.

O Dia Mundial em Memória das Vítimas da Estrada foi instituído a 25 de Outubro de 2005, pelas Nações Unidas, que decreta o terceiro domingo de novembro como a efeméride, pelo que, neste ano, será no dia 15.

“É aquele dia em que se reflecte sobre as pessoas que morreram e que ficaram feridas nas estradas”, disse António Pinduka, segundo-chefe do Departamento de Prevenção Rodoviária da DNVT.

“Stop sangue”

Devido à escassez de transportes colectivos em Luanda, o serviço de moto-táxi tem, cada vez mais, clientes e o negócio vai sendo mais lucrativo. No entanto, este serviço tem sido, também, causa de muitos acidentes nas vias públicas da cidade. Para não perderem dinheiro, vários motociclistas transportam três pessoas em uma só viagem, contra as duas recomendadas.

Razão pela qual, a Polícia, juntamente com outros órgãos, pretendem promover a paz nas estradas, usando o diálogo como o meio mais eficaz para se atingir o principal objetivo. O primordial, neste momento, é registar, cada vez menos, o índice de acidentes rodoviários, fazendo um ‘Stop sangue’ nas ruas da cidade capital”, referiu António Pinduka.

Multas por falta de capacete

José Salvador, de 40 anos, é moto-taxista há dois anos. Anteriormente, trabalhava numa empresa de segurança privada, mas, confrontado com dificuldades financeiras, optou por esta nova profissão. Recentemente, foi abordado pela Polícia quando circulava sem capacete.

“Tenho todos os documentos do registo da motorizada. Naquele dia, por acaso, não tinha capacete, porque saí de urgência, acabei por deixá-lo em casa”, conta ao jornal O Crime, acrescentando que “a Polícia tem razão”.

 As autoridades apreenderam os documentos de José Salvador durante a “Operação Stop Sangue”, uma campanha de apreensão de motorizadas e sensibilização de motociclistas. O moto-taxista diz que aprendeu a lição e garante que nunca mais deixará o capacete em casa. “Uma pessoa não pode andar na estrada sem capacete. Vou pagar a minha multa e levar os meus documentos”, apelou.

Também o moto-taxista Miguel José foi “apanhado” na mesma operação e pelo mesmo motivo que levou José Salvador a receber uma multa. Retiraram-lhe a motorizada e os documentos.

“Seguia em direção à Mutamba, quando fui interpelado pela Polícia de trânsito, porque não tinha capacete. Disseram que tinha de estacionar a minha motorizada”, conta Miguel José.

O moto-taxista reconhece ter violado as normas, mas queixa-se da morosidade no atendimento, por parte da Polícia, para o pagamento das multas e posterior levantamento dos pertences.

Já foram apreendidas mais de 100 motorizadas, muitas das quais utilizadas nos serviços de táxi. A operação visa diminuir a fluência dos acidentes de viação na via pública provocados por homens de motorizadas. Passará a ser uma operação rotineira e, neste momento, foram apreendidas 119 motorizadas com diversas infrações.

No dia 18 de Novembro, Luanda assinala o Dia Mundial em Memória das Vítimas da Estrada, que normalmente é celebrado com uma marcha.

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