Um ano após a assinatura do acordo extrajudicial, a direcção da Igreja Universal em Angola, ala brasileira, continua sem honrar o compromisso de adquirir uma residência T3 para a família Gama, que viu-se induzida a entregar à IURD 700 milhões de kwanzas e outros bens, para encontrar a cura de um cancro que ameaça a vida de um dos membros da família.
Por: Engrácia Francisco
Após vários insucessos na tentativa de negociação para a restituição dos valores, no dia 18 de Dezembro de 2020 as partes deram entrada de um acordo extrajudicial na Conservatória dos Registos Centrais, com o número 26, contribuinte fiscal 5000391417, onde a IURD fez-se representar por António Miguel Ferraz, na qualidade de presidente em exercício.
O acordo, segundo Adriano Gama, previa a entrega de uma residência à família, como compensação aos 700 milhões de kwanzas entregues à igreja, através da chamada Fogueira Santa. Isso aconteceu tempos depois de a igreja ter refutado, em comunicado de imprensa, as acusações de manipulação dos fiéis para “arrancar” destes ofertas em nome da fé.
Entretanto, este consenso é resultado da decisão que Adriano Gama e mais dez membros do seu agregado familiar tomaram para, a 30 de Novembro de 2020, fazer da portaria do condomínio da igreja o seu novo “lar”, porque, explica, já não tinham onde morar. “Ficamos instalados aí durante 18 dias, em situação precária e de vulnerabilidade”, lamentou.
O que este jornal apurou do interlocutor é que, um ano depois, a IURD ainda não cumpriu com as obrigações constantes no acordo.
“Até ao momento, não nos deram a casa, conforme consta no acordo. No início de 2021 levaram-nos para ver algumas casas, mas sem as mínimas condições de habitabilidade. Marcámos outra reunião com o advogado da igreja, que trouxe um documento segundo o qual nos dariam 15 milhões de kwanzas em duas prestações. Não aceitámos”, garantiu.
Segundo a fonte, depois de cessar o acordo, o advogado afirmou que apresentou à igreja a proposta para a compra de uma casa na centralidade. “Respirámos de alívio em função das casas que vimos anteriormente. Gostámos de um apartamento e pedimos que eles negociassem-no, mas, depois disso, já ninguém atendia aos telefonemas”, disse.
Estes insucessos desencadearam em novos protestos da família contra a igreja. Nesta senda, lembrou Adriano Gama, foram intimidados pela empresa de segurança, com homens armados e, inclusive, accionaram a brigada canina para intimidá-los.
“O pastor Hugo e o pastor Gil ainda queriam nos agredir, por isso, tivemos que abandonar o local”, lembrou, acrescentando que, “no dia 10 de Janeiro, alguns membros da sociedade civil, solidários com a causa, acompanharam-nos até à portaria do Condomínio Laranjeira, no Talatona, para protestar”.
O acontecimento mereceu a pronta intervenção da Polícia, que diligenciou a auscultação das partes numa das suas esquadras. Adriano Gama disse à este jornal que, durante o encontro, a Polícia tentou inclinar-se mais à igreja. Entretanto, continua, ficou combinado que veriam novamente uma casa na centralidade, a ser paga pela IURD, o que ainda não aconteceu.
Ao ‘O Crime’, a família manifestou o desejo de não mais ser a igreja a localizar a casa, mas eles, pois, neste momento, temem pela sua segurança, sendo que já várias vezes sofreram ameaças.
“Os nossos filhos não conseguem andar à vontade na rua com medo de serem identificados, tudo porque, os pastores publicaram os nossos rostos e das crianças nas redes socias, na altura que ficamos os 18 dias alojados frente ao condomínio da igreja, como se de aproveitadores se tratasse”, lamentou Adriano Gama.
“Induziram-nos a dar 700 milhões de kwanzas por meio de falsas promessas”
O mediático “Caso 700 milhões” remonta o ano 2019, quando a família Gama perdeu todos os seus bens materiais e financeiros à favor da Igreja Universal do Reino de Deus em Angola, através da Fogueira Santa.
Adriano, juntamente com a esposa, tornou-se membro da IURD depois de um convite endereçado pelas irmãs, ainda com os “corações quebrados” pela morte da mãe, vítima de cancro. Dois anos depois, uma das suas irmãs começou a ter os mesmos sintomas da mãe, facto que motivou-lhes ainda mais a participar dos cultos.
Segundo a família, a preocupação e o medo de perder os ente queridos foi um dos motivos que intensificou a participação regular na Fogueira Santa, vista como um mecanismo da igreja para usurpar os bens dos fiéis.
“Pouco tempo depois, alguns pastores de nacionalidade brasileira aperceberam-se da nossa condição financeira e, por meio de várias campanhas de Fogueira Santa, de forma fraudulenta, através de pregações e falsas promessas, induziram-nos a dar faseadamente 700 milhões de kwanzas, de 2015 até 2018”, lembrou.
Segundo o interlocutor, além do referido valor, foi entregue à igreja uma residência com piscina, em Viana, avaliada em 250 milhões de kwanzas, dois terrenos, um no Zango e outro no Kikuxi, e uma viatura de marca Land Cruiser, V8, avaliada em 60 milhões de kwanzas. “Estes bens já conseguimos recuperar, falta-nos os 700 milhões de kwanzas”, garantiu.
COMUNICADO
Um comunicado entregue pela direcção da igreja à TPA dava conta do seguinte:
“A Igreja Universal do Reino de Deus vem pela presente informar que com grande consternação, tomou conhecimento que, durante a madrugada do dia 30 de Novembro de 2020, um grupo de pessoas, desconhecidas, decidiram deslocar-se ao Condomínio das Laranjeiras, sito no Município de Talatona, em Luanda, para uma vez no referido local, colocarem-se em frente ao portão principal e transportando vários bens e objectos com vista a impedir o acesso de todos os que residem no referido condomínio.
Após solicitar informações ao responsável do referido grupo de cidadãos, se constatou que, tratava-se do senhor de nome de Adrião Gama, o qual durante o mês de Setembro de 2020, entrou em contacto com o Conselho Directivo da Igreja Universal do Reino de Deus afim de solicitar auxílio e a devolução de uma viatura que tinha doado enquanto membro da instituição durante o ano de 2017, tendo, para o efeito, alegado que se encontrava sob a iminência de ser detido pela Procuradoria da República no âmbito dos referidos processos de dívidas, razão pela qual solicitava a devolução para saldar tais dívidas e impedir a detenção.
Após ponderação da situação em que se encontrava o senhor Adrião Gama, a Igreja Universal do Reino de Deus, procedeu a restituição da referida viatura através de declaração escrita e subscrita pelo próprio, que atesta a restituição que foi efectuada com vista a auxiliá-lo no alegado processo.
Acontece, porém, que, o mesmo, decidiu, agora, levar a cabo uma campanha de calúnia, extorsão e difamação contra a Igreja, alimentada por parte de uma imprensa parcial e descompromissada com a verdade, através da propagação de factos falsos, alegando capciosamente que fez doações que totalizam AOA 700.000.000 (setecentos milhões de kwanzas). A mera afirmação desse valor permite facilmente concluir pela inverdade dos factos que o senhor Adrião Gama declara contra a Igreja.
A Igreja Universal do Reino de Deus não pode deixar de repudiar e lamentar a referida situação, reiterando que sempre primou e continua a pautar pela verdade, pregando evangelho de salvação e mudança de vida, fundamentando a sua doutrina na palavra de Deus conforme se encontra vertido nas Sagradas Escrituras”.
Comunicado oficial da Igreja Universal do Reino de Deus em Angola.