Na sequência da história de amor, pelo menos inicialmente, da cidadã russa, Svetlana, com o angolano, Rui Mauro Ferreira Pontes, como prometido, trazemos o que se desenrolou após a soltura do vilão deste “filme”. Os receios de mãe e filha, pelos novos desenvolvimentos, mostram-se fundados, pelo menos para nós, já que a Procuradoria não comunga desta ideia.
Por: Liberato Furtado
A Procuradoria, junto ao SIC Luanda, justificou a soltura de Rui Mauro Ferreira Pontes, segundo o advogado das vítimas, alegando que nos depoimentos da vítima haviam alguns pontos negros que teriam levado a suscitar dúvidas, diante da narrativa do suspeito que nega tudo, mesmo com a presença do vizinho que terá ajudado Victória, filha de Svetlana, com a escada que serviu para retirar a mãe da fossa séptica.
Entretanto, a experiência também deveria levar à consideração a riqueza de pormenores que não se digladiam com todo um relato feito pelas vítimas. Ou seja, uma gravação áudio, com a voz da mulher a reconhecer, do nada, que os seus ferimentos teriam sido fruto de assalto, no mínimo, incrusta uma pulga por trás da orelha de quem ouve com ouvido apto…
Há quatro semanas que Mauro, ex-marido de Svetlana, está solto, sob fiança, após denúncia de ter atentado contra a vida daquela, tendo, nos dias subsequentes, ido a sua casa, no zango, fechada desde o sucedido, e terá arrombado as portas.
O Crime – Como se sente após a soltura de Mauro?
Svetlana – Insegura! Insegura, porque até já me ligaram os vizinhos, a dizer que ele está a ir em minha casa, várias vezes foi visto a saltar o portão e a entrar… Não sei quais as razões que o levam à minha casa, mas o facto é que me têm ligado a dar a conhecer que a tem invadido. Assim, fui à casa e encontrei as portas abertas, janelas partidas, arrombadas as fechaduras e encontrei muitas coisas fora do lugar em que as deixei.
O Crime – Quando chegou à casa, deu por alguma falta?
Svetlana – Sim, algumas coisas faltaram… além do martelo que encontrei ao meio do chão da cozinha, não sei se é aviso ou algo parecido… Um martelo que me recordo de ter visto na mão dele, quando me recuperei de um dos desmaios.
O Crime – Será o martelo que ele usou para agredi-la?
Svetlana – Eu não vi ele a agredir-me com o martelo, porque estava de costas, quando o fez. Vi-o com o martelo apenas ao me despertar de um dos desmaios, ao tentar levantar. Martelo este que o Mauro, depois de ser solto e arrobar a minha casa, colocou no chão, no centro da cozinha.
O Crime – Já sabe que motivos levaram à soltura de Mauro?
Svetlana – Apenas me informaram que pagou caução e responderá em liberdade, tal como temia.
O Crime – Como têm sido os dias depois disto?
Svetlana – Têm sido complicados. Temos trocado telefonemas, eu e a minha filha, intermitentemente, com receios de que o pior pode acontecer a todo o instante. É uma tortura psicológica constante. Qualquer que seja a mensagem de um número estranho, já me alavanca a telefonar à minha filha. Por outro lado, já não saímos com a disponibilidade normal e quando o fazemos é na estrita necessidade… Enfim, complica muito, porque não sei o que esperar dele, a pessoa é capaz de muita coisa. Se já salta o portão e arromba portas em minha casa, em total desrespeito ao determinado pelo Ministério Público, tudo pode acontecer…
O Crime – As noites têm sido muito diferentes agora?
Svetlana – Com certeza muito diferentes, cheias de aflição. E quando temos de sair, tem de ser sempre acompanhadas.
O Crime – A senhora mostra fotos com Mauro fardado, ele é polícia?
Svetlana – Segundo ele, sim, diz que trabalha para o SIC e SINFO. Tenho fotografias com farda militar e de polícia. Portanto, sempre soube que é polícia.
O Crime – Isso, de algum modo, aumenta o medo que tem?
Svetlana – Sim. Ele tem muita influência, pelo que constatei durante o tempo em que fomos marido e mulher.
O Crime – Já deu a conhecer à embaixada russa?
Svetlana – Já. Eles estão a ajudar a dar melhor dinâmica ao processo.
Mauro “drogava” enteada para depois violentá-la
Em entrevista, Victória, a filha de Svetlana, contou-nos que antes das duas violações sexuais que sofreu, Mauro, o então padrasto, levou-lhe comprimidos que terá alegado serem para a ajudar a ganhar peso, porque sabia que era sua pretensão engordar, obrigando-a a tomar na sua presença.
Porém, ela, por instinto, a cada uma das três vezes que tomou cada comprimido, instantes depois se prostrava no quarto de banho e forçava o vómito. Quando conseguiu ir à farmácia com um comprido tirado das coisas de Mauro, Victória conta que lhe informaram que se tratava de comprimido para homens que pretendem despertar os seus instintos sexuais.
Poderemos estar a lidar com um psicopata ou sociopata
A brutalidade que encerra essa história, nos levou a procurar um entendimento à luz dos traços da ciência que “busca a compreensão acerca de como o ser humano cria a sua história”. Assim, fomos à conversa com o psicólogo Fernando Kawendimba.
O Crime – Qual seria o problema de Mauro, pelo que descreveu a sua ex-mulher? Psicopatia ou sociopatia?
Fernando Kawendimba – Nós não estamos habilitados por dados suficientes, para fazer um diagnóstico ao indivíduo implicado nesse caso. Entretanto, a psicopatia é uma das possibilidades, em termos de doenças mentais, que levam a esse tipo de comportamento. Não vamos afirmar que se trata de psicopatia ou sociopatia, mas a verdade é que qualquer uma das vertentes implica transtorno de personalidade ao ponto de se tornar antissocial.
A sociopatia, na verdade, é uma postura que se desenvolve ao longo da vida nas relações sociais, pela educação e pela cultura também. Já a psicopatia, pelo contrário, é, em geral, uma tendência comportamental inata, hereditária ou, segundo alguns estudos, fruto de qualquer trauma de infância e o seu reflexo se dá precisamente nesses termos.
O Crime – Que perigo representará, em liberdade, alguém com o comportamento de Mauro, segundo o relato da ex-mulher?
Fernando Kawendimba – Representa um perigo muito grande. Primeiro, para ele próprio, como pessoa. À medida que se trata de um psicopata, se for o caso, são pessoas calculistas, muito frias, que não têm a sensação de culpabilidade, não têm remorso. Portanto, é claro que representa grande perigo para si próprio, mas principalmente para as outras pessoas que não conseguem prever o seu comportamento.
Ainda que estivesse na ala da sociopatia, também são pessoas muito impulsivas, muito irritadas, que representam um perigo à integridade e à vida de outrem. É muito importante que esses sinais, que por vezes são difíceis de detectar, levem a se disponibilizar um serviço multidisciplinar de precaução, isto é, um acompanhamento profissionalizante e, óbvio, a parte jurídica também tem o seu papel a desempenhar.
O Crime – Que factores poderão estar na origem de comportamentos como o que se reporta a Mauro?
Fernando Kawendimba – Os factores são, em geral, combinados. Nós temos factores biológicos, a hereditariedade, ou seja, quero dizer que pessoas que tenham pai ou parentes próximos, da primeira geração, que tiveram alguma perturbação, estarão, naturalmente, susceptíveis de desenvolverem a patologia. Mas também temos factores psicológicos e sociais.
Da forma como as pessoas são educadas, da forma como vivem, elas podem ter uma interpretação da vida, que os remete a fazer mal aos outros e realizar-se dessa maneira: prejudicando, desrespeitando a dignidade e os direitos dos outros, sendo excessivamente egoístas, masoquistas, no sentido de que, muitas vezes, a pessoa quer fazer um bem para si, sem se importar com a dimensão do mal que venha a praticar contra outras pessoas, para alcançar o que pretende.
O Crime – Que terapias são possíveis ou recomendáveis em casos análogos?
Fernando Kawendimba – Muitas terapias nesse contexto podem ser recomendáveis. Sempre vai depender do caso em si, das características da narrativa. O caso é diagnosticado, caracterizado e só a partir daí se vai sugerir psicoterapias intrínsecas… terapia cognitiva comportamental, terapia comportamental e terapias interpessoais são muito importantes. Enfim, há um universo muito grande de terapias.