Corrupção longe de acabar: FUNCIONÁRIOS DAS IDENTIFICAÇÕES COBRAM 10 MIL PARA RAPIDEZ NO SERVIÇO

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Muitos angolanos sofrem, diariamente, em longas filas à frente dos postos de Identificação Civil e Criminal, para tratar diversos documentos, o que leva muitos funcionários a enveredarem para a corrupção, cobrando aos utentes 2 a 10 mil kwanzas, para um atendimento célere.

 Jaime Tabo

Centenas de pessoas ao redor do Posto de Identificação Civil, em Viana, km 30, é o cenário encontrado, com uma grande maioria sem máscara facial, muito menos em um ou dois metros de distanciamento social, exigido pelas autoridades, em virtude da Covid-19.
Eram oito horas, quando a nossa equipa chegou ao local. As crianças, acompanhadas dos pais para tratar o registo civil, estavam sonolentas sobre os bancos, encostadas a uma parede, sentadas em pedras e outras, com mais sorte, dormiam sobre as motorizadas dos seus pais. A razão é uníssona: “Acordamos muito cedo para ocupar o lugar”, disse um pai.
O desserviço começa, muitas vezes, com uma comunicação deficitária. Só no dia dessa reportagem, até 14 horas, havia pessoas à espera de uma informação sobre o documento que tratou há meses, sendo que muitos saíram sem resposta e outras com uma não satisfatória, muito menos justificável.
Quando os utentes reivindicaram, um funcionário, repleto de arrogância e desrespeito, disse que “tratar o Bilhete de Identidade não é o mesmo que catar piolhos”. Entretanto, alguns utentes falavam abertamente que era tudo truque, porque, “eles querem dinheiro”.
Truque desmascarado por pessoas que, com possibilidade, requerem os documentos com urgência, daí que, “milagrosamente”, processo se torna mais célere, comprovando que a corrupção no local existe. Isto é comprovado por Lurdes Paulino, que nos garantiu que desembolsou oito mil kwanzas para um funcionário, cujo nome prefere não citar.
Joaquim Francisco preferiu não participar do acto, mas o preço a pagar é a espera, que já dura duas semanas. Este jornal apurou que muitos dos que não pagam um valor extra podem ficar meses sem a sua documentação, poucos conseguem.
A garantia inicialmente dada a Francisco era que o seu assento sairia três dias depois de o ter tratado, no dia designado para receber, foi informado que devia aguardar, mas, até à hora que retirou-se daquele posto, não foi chamado para receber.
A filha de Eliseu João tratou o assento, mas não lhe foi entregue por falta da assinatura do director que devia se fazer presente todos os dias no local do serviço. O pai está impaciente, pelo que apela maior seriedade aos servidores públicos. Questionado se havia pago algum valor, respondeu que não.
Outra jovem, visivelmente furiosa, preferiu não se pronunciar a respeito do atendimento, segundo ela, para evitar falar palavrões, todavia, revelou que há pessoas que pagaram nos “biolos”, como chama, mas, passado meses, seus bilhetes não foram emitidos.
O movimento de motos e carros constitui uma preocupação para os utentes, que solicitam a mudança de local para um mais calmo, porque, quando são feitas as chamadas, nem todos conseguem ouvir, sem descurar o facto de terem de passar ali várias horas do dia com o barulho daqueles veículos, o aborrecimento pelo atendimento demorado, com fome e sede, sendo que o posto não tem um bebedor sequer, o que leva a ver, com facilidade, a fadiga denunciada pela expressão corporal dos utentes.
A instituição está sem energia por depender de um grupo gerador que se encontra avariado há um dia, soube O Crime de fonte segura. Porém, os utentes dizem que a informação passada é que o posto está sem energia, mesmo quando o bairro todo tem.
Uma cidadã que parece já estar acostumada com a situação disse que, para si, o atendimento é normal, “porque a fila anda”, embora como camaleão, fazendo-a manter-se em pé, sendo a número 80 num universo de cerca de 100 pessoas à espera.
Há mais de duas semanas, Vicente Miguel, ancião de 65 anos, luta para tratar o registo da sua filha. Apesar da idade, não há prioridade para si, ante o número de pessoas que aderiram o caminho da corrupção.
O mais velho lamenta o facto de já ter suportado a guerra, em prol de um país melhor, quando “estamos a viver uma outra guerra”, por isso questiona quando é que teremos paz nesse país… Para este antigo combatente, a insuficiência de funcionários e o número elevado de pessoas que buscam pelos serviços estará na base da corrupção.
De Viana, rumamos ao Kilamba Kiaxi, no posto de identificação do Golfe 1, junto à administração municipal, onde o cenário era quase o mesmo: muita gente à espera. A pequena sombra não alberga o número de utentes. Em conversa com aqueles que escolheram tratar os seus documentos ali, descobrimos que um funcionário que lá trabalha há muitos anos, a quem chamam por Isaac, cobra, a pessoas conhecidas, dois mil kwanzas, e a outros até cinco mil, para um atendimento rápido.
Um pouco mais adiante, está o Palácio da Justiça, no Golfe 2. Ali, está o cidadão Moisés Martins desde às 9 horas à espera. Quando chegou, foi-lhe informado que bastasse ficar na fila, sem fazer qualquer marcação para o efeito, desejava renovar o seu Bilhete. Mas já eram 15h10 minutos e não tinha ainda atendido.
Martins julga que todos que o encontraram foram atendidos, isso porque os problemas da corrupção ainda enfermam os serviços públicos. Alega que sabe que as pessoas pagam valores em volta dos dez mil kwanzas, a quem os funcionários dão prioridade, por mais tarde que cheguem.
Dali, rumamos para o Talatona, no Serviço Integrado de Apoio ao Cidadão (SIAC), onde cobra-se mais caro pelos serviços e, em contrapartida, o atendimento é de maior qualidade e celeridade, para onde, cada vez mais, os cidadãos acorrem. Todavia, nos últimos dias, a situação é de lamentar.
Agora, precisa-se, à semelhança dos postos gerais, chegar muito cedo, senão mesmo uma noite antes, para marcar o lugar. Há um número determinado para atendimento, o guarda com a sua caneta e bloco de notas, aponta os nomes das pessoas que vão chegando.
O que inquieta os utentes é que tais guardas e demais jovens que não têm intenção de tratar, por exemplo, o Bilhete de Identidade, ocupam espaços para que possam vender ao amanhecer, num valor de pelo menos mil kwanzas por cada.
O resultado anormal é que muitos cidadãos ficam muito tempo sem o documento, levando-os a não tratar outros assuntos onde se requer o Bilhete de Identidade, mormente os movimentos bancários.

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