Uma idosa terá sido assassinada, após ameaças para abandonar um terreno de 3.500 metros quadrados, no bairro Casseque II, que tem sido invadido por algumas entidades, acusadas de cooperar com o médico legista para apontar a mordedura canina como a causa da morte, embora os vestígios deixados no local indiquem que o acto foi praticado por humanos.
Dumilde Fuxi
Emília Mussande, 74 anos, residia numa das casas construídas no estaleiro da empresa do genro, adjacente ao terreno em litígio, e realizava trabalhos agrícolas no bairro Casseque II. Com a ajuda dos seguranças e outros funcionários de Fernando do Rego, cuidava da parcela de terra, já com as marcações para vedação.
Após várias ameaças para abandonar o espaço, eis que, na madrugada do dia 10 de Setembro do ano passado, a cidadã foi morta e, de manhã, encontrada com ferimentos graves, aparentemente causados com objectos contundentes. As paredes e os móveis da casa ficaram borrados de sangue e o cadeado de uma das portas foi arrombado, além de outras alterações na residência que, ao que tudo indica, foram feitas por pessoas que terão invadido o domicílio.
Apesar de a vítima ter sido encontrada com vários sinais de tortura, esclarece Fernando do Rego, e a casa com vários “vestígios deixados pelas pessoas que cometeram o crime, o Serviço de Investigação Criminal (SIC) não recolheu quaisquer amostras. Deu luvas aos meus funcionários para removerem o cadáver e dirigiu a realização da necropsia”.
O exame do médico legista declara que a idosa padeceu de choque traumático, causado por mordedura canina. Ou seja, o cão criado por Emília Mussande foi o causador da sua morte, uma afirmação contrariada pela família, segundo a qual o animal nunca apresentou comportamentos agressivos e, além disso, após o infausto acontecimento, foi fotografado à porta da dona, sem quaisquer vestígios de sangue.
Portanto, “os mandatários do crime, soba Pedro Sapalo “Chiwo Chiwo” e outros, estão a cooperar com o SIC e o médico legista, para fabricarem provas e impedir a realização da justiça”.
A este Jornal, Fernando Gavino exibiu várias fotografias, para explicar o estado em que foi encontrada a residência, borrada de sangue, desarrumada, o quadro eléctrico desligado e pedras colocadas à entrada, uma tarefa que não acredita ter sido realizada pelo cão, mas por pessoas contratadas para mutilar a sua família e aproveitar-se do seu terreno.
Por isso, acredita que os mesmos agiram em conluio com os três seguranças que tomavam conta do estaleiro, pois estes desapareceram no dia do incidente e, quando encontrados, ficaram detidos por menos de 48 horas.
Família impedida de assistir a autópsia
As filhas de Emília Mussande solicitaram às autoridades para ver o corpo da mãe na morgue e assistir à realização da autópsia, mas foram impedidas por, alegadamente, “tratar-se de um assunto de homens”. Esta situação, de acordo com Fernando do Rego, voltou a causar suspeitas sobre a actuação do SIC e do médico destacado para o exame.
Pelo exposto, os advogados da família solicitaram a autorização para a realização de uma segunda autópsia, que só não aconteceu porque “os médicos legistas contactados recusaram o pedido, tão logo se aperceberam que foi Manuel Fundanga o colega que realizou o primeiro exame. Outrossim, continua, o SIC não permitiu que fosse contratado um legista do estrangeiro.
O genro entende que estas situações estejam a ser criadas para impedir que se ateste, por uma entidade competente, que a idosa Emília Mussande não morreu por mordedura canina, mas assassinada com objectos contundentes.
«Eu sou o médico e não o senhor», lembra, a fonte, a resposta do médico legista, quando questionado sobre as suas declarações na certidão de óbito.
Para Fernando do Rego, o médico legista, Manuel Fundanga, manipulou as suas constatações no cadáver e emitiu um parecer que pode ser usado para desviar o rumo de eventuais investigações e afastar a verdadeira causa da morte da sua sogra. Por isso, contraria a afirmação do especialista com fotografias feitas no dia do incidente, ilustrando vários vestígios de invasão ao domicílio e assassinato.
Dos ficheiros que fez chegar à nossa redacção, consta, também, a imagem do cão, acusado pela morte da anciã, feita poucas horas após o ocorrido, onde o mesmo aparece sem qualquer vestígio de sangue. Há, no entanto, furações feitas com objectos contundentes e manchas do fluído nas paredes metálicas e em vários móveis da casa, onde foi arrombado o cadeado da porta principal.
O interlocutor conta que o corpo terá sido arrastado de um sítio para outro, tendo a coluna vertebral de Emília Mussande quebrado. Por outro lado, declara, o quadro eléctrico da casa, colocado a 1,80 cm, foi desligado e a única coisa que levaram foi o chip do telemóvel da vítima.
“Aquele cão nunca mordeu ninguém e não tem inteligência para fazer tudo isso. E iria logo atacar a própria dona!? Como é que lhe acusam sem submetê-lo a um exame?”, indagou, acrescentando que, até agora, a casa está desabitada e evitam higienizá-la, para não desviar as provas, acreditando, assim, na realização da justiça.
Entidades indiferentes aos factos
Fernando José Lopes Gavino do Rego é proprietário de um terreno de 3.500 metros quadrados no bairro Casseque II, província do Huambo, entregue, em 2012, pelo Governo Provincial, após cedência de um espaço seu no Lucefena, para a construção de um posto de abastecimento da Sonangol. O espaço está junto ao estaleiro da sua empresa, com uma área residencial, onde, na altura, a sogra habitava.
Apesar de ter documentos que provam a titularidade do espaço, e com o devido reconhecimento do Governo Provincial e do Ministério do Urbanismo e Habitação, conta, um grupo de indivíduos, dirigido pelo soba local, Pedro Sapalo “Chiwo Chiwo”, realiza actos maquiavélicos para apoderar-se do espaço.
As invasões, de acordo com Fernando do Rego, tiveram início em Janeiro de 2019, no mesmo período em que a sogra começou a ser surpreendida por indivíduos desconhecidos, que a obrigavam a abandonar a moradia, sob pena de ser morta. A infeliz, explica, lamentava, frequentemente, com uma vizinha as ameaças feitas pelo grupo e mantinha a neta ocorrente dos factos.
Em função disso, e porque os mesmos proliferavam as intimidações, Zuraima Gavino, para garantir a protecção da avó, participou a ocorrência ao procurador da República junto do SIC-Huambo.
Na queixa-crime, datada de 12 de Fevereiro de 2019, a proponente participou, criminalmente, os sobas Pedro Sapalo e Saco, o secretário do primeiro, identificado por Pede, bem como outra cidadã, conhecida por Chilombo.
De acordo com o documento, a cedência do espaço foi autorizada por Faustino Muteka, na altura governador provincial, e é do conhecimento da Administração e do Comando municipais do Huambo, tendo havido já, na altura, um avanço significativo para a legalização do terreno.
Os implicados, lê-se, “aproveitando-se da ausência de Fernando José Lopes Gavino do Rego (que estava em tratamento em Portugal), invadiram o terreno do Casseque II, arrombaram os muros (de vedação) e usurparam o espaço”, facto que deu origem a uma reunião entre as partes, realizada a 26 de Janeiro daquele ano, onde ficou acordado “que os participados devem abster-se de invadir o terreno e aguardar” a chegada de Fernando do Rego, a fim de se encontrar uma solução para o litígio.
Tais recomendações, referiu, não foram cumpridas pelos participados, pois “foram vistas algumas pessoas a demarcar espaços no terreno”. Segundo Fernando do Rego, o soba Chiwo Chiwo vendeu o terreno em parcelas de 20×20 metros quadrados, ao preço de AKZ 2.000.000,00 (dois milhões de kwanzas), aproximadamente, e cedeu outra parte a efectivos do SIC local.
“Os invasores partiram a vedação e começaram a erguer várias residências, até que, em Maio deste ano, o tribunal mandou embargar a obra”, afirmou, acrescentando que a violação desta decisão, por um dos responsáveis pelas construções, resultou em várias notificações que não foram respondidas, obrigando, assim, a uma ordem de detenção, por desobediência.
O entrevistado disse, também, que há algum tempo, já depois de ter colocado uma empresa de segurança para tomar conta dos dois terrenos, o estaleiro estava à beira de ser invadido e as máquinas incendiadas. Porém, a rápida intervenção dos seguranças impediu que tal acontecesse.
“O tribunal embargou a obra, mas é necessário resolver o caso com urgência. O estaleiro está sob perigo, porque o terreno ao lado tem acolhido delinquentes e actos de prostituição”, apelou.
“Eles querem nos matar”
Fernando do Rego conta que, quando ainda estava em Portugal, alguns indivíduos não identificados deslocavam-se à sua residência e ao estaleiro da sua empresa, alegadamente para o matar. Pouco tempo depois da morte da avó, Zuraima Gavino decidiu fixar residência noutro ponto do país, onde sente-se mais seguro, exactamente pelas ameaças que a família tem sofrido.
Para deter o cidadão que não respondia às notificações do SIC, este órgão solicitou a viatura da sua empresa que, na ocasião, foi dirigida pelo filho. O mesmo permaneceu detido durante uma semana e, explica, oito dias após a soltura, Edilson Gavino e o amigo, António da Silva, à saída do estaleiro, foram agredidos por um grupo de estranhos, entre os quais efectivos do SIC.
“O SIC tem meios, mas, ainda assim, solicitou a nossa viatura para realizar a detenção e foi por isso que reconheceram o Edilson. Ele foi agredido por ser meu filho. O amigo dele conseguiu refugiar-se numa esquadra do bairro São Pedro, onde também foi perseguido e agredido pelos polícias, até que os mesmos perceberam o que realmente estava a acontecer”, lastimou, referindo que as vítimas ficaram gravemente feridas.
Fernando do Rego adiantou que, ainda nesta semana, ao sair do estaleiro com a esposa e os funcionários, foi ameaçado pelas mesmas pessoas que têm tentado invadir as suas terras. “Pelo que vimos, temos apenas uma solução: abandonar a terra que me viu nascer e crescer, eles querem acabar com a minha vida e a da minha família, simplesmente por causa do terreno que me foi cedido pelo Governo”, lamentou.
Questionado sobre os processos que deu entrada ao SIC e em tribunal, objectou não ter, até agora, outras informações, porquanto “parece estar engavetado”. Outrossim, disse, endereçou uma carta ao ministro do Interior e ao comandante provincial da PNA no Huambo, mas não teve resposta.