Por trás de um julgamento: FUNCIONÁRIOS DOS TRIBUNAIS “VIRAM-SE” COM MEIOS PRÓPRIOS PARA REALIZAÇÃO DA JUSTIÇA
Quem recorre aos tribunais sabe o quão desgastante são as idas e as voltas para se obter algum despacho, sem, no entanto, falar-se da vaidade que alguns funcionários de justiça fazem para dar uma simples informação. Portanto, um infinito de razões para a falta de celeridade nos processos em tribunal é mostrado na reportagem que se segue.
Por: Felicidade Kauanda
Em Direito, o julgamento é a segunda fase do processo penal. Ele é, na maioria das vezes, oral, porém, todas as declarações dos intervenientes e partes processuais, sejam dos juízes, magistrados do Ministério Público, réus, declarantes, vítimas e etc., são vertidas em acta, apontadas, por regra, pelos escrivães, formando, assim, aquele emaranhado, a que se dá o nome de processo.
Habituado a cobrir os julgamentos em si, O Crime decidiu sair da sala de audiências e ir ao encontro dos funcionários dos tribunais, que lidam directamente com o andamento dos julgamentos, em busca de explicações relativas aos contornos que se leva para se chegar a tão desejada audiência, pois é ali que “a justiça é feita”, na prática.
Um grupo de oficiais de justiça, que preferiu anonimato, em entrevista ao nosso jornal, reconheceu, para início de conversa, a existência de debilidades, por parte de colegas, quanto ao cumprimento do direito que, aos cidadãos se assiste de obter informações sobre determinado processo, pelo que apelam a estes a denunciarem.
Quanto à morosidade dos processos, apontam como causa as poucas condições de trabalho que os tribunais oferecem. “Os tribunais não dispõem de transportes para os oficiais de diligência, nem sequer uma motorizada… há alguns que não têm meio de transporte pessoal e fazem as diligências muito distante, sem falar dos riscos por que passam… Mesmo o Tribunal Supremo não tem esses meios”.
“Às vezes, para notificar o arguido, num dos serviços penitenciários, o oficial gasta do seu próprio bolso, os que têm viatura, põem combustível por conta própria. Cada operador tem um grande volume processual para cuidar. Apesar de serem muitas as necessidades, infelizmente, os recursos são poucos, só num único processo, pode haver vários obstáculos, daí a morosidade a ter o julgamento, porém, tudo depende ou varia de processo para processo”, explicam.
Os nossos interlocutores contam o cenário por detrás de uma audiência de julgamento. “Em muitas ocasiões, falta papel, tinteiro ou toner e, ainda assim, várias vezes, mesmo com estas falhas, para uma celeridade processual, faz-se a audiência de julgamento, envia-se o documento ou a acta por pendrive e recorre-se a outras secções para se imprimir, ou seja, a audiência termina, mas tanto os magistrados e outros assistentes são obrigados a permanecerem na sala, à espera do escrivão, que vai girar noutras secções, para trazer o documento impresso e ser assinado, isso pode levar muito tempo para se resolver”.
“Por outro lado, são as agendas de trabalho. Por norma, a entidade empregadora tinha de disponibilizar, a todo o pessoal, as agendas, mas não fazem chegar a todos, há, inclusive, juízes que compram com dinheiro próprio. Outro problema é a comunicação, que ainda é por via de papel, juntando os transportes e a Internet, que, em Angola, ainda é um problema geral”, confessam.
Muitas audiências de julgamento, que geralmente são marcadas para 10horas da manhã, chegam a dar início apenas por volta das 12 ou 14horas, na melhor das hipóteses, pois, pode chegar a não acontecer, porque o réu não foi conduzido pelo estabelecimento prisional.
Isso decorre do facto de os Serviços Prisionais, nalgumas vezes, não avisarem, com a necessária antecedência, as eventuais indisponibilidades, atrasos ou não encaminhamentos do réu ao tribunal.
É nessas ocasiões que os interessados no caso, deixando os seus afazeres e dirigem-se àquela instituição, com a expectativa de acompanharem o julgamento, ficam horas a fio à espera, culpando o tribunal que, às vezes, nem sequer sabe dar informação exacta, situação que deixa descontente muitas famílias e advogados.
Fontes fidedignas nos informaram que os Serviços Prisionais, ou Comarcas, também, não têm condições materiais para atender todos os tribunais atempadamente, devido ao défice de viaturas que dispõem, pelo que, apesar de tarde, na maioria das vezes, conseguem fazer o esforço de chegar com os réus aos tribunais.
“Executivo contribui para morosidade dos processos”
De acordo com o docente universitário, António Quilulo, os funcionários públicos afectos aos tribunais, designadamente, escrivães, procuradores e juízes, têm prazos para despachar os processos, mas os recursos materiais não ajudam na sua celeridade.
Sustenta, por outro lado, que a tramitação ou celeridade processual não depende apenas da agilidade da parte judicial, precisamente dos juízes, mas da rapidez dos órgãos de instrução, nomeadamente, instrutor, Serviços de Investigação Criminal, ou dos intervenientes processuais, como o próprio réu, o advogado assistente ou de defesa, e dos Serviços Prisionais, na eventualidade do arguido ser preso, ou, ainda, de outras entidades, como por exemplo, legistas, contabilistas, peritos de trânsito, que podem ser chamados a intervir como declarantes ou testemunhas num processo.
Para o docente, as debilidades materiais, que muitos sectores públicos suportam, são dos maiores factores que influenciam para a falta de agilidade. “Não devemos ser hipócritas, sabemos das dificuldades por que muitos sectores públicos passam, nomeadamente, na Polícia, tribunais e nos estabelecimentos prisionais”, disse.
“Muitos agentes públicos, por falta de tinteiro ou papel nas instituições, em particular instrutores, correm risco de fazer vazar documentos, porque enviam o documento por pendrive, comprada por conta própria, e vão ao cyber do chinês imprimir e ainda pagam a impressão com o seu dinheiro”, considerou.
“Segundo informações oficiais, conta o académico, o Tribunal Provincial dispõe de uma viatura para diligências. “Os mandatos das várias secções de Luanda são entregues aos condutores que, por sua vez, levam para os estabelecimentos prisionais, mas esta viatura está mais avariada do que a funcionar… se não é o motorista que está doente ou tem problemas familiares, é o veículo que está mal e, quando está bom, a via está mal…”, explicou, acrescentando que “há arguidos no Calomboloca ou Caquila, mas o acesso, principalmente na época chuvosa, não facilita, pois a via fica intransitável, nem mesmo os agentes penitenciários conseguem sair. Quando isso acontece, o condutor devolve os mandados aos oficiais de diligências de cada secção”.
Por outro lado, António Quilulo considerou que deveria ser regra os oficias de diligência terem um meio de transporte, para fazerem as diligências, por causa de situações como a prisão de Caquila, que foi construída numa região muito distante, com acesso débil.
O académico não deixou de citar os desafios dos estabelecimentos prisionais que, igualmente, associam-se aos trabalhos dos tribunais, “Lembro-me que, há um tempo, a Comarca de Viana e a Cadeia Central de Luanda tinham apenas um único veículo, para cada, para fazer distribuição dos presos nos tribunais do Benfica, Palácio Dona Ana Joaquina, Kilamba Kiaxi e Viana… vejamos os constrangimentos que podem causar e, muitas vezes, falta combustível nas viaturas ou chegam a estragar”.
Assim, o professor é de opinião que o Executivo deveria reflectir melhor na posição dos trabalhos dos órgãos de soberania, sobretudo o do tribunal, que lida directamente com o povo e em questões muito mais sensíveis.
Por fim, quanto às manias de certos funcionários, diz que “um cidadão, quando vai ao tribunal solicitar informação, qualquer pessoa que estiver no cartório deve saber inteirá-lo, não deve só esperar a quem pertence a letra A ou B… todos nós temos de trabalhar para merecermos o que ganhamos”.