País de mal a pior: ANGOLANOS VIVEM EM EXTREMA MISÉRIA

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Milhares de cidadãos nacionais, em Luanda e não só, vivem numa situação de extrema pobreza. Na última semana, O Crime efectuou uma ronda por várias zonas da periferia da capital, testemunhou o calvário de cidadãos que, qual jejum, são obrigados a passar dias e noites à fome por falta de AKZ 500, no mínimo, para uma refeição. É a triste realidade, mas um determinado presidente acredita que não haja fome em Angola.

Jaime Tabo

“Estamos a sofrer”. Esta é uma afirmação que se ouve em vários cantos do território nacional. Parecendo o hino nacional, os populares dizem em coro. Na base, estão as suas condições e o alto custo de vida, que a cada dia jogam para a extrema miséria várias pacatas famílias.
A nossa primeira paragem foi o Bairro da Lixeira, Distrito Urbano do Sambizanga, município de Luanda, localizado por detrás do Porto de Luanda. É circundado por empresas multimilionárias, aparentemente sem noção da sua responsabilidade social.
Quem ali reside, sem rodeios, afirma que “a fome está dura”. Para início de conversa, apresentam o facto de o saco de arroz estar quase 15 mil, muito caro, à semelhança de tudo que se vende no armazém alimentar.
Um considerável número de casas está abaixo de uma montanha de aproximadamente dez metros de altura. Esta serve de lixeira para os populares da zona. Por conta disso, parte dos resíduos sólidos cai sobre as residências, ou melhor, casebres, com altura inferior a 2 metros.
Em casa da cidadã Delfina Victor, optou-se pelo funje de bombó, mas o preço daquele bem não é assim tão famoso para quem não tem nada. O quilo fica em 200 kwanzas. Delfina precisa de, pelo menos, 7 mil kwanzas para alimentação diária, mas a luta para alcançar essa meta está além das suas forças. “Nem sempre aparece mil kwanzas, há dias que temos de ficar com fome”, revela.
Por outro lado, garante que este valor é insuficiente para sustentar os cinco filhos e o marido. Como se não bastasse, no bairro, 20 litros de água custam 80 kzs.
Delfina não é a única mulher que nem sequer sorri no mês de Março.
Na mesma linha, está Hermelinda Cassova, 56 anos, que também se queixa de fome, o fenómeno que lhe rouba a paz e o seu sorriso.
Como milhares de angolanos, Cassova diz que “está muito difícil conseguir um quilograma de arroz ou um pacote de massa alimentar”.

“Até água para beber não temos”

No interior da casa, a nossa equipa de reportagem não encontrou nada que se coma, nem água. Esta realidade provocou choros e muitos amargos de boca, um cenário que até contagiou os repórteres.
O relógio marcava 11 horas da manhã, e as crianças, depois de uma noite sem jantar, tinham comido apenas arroz com açúcar. Aquela mulher, abandonada pelo esposo e, agora, com uma deficiência na perna esquerda provocada por uma queda na fuga dos fiscais, enquanto vendia, chorava bastante ao descrever a pobreza que enfrenta. Choros e lamentações iam interrompendo a conversa.

Um considerável número de casas está abaixo de uma montanha de aproximadamente dez metros de altura. Esta serve de lixeira para os populares da zona. Por conta disso, parte dos resíduos sólidos cai sobre as residências, ou melhor, casebres, com altura inferior a 2 metros.

Com dez pessoas no agregado, consegue não mais de 400 Kwanzas/dia, fruto do seu humilde negócio. Ela vende batata frita empacotada, ao preço de 50 kwanzas o pacote. Não é fácil conseguir clientes no beco onde vive. “Se vender 10 pacotes, é graças a Deus”, disse, explicando que, com o dinheiro, compra 500 gramas de arroz e um pouco de açúcar.
Por falta de dinheiro, as crianças foram forçadas a abandonar a escola. Parte delas não tem registo civil. Hermelinda reconhece não ser a única que precisa de ajuda, “somos muitas”, disse.

“Salva-nos, senhor PR!”

Com 50 anos, Adão Paulo é antigo combatente, mas nada tem como recompensa. Já só tem a dura vida que leva, sobrevive de biscates de pedreira. Adão vive com a sobrinha, e sustenta a casa. Nos dias em que não há pequenos serviços, também não há o que comer. Há muitos anos que já não consegue comprar um saco de arroz. Um dia antes desta reportagem, tinha jantado, conforme confessou, um pouco de pão com café.
Questionado sobre o que pederia, se estivesse diante do presidente da República, responde: “que salve a nação, senhor presidente, ajude mesmo o povo, o que tem feito não se reflecte na vida da população”.
Victor da Cunha, jovem de 23 anos, considera que “a pobreza está demais, até para comer está difícil”.
Na mesma linha, conta que, quando a sua mãe volta da venda ambulante, reclama sempre das dificuldades da vida.

Questionado sobre o que preferia se estivesse diante do presidente da República, responde: “que salve a nação, senhor presidente, ajude mesmo o povo, o que tem feito não se reflete na vida da população”. Victor da Cunha, jovem de 23 anos, considera que “a pobreza está demais, até para comer está difícil”.

Mesmo a “sofrer”, o jovem crê na conclusão dos seus estudos e, depois, num emprego que permita sustentar a família.
Em busca do melhor, o pai foi para outra província, enquanto a mãe luta pelo grande agregado, que tem no arroz e o açúcar o jantar de todos os dias.
Um dia no tomate, outro na cebola, é só remediar. Assim começou a conversa com a dona Eugénia António, de 65 anos. A anciã não está a vender porque teve de aplicar o dinheiro na saúde do esposo, doente há cinco anos. Agora, quando alguém se solidariza e oferece cinco mil kwanzas, compra dois ou três baldes de tomate e vende em retalho para sobreviver, mas o dinheiro não cobre as necessidades das nove pessoas que sustenta, incluindo as crianças, que não haviam tomado o pequeno-almoço até bem perto das 12 horas.
Do Sambizanga ao município de Viana, concretamente no bairro da Casa Branca 1, o cenário é o mesmo. Mudam apenas os autores.
Várias pessoas diziam estar a passar muita fome. Entre estas, o ancião Adão José, que, diariamente, tem de girar, a pé, vários quilómetros em busca de ferros, cobre, alumínio e outros metais para vender e conseguir, pelo menos, mil kwanzas.
Hoje, com 60 anos, lembra que, durante a guerra no país, fez parte do Batalhão de Tanques Rodoviários (BTR) e depois trabalhou na Tecnocarro. Para evitar que falte o jantar, a única refeição da família de seis membros, tem de andar todos os dias do mês, como ele mesmo diz.
A sua esposa trabalha como empregada doméstica e ganha 40 mil kwanzas, valor que, no entanto, atrasa muito a chegar às suas mãos e não chega para as despesas da família.
Adão José assevera que a governação de João Lourenço está péssima e acrescenta que a maior parte da população está a sofrer de fome.
Naquela periferia, jovens e crianças estão todos mergulhados num oceano de problemas decorrentes da pobreza.
“A situação não está para menos´´, garantem os nossos entrevistados.
Em consequência, muitos jovens estão a enveredar para a criminalidade, assaltando residência e pessoas na via pública.
Noutras paragens de Luanda, várias pessoas, independentemente da idade, recorrem ao lixo, sem luvas e máscaras, à procura do pão.
Procuram, no interior, garrafas de plástico e de vidro para vender uma certa quantidade a 3 mil kwanzas.

Angolanos abandonam o país

De Luanda para o sul do país, onde a fome está a levar milhares de nacionais a abandonar a pátria rumo à vizinha Namíbia.
Eliaser Nghipangelwa, antigo autarca de Helao Nafidi, uma cidade namibiana localizada próximo da fronteira com Angola, veio a público admitir que há registo de muitos angolanos a atravessar a fronteira em tão pouco tempo para escaparem da fome.
“Nunca se viu nada assim, com tantos angolanos a atravessar a fronteira. Isto é um problema muito sério e um indicador claro de que algo de muito grave se passa do outro lado da fronteira”, disse Eliaser Nghipangelwa, citado pelo site Informante.web.
Também a NBC, emissora nacional de TV e rádio namibiana, está a divulgar esta situação com destaque, apontando que muitos angolanos, especialmente jovens, homens e mulheres, estão a deixar Angola para procurar ajuda humanitária na Namíbia.
Esta situação está a ser gerada pela seca extensa que afecta o sul de Angola e é isso mesmo que alguns dos angolanos que atravessaram a fronteira, nos últimos dias, e posicionaram-se na área de Oshikango, dão como justificação para terem deixado o seu país, acrescentando a falta de emprego e a fome.
Por fim, em 2020, Angola aparece entre os 40 países onde a situação da fome é considerada grave pelo Índice Global da Fome (IGF 2020), um documento anual, publicado desde 2006, que analisa o problema da carência alimentar em todo o mundo, por região e por países.

 

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