PRESIDENTE DA ASSEMBLEIA NACIONAL TEM ASSALTANTE NA SUA EQUIPA DE ESCOLTA

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Dos três agentes da Polícia Nacional, condenados a mais de nove anos de cadeia efectiva por roubo qualificado, cuja história trouxemos na edição passada deste jornal, um, que por sinal é estudante de Direito, era integrante da escolta do Presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos (Nandó).

 Liberato Furtado

A defesa dos réus recorreu da pena aplicada, por alegar não estar convencida de que ficou provado que se usou arma de fogo para o assalto a um escritório no bairro Vila Alice. 

Reclamou ainda, junto ao tribunal, do tratamento dado aos réus, pelo nosso jornal, ao termos os identificado como polícias em nossa matéria jornalística, já que entende que os réus não cometeram os crimes fardados nem naquela qualidade.

Todavia, sob todas as nuances, os seus constituintes são servidores públicos e que recai sobre os mesmos a obrigação de não pautar por tais condutas indecorosas.

“Tendo em conta a qualidade dos arguidos, agentes da Polícia Nacional, a sua personalidade e a circunstância do crime, a intensidade do dolo e o grau da culpa, se acha de boa justiça aplicar aos mesmos a penalidade prevista nos limites mínimos e máximos. Nestes termos, este tribunal julga a douta acusação pública procedente, porque provada e, em nome do povo angolano, decide condenar os co-réus Tardeli Vieira de Carvalho, Pedro Diogo Machado e Eugénio André João Gomes à pena de 9 anos e 11 meses de prisão e no pagamento de 100 mil kwanzas de taxa de justiça”

Os três agentes da autoridade, um dos serviços penitenciários, outro do Comando de Protecção de Individualidades e o terceiro, Pedro Diogo Mendes Machado, parte integrante da escolta do Presidente da Assembleia Nacional, Fernando da Piedade Dias dos Santos (Nandó), ter-se-ão unido para o cometimento do crime de que são confessos, parcialmente.

Da acusação do Ministério Público, pode-se aferir e em produção de provas durante o julgamento se concluiu provado que, armados, os réus deram causa a uma  inversão total da ordem de valores. Ou seja, por regra, espera-se do polícia a imagem do combate aos criminosos, mas na cadeira dos réus daquele julgamento se desenhou um quadro que se desaconselha a menores.

Tardeli Vieira de Carvalho, mais conhecido por Deli, gente de Terceira Classe, afecto aos Serviços Penitenciários e a prestar serviços na Cadeia Central de Luanda (CCL), Pedro Diogo Mendes Machado, conhecido por Machado ou Chandinho, agente da Polícia Nacional afecto ao Comando de Protecção Protocolar e a prestar serviço na Assembleia Nacional, estudante do 2.º ano de Direito, e Eugénio André João Gomes, também conhecido por Ibrahim, efectivo da Polícia Nacional a exercer serviços na Assembleia Nacional, 35, 33 e 42 anos de idade, respectivamente, de 42 anos, sãos os réus condenados em primeira instância. 

O juiz da causa, Adalberto da Silva, descreve: “Os réus são servidores públicos com responsabilidades acrescidas, pese embora tenham tendências ao cometimento de crimes de natureza económica, pois já estiveram detidos por estas práticas”. 

Dos factos provados, o magistrado elencou: os arguidos são amigos e colegas de profissão, pois todos são afectos ao Ministério do Interior há mais de sete anos; os implicados são membros de um grupo de meliantes, sendo Tardelli o líder, que se dedica a assaltos na província de Luanda com uso de arma de fogo, tipo pistola; para a realização das acções criminosas, os réus têm como modus operandis  conhecimentos e técnicas policiais.

Adentrando ao facto que os levou ao tribunal, ouvimos do juiz que “pelas 12h30 minutos, aproximadamente, de 07 de Agosto de 2020, os arguidos nos autos, munidos de uma pistola não determinada e apreendida, dirigiram-se ao escritório do ofendido, localizado na Vila Alice, Largo Cesário Verde nº 05, e, arrogando-se funcionários do Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social (MAPTESS), acederam ao interior do quintal, mediante uma arma de fogo que portavam, ameaçaram os ofendidos, os imobilizaram com fita-cola e conduziram para o interior da casa o declarante Sikanda Kuphanjar e o seu colega Safhadar Mohammed que, depois de consumado o roubo, também foram amordaçados e abandonados à sorte no local do crime”.

A divisão dos bens roubados, de acordo com o tribunal, foi feita em pleno dia, em Viana. No entanto, já fora, recuperados e entregues aos titulares, embora a quantia de AKZ 450.000,00 (quatrocentos e cinquenta mil kwanzas) não ter sido recuperada.

Os condenados foram reconhecidos nas cadeias do SIC-Luanda, por um dos integrantes da casa assaltada, pois já se encontravam detidos a responderem por um outro crime da mesma natureza, pelo que, desde cedo, os polícias aceitaram a  autoria material do crime, mas negaram até ao fim ter usado arma para o efeito e também rejeitam o roubo do dinheiro.  

Segundo o tribunal, não ficou provado que os agentes do SIC recuperaram e apreenderam as armas de fogo utilizadas naquele assalto, pois que uma delas se encontra apreendida num outro processo-crime identificado nos autos e que tem como autores materiais os mesmos réus.

Segundo o juiz da causa, Adalberto da Silva, durante a fundamentação da pena, não é concebível que alguém se aventure a assaltar uma casa com protecção armada, muros altos e revestidos de cerca protectora sem que também porte arma e a use para imobilizar as vítimas.

“ Não se concebe e nem sequer é aceitável, nos dias que correm, que meliantes, com a qualidade de agentes da Polícia, há mais de sete anos,  sem qualquer arma de fogo, se vão arriscar em praticar uma acção criminosa, em pleno dia claro, num escritório protegido por empresa de segurança privada sem que tenham uma arma de fogo do tipo AK-M. De tal sorte que os argumentos dos ofendidos, agora modificados, não são acolhidos pelo tribunal por serem parcialmente antagónicos e incoerentes com a prova produzida em sede da instrução preparatória no SIC-Luanda”.

Antes da prolação da pena, o juiz ressaltou a qualidade dos réus que são polícias. “À data dos factos, os aqui réus se achavam no activo das forças policiais adstritos ao Ministério do Interior e colocados em Departamentos-chave, como é o Serviço Penitenciário e a Segurança de Pessoas Detentoras de Imunidades, a exemplo, deputados da Assembleia Nacional. Como tal, tinham a obrigação de cumprir e servir a sociedade, garantindo a segurança e tranquilidade pública, pois o agente de autoridade é visto pela sociedade como um espelho, um exemplo a seguir que garantirá a segurança e confiança das pessoas em qualquer altura e local”.

 Mas sobre esses réus, continuou o juiz, pode-se aferir que têm duas actividades que se opõem: “se, por um lado, protegem, agindo de acordo à lei, por outro, comportam-se à margem desta, ludibriando os seus próprios colegas e manchando o bom nome da instituição de que dependem profissionalmente, que dignamente os acolheu e prestaram juramento de honra e bem servir a Nação angolana no acto de juramento de bandeira, dizendo alto e bom tom «eu  juro!»”.

Vale assinalar que no Código Penal anterior, o crime em causa tinha uma pena abstracta de 20 a 24 anos de prisão. Já no actual, a pena vai dos três aos 12 anos. 

 “Tendo em conta a qualidade dos arguidos, agentes da Polícia Nacional, a sua personalidade e a circunstância do crime, a intensidade do dolo e o grau da culpa, se acha de boa justiça aplicar aos mesmos a penalidade prevista nos limites mínimos e máximos. Nestes termos, este tribunal julga a douta acusação pública procedente, porque provada e, em nome do povo angolano, decide condenar os co-réus Tardeli Vieira de Carvalho, Pedro Diogo Machado e Eugénio André João Gomes à pena de 9 anos e 11 meses de prisão e no pagamento de 100 mil kwanzas de taxa de justiça”, frisou o juiz da causa, que depois acresceu a condenação solidária no pagamento de 50 mil kwanzas a favor do ofendido, a título de indemnização por danos a si causados.

Advogado opõe-se à forma de obtenção das provas

No discurso de contestação, feito pelo causídico José Pascoal, advogado dos réus, aquele salientou que os agentes foram vítimas de tortura. “A verificação da verdade dos factos que fundamentam a responsabilidade penal do arguido faz-se através da prova, mas essa verdade não pode ser buscada por qualquer via, se não aquela prevista por lei. O n.º 2 do artigo 146.º do Código de Processo Penal angolano considera ilegais todos os meios de prova obtidos mediante ofensas à integridade física ou moral das pessoas”.

“Os co-réus aqui presentes, aquando das suas detenções, foram submetidos a actos de tortura, para que deles pudessem buscar uma confissão dos factos.

Tais procedimentos constituem uma infracção grave. Por essa razão, os co-réus solicitam a intervenção do tribunal, para que os seus algozes sejam responsabilizados criminalmente”, requereu o causídico.

No caso em tribunal, cada traço da acusação lido pela procuradora, Natasha dos Santos, faz desmoronar o conceito de Polícia que a todo o custo a história tratou de esculpir. “No interior da casa, subtraíram a quantia monetária de 450 mil kwanzas, cinco computadores portáteis e três telemóveis. Abandonaram o local a bordo de um automóvel tipo fechado, ligeiro para passageiro, marca Toyota, modelo RAV4, de cor preta e com a matrícula LD-34-79-BD apreendido nos autos”, descreveu.

Entretanto, os réus negam de forma categórica a versão acusatória do Ministério Público, segundo a qual terão feito recurso à arma de fogo para a subtracção dos bens referenciados nos autos. “Se os co-réus fizessem de facto o recurso a uma arma de fogo e se ela foi apreendida, a defesa pergunta, onde está essa arma? Os réus não assumem ter usado uma arma para consolidar o crime”, sublinhou José Pascoal. 

O Tribunal da Comarca de Luanda fez os deveres de casa, solicitou ao SIC a prova do uso da arma e confirmou que uma das armas está apreendida pelo SIC-Luanda, porque constitui prova em outro processo-crime da mesma natureza que tem como protagonistas os mesmos polícias.

Por fim, nos resta dizer judicatum solvi (pague-se o que se acha julgado)!

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