CIDADÃO MATA ESPOSA E DEIXA TRÊS MENORES ÓRFÃOS
Três menores, com idades entre 4, 8, e 12 anos respectivamente, ficaram órfãos de mãe, vítima de asfixia, acção protagonizada pelo companheiro, agora foragido, durante uma discussão, ocorrida na madrugada do dia 2 do corrente mês, no bairro Nguanha, distrito do Hoje-Ya-Henda, município do Cazenga.
Por: Felicidade Kauanda
Alice Domingos Adolfo, de 12 anos de idade, viu o seu porto seguro a desabar na manhã do dia 2. O sol acabava de nascer, e era para aquela adolescente apenas mais um dia, mais uma esperança que se renovava, com o novo amanhecer, até que, às 8 horas, o sorriso naquele pequeno rosto se transformaria em eterna amargura. Pois, se apercebera que a sua mãe, Maria Mbundu Boyo, de 25 anos, tinha sido assassinada pelo próprio pai, Steve Adolfo.
A mais velha entre os três irmãos, visivelmente magoada e com a voz trémula, contou à nossa reportagem como o crime se desenrolou. Ela, disse que, um dia antes do incidente, a mãe havia recebido a visita de uma amiga, e, ao fim do dia, por volta das 20 horas, Meury como era carinhosamente tratada, saiu para acompanhar a amiga, mas no regresso, deparou-se com o marido, furioso, que não gostou de ver a esposa na rua aquela hora, tendo daí gerado a confusão.
“Eles começaram a lutar na rua e a mamã foi para casa, entrou no seu quarto e dormiu”, conta Alice Adolfo, acrescentando que o cônjuge seguiu a esposa até aos seus aposentos, depois de largo tempo de discussão, à madrugada, o jovem, com ajuda de uma almofada, asfixiou a parceira até perder a vida. “Ela suplicava para que a deixasse e nós também, mas até ele ouvir o nosso clamor, a mãe já tinha perdido a vida”, lamentou a primogénita do casal.
Sem dor, nem remorso, o homicida pernoitou com a vítima na mesma cama, já sem vida, enquanto os filhos, com medo do pai, dormiam nervosos num dos quartos da casa, até ao amanhecer. “Às 5 horas, o papá saiu do quarto, eu perguntei onde ia, e ele disse-me que iria à casa de banho, mas desde então já não voltou”, conta Alice Adolfo, acrescendo que, a seguir, depois de ter perguntado ao pai aonde ia, voltou a dormir, até que por volta das 8 horas, quando uma tia da malograda foi cumprimentá-la, é que descobriu que Meury estava morta.
“O meu irmão caçula foi acordá-la, mas ela não acordava, foi a outra irmã, também sem sucesso, até que eu mesma fui lá ver o que se passava, foi então que descobrimos que a mamã estava morta”, contou Alice Adolfo.
“O pai usa drogas e sempre foi uma pessoa agressiva”
Maria Mbundu Boyo vivia em união de facto a mais de dez anos com Steve Adolfo, e da relação derivaram três filhos, ainda menores. Entretanto, apesar do tempo de convívio, a relação não era aprovada pelos familiares de Meury, que sempre consideraram Steve um homem agressivo e de difícil trato.
Os familiares da vítima contaram que o jovem sentia-se inseguro por ser a esposa que cuidava da casa. Ou seja, desde a alimentação, renda de casa e até a escola das crianças, era da responsabilidade da vítima. “Ela vendia pulseiras, brincos, colares e outros assessores, para nos sustentar e pagar a renda de casa”, disse a filha mais velha, assinalando, posteriormente, que o pai, se entregasse 500 kwanzas, tinham de lhe dar troco de 200 kwanzas — ainda assim — era preciso ser obrigado para deixar os míseros trezentos kwanzas.
“Não sabemos dizer se o pai consumia bebidas alcoólicas, porque nunca o vimos, mas há, sensivelmente, um mês, antes da morte da mãe, eu dizia sempre que em casa sentia-se cheiro de fumo de estupefaciente, mas ela não acreditava. O pai só andava com fósforo, lâmina e tesoura, o que nos faz acreditar que ele fumava e se drogava”, denuncia a filha.
“Menores precisam de acompanhamento psicológico”
Para o psicólogo Hélder Afonso, as menores precisam, imediatamente, serem acompanhadas por um especialista, a fim de se evitar um possível desvio comportamental devido à triste situação que presenciaram. “O futuro daquelas crianças poderá não ser saudável como se espera. Inconscientemente, poderão achar que a forma de lidar e resolver problemas é partir para agressão ou matar, porque foi o que aprenderam com o pai, que é uma figura modelo para os filhos”, disse Hélder Afonso.
Hélder Afonso falou que o ciúme, que também é visto como medo ou insegurança, é o que terá motivado o cidadão a tirar a vida da companheira. “Segundo a teoria psicanalítica, o sujeito ciumento projecta no outro os sentimentos próprios de infidelidade, e quando surgem as crises, destapam vários problemas escondidos e mostram a fragilidade do ser humano”, elucidou, para depois dizer que “daí que o estupefaciente foi um subterfugio usado pelo senhor para poder consumar o acto que já tinha em mente”.
“Na maior parte dos casos, trata-se de uma atitude premeditada, porque ninguém faz as coisas por coincidência, o que me leva a crer que ele já vinha a pensar nisso, só não tinha coragem quando estava consciente”, sublinha o psicólogo.
Já o criminólogo João Mário Kabeya começa por caracterizar como sendo um crime de homicídio voluntário motivado por comportamentos anormais ou psíquicos, resultante da paranoia do ciúme, e motivado, por outro lado, pelo seu estado de demência, devido à sua inclinação para o consumo de psicotrópicos.
“Alega-se que o cidadão era muito ciumento, isto é, paranoia do ciúme, mas o indivíduo não era maluco, muito menos perturbado e fazia uso de psicotrópicos, estupefaciente, conforme afirmou a filha do casal. No entanto, sabia o que fazia”, afirmou João Kabeya, acrescentando que o comportamento do agressor foi impulsionado pelo seu estado psíquico.
Para concluir, o também presidente da Câmara dos Criminólogos de Angola aconselha as pessoas a denunciarem tais comportamentos, e perceberem quando é que se está perante um comportamento desviante. “Quando o ciúme é demasiado, aconselha-se à separação, porque ciúme é uma paranoia, um estado anormal de um indivíduo que está sujeito a várias imaginações. O crime não é recomendável, não é o meio para satisfazer à vontade, qualquer que seja”, apela João Mário Kabeya.