Assim vai a justiça: ZENU LIVRE E SOLTO

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Os mandatários dos réus condenados no processo 002/18, por transferência ilícita de USD 500 milhões, de uma conta do BNA para a empresa Perfectbit, na Inglaterra, ponderam falar em interferências políticas na decisão anunciada sexta-feira, 14, pelo colégio de juízes do Tribunal Supremo, tendo Sérgio Raimundo adiantado que, do momento político que o país atravessa, espera tudo.

Por: Dumilde Fuxi

Em cúmulo jurídico, José Filomeno dos Santos “Zenu” foi condenado a cinco anos de prisão, (quatro por burla por defraudação e dois por tráfico de influência, os dois crimes na forma continuada), e Valter Filipe a oito anos (seis por peculato na forma continuada e quatro por burla por defraudação), a maior pena entre os réus.

O empresário Jorge Gaudens foi sentenciado a seis anos (cinco por burla por defraudação e dois por tráfico de influência, todos na forma continuada), ao passo que a António Samalia foi aplicada a pena de cinco anos (quatro por peculato e três por burla por defraudação na forma continuada).

Os quatro réus foram absolvidos do crime de branqueamento de capitais e, ao aplicar a punição, refere o acórdão, “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, dada a sua componente de repressão e prevenção, visando a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Neste sentido, apesar das penas aplicadas, os réus aguardam em liberdade (situação carcerária em que foram julgados), após apresentação imediata do recurso à decisão de primeira instância.

Questionado se o caso teve um julgamento político, Gentil Simões, o mandatário de José Filomeno dos Santos, antigo presidente do Fundo Soberano de Angola, comentou que, enquanto advogado, o seu trabalho recai no plano jurídico-processual e que o tribunal é livre na apreciação de provas.

“Os juízes fizeram o seu trabalho. Agora, cabe a nós (advogados), a nível das alegações, num trabalho aturado e com explicações válidas, tentar esclarecer os juízes de instância superior os argumentos de razão”, declarou o advogado.

Gentil Simões disse que o acórdão foi resultado do que os juízes puderam apurar ao longo das sessões de discussão e julgamento, facto que não o impediu de manifestar a insatisfação do seu constituinte, traduzida em forma de recurso ao plenário do Tribunal Supremo, de quem depende “a possibilidade de fazer todas as ponderações que se impõem num caso de grande magnitude e complexidade como este”.

Já Sérgio Raimundo, que também evitou falar de uma decisão com motivações políticas, disse que, do contexto político actual, espera tudo e não concorda com a pena aplicada ao seu constituinte, Valter Filipe, a data dos factos governador do Banco Nacional de Angola.

Em relação à possibilidade de obter uma resposta satisfatória no recurso apresentado, o causídico reiterou que “a esperança é a última a morrer, por isso, ainda não desistimos. Se não conseguirmos nesta, iremos a outras instâncias”.

Recordar que, após a sessão realizada a 30 de Junho, para as alegações finais, em que o Ministério Público apresentou a proposta para a condenação dos réus e não valoração da carta enviada por José Eduardo dos Santos, Sérgio Raimundo, em declarações à imprensa, disse que “se a nossa intenção é fazer justiça e descobrir a verdade material, é assustador ouvir do MP a intenção de não valorizar a carta do então Presidente da República, o que demonstra, claramente, que há um propósito bem delineado para obrigar este venerando tribunal a condenar estes coitados, com ou sem provas”.

Os arguidos foram, também, condenados ao pagamento de 300 mil kwanzas de taxa de justiça, por pessoa. De igual modo, devem pagar, solidariamente, ao Estado angolano, AKZ 5.000.000 (cinco milhões de kwanzas) por danos morais e USD 8. 512. 500,00 (oito milhões, quinhentos e doze mil e quinhentos dólares) pelos prejuízos que impediram o aumento do seu património, em função dos custos que teve com a acção judicial que ocorreu em Londres, Inglaterra.

José Filomeno dos Santos deverá pagar a Gentil Simões, seu defensor oficioso, a quantia de 150 mil kwanzas.

Declarações dos réus e carta de JES desvalorizadas

Para o tribunal, as versões de todos os arguidos não merecem credibilidade. Todavia, valoriza totalmente as declarações do então ministro das Finanças, Archer Mangueira, porque foi mantida ao longo de todo processo e pelo facto de ter sido afastado da criada comissão, ficando no seu lugar Valter Filipe, que ordenou, verbalmente, a transferência dos 500 milhões de dólares.

Na mesma senda, o colégio de juízes teve como facto não provado a carta anexada aos autos, pela defesa de Valter Filipe, que atribui a autoria a JES, “não porque não obedece os requisitos exigidos pelo tribunal, nomeadamente, a assinatura reconhecida, mas pelo seu conteúdo… As respostas acabam por ser quase uma reprodução apresentada pela defesa de Valter Filipe e as declarações desse em sede de audiência de julgamento. O que não deixa de causar estranheza, a redacção (da carta) parece escrita de uma única pessoa e vai de encontro à defesa deste arguido (Valter Filipe). Mas, ainda que fosse valorada, não excluiria a ilicitude do comportamento deste arguido”, afirmou o juiz João da Cruz Pitra.

À data dos factos, José Filomeno dos Santos era o presidente do Fundo Soberano de Angola, Jorge Gaudens, o PCA da empresa Mais Financial Service, Valter Filipe, governador do BNA e António Samalia, director do Departamento de Gestão de Reservas do banco central.

O processo 002/18, conhecido como “Caso 500 milhões”, foi julgado pelos juízes João da Cruz Pitra, presidente, os adjuntos José Martinho, que participou por video-conferência, e João Pedro Fuantoni. Dada as circunstâncias em que decorreu, prolongou-se por oito meses, isto é, de 9 de Dezembro de 2019 a 14 de Agosto deste ano.

Para o colégio de juízes da 2.ª Câmara Criminal do Tribunal Supremo, ficou provado que os réus pretendiam defraudar o Estado angolano, por isso, ao aplicar a punição, refere o acórdão, “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”, dada a sua componente de repressão e prevenção, visando a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.

Agravantes (artigo 34.º do Código Penal)

  1. Ter sido cometido o crime como meio para a realização de outro delito;
  2. Crime pactuado entre duas ou mais pessoas;
  3. Ter sido cometido o crime com a instância do poder (em relação ao arguido Valter Filipe);
  4. Crime cometido com insistência em consumá-lo;
  5. Obrigação dos agentes de não cometer o crime;
  6. Ter resultado o crime em outro mal;
  7. Acumulação de crimes

De acordo com o acórdão, a falta de arrependimento por parte dos réus pesa a seu desfavor, por revelarem uma personalidade desconforme aos valores impostos pela sociedade e pouco sentido crítico, quanto aos seus comportamentos e ao drama económico que o país vive.

Atenuantes (artigo 39.º do Código Penal)

  1. Bom comportamento anterior;
  2. Natureza reparável do dano;

9 e 23. Recuperação dos 500 milhões de dólares e a devolução, pelo arguido Jorge Gaudens, de 24 milhões e 850 mil euros;

A decisão destaca a reparação total dos danos, “apesar de não ter sido voluntária e sim dependente de uma acção judicial”, excepcionando-se o valor entregue por Jorge Gaudens. Por outro lado, releva, o bom comportamento anterior e posterior e o facto de estarem reinseridos na sociedade.

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