Garimpo de água: CRIA “EMPRESÁRIOS” QUE NÃO PRETENDEM LARGAR A ACTIVIDADE ILEGAL

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O número de cidadãos que recorre a ligações ilegais de água, para fazer face às necessidades do líquido precioso, que o Estado não consegue, está, cada vez mais, se tornando numa verdadeira fonte de renda não só para o sustento das famílias, como para propiciar outros negócios.

Por: Honorina Kiampava

O garimpo de água não é nada mais do que o desvio do curso normal da água com o único fim de vender a mais ou menos preço para as populações que carecem desse líquido precioso, usando os electrobombas.

Vários jovens dizem-se, hoje, “empresários”, porque, além da venda da água em camiões cisternas, são responsáveis por ligações domiciliares e “dão resposta a quase todas as preocupações de moradores”, quando o assunto é água.

Um dos muitos que vê no garimpo de água uma fonte de rendimento é o jovem Fortunato de Sousa Filipe, que há três anos tem sustentado a família, composta por esposa e sete filhos, através de ligações ilícitas. Apesar de saber que tal prática é errada, não pretende abandonar a actividade tão cedo.

“É um negócio que traz dinheiro, por isso muitos se tornaram garimpeiros, assim como eu. Não tenho uma previsão para deixar de trabalhar nisso, acabei comprando mais casas e carros por meio deste negócio”, faz saber.

Ao Fortunato junta-se Alfredo Gomes, de 34 anos, que nos conta que entrou neste mundo por falta de emprego. “Passava por várias necessidades, quase ninguém me ajudava, não vi outra solução a não ser de pedir aos meus amigos que me enquadrassem neste negócio. Não é difícil aprender a ser garimpeiro, aqui, o que nos move é o dinheiro”.

Com o dinheiro que ganha, salienta, consegue sustentar os filhos, a mãe e os outros irmãos. Quando lhe foi perguntado sobre a possibilidade de um dia vir a abandonar esta prática, sorriu e disse “quando o Estado cumprir com as suas promessas, dar uma vida digna à população, muitos que fazem isso vão desistir, inclusive eu”.

Por seu turno, Bernardo Ndombele Simões passou a ser garimpeiro por curiosidade, quando via seus ex-colegas da EPAL a fazerem negócios do género, ou seja, a desviarem os tubos de água e venderem a outras pessoas por preços mais baixos, recebendo um valor extra, a par do salário.

Daí, a sua ganância falou mais alto e decidiu. Entretanto, foi apanhado e, consequentemente, preso. “Fiquei enjaulado por um ano. Quando saí, perdi meu emprego, mas continuei com o garimpo. Hoje tem pessoas que solicitam meus serviços, tenho os meus contactos dentro da EPAL, nem com aquilo que aconteceu denunciei os meus amigos, porque ninguém me obrigou a ser como eles, a minha curiosidade levou-me distante e paguei por isso”, revela.

O povo é sempre o mais prejudicado

Nelma Gonçalves, moradora do bairro Rocha Pinto, há mais de dez anos, considera que a prática constitui um acto criminoso e cria problemas acrescidos aos moradores que não o praticam. “Um morador não pode e nem deve fazer ligação de água sem a licença da EPAL, porque isso consiste numa acção criminosa e põe a comunidade em desvantagem” referiu.

Por outro lado, Inês António, também residente daquele bairro, salientou que se o munícipe tem executado estas actividades de maneira ilícita, a falha é do Governo que não cumpre com o projecto “Água para Todos”. “A culpa é do Governo, que não põe água em todas as casas, porque, em países mais organizados, o problema da água e energia já deixou de ser um bicho-de-sete-cabeças, mas nós, em Angola, com tantos recursos hídricos, ainda passamos por essas dificuldades” afirmou.

O que intriga os moradores do Rocha é que todos têm torneiras em casa, mas quase ninguém tem água, o que os leva a questionar se “o projecto é água para todos ou torneiras para todos, porque, se for torneiras para todos, o Estado realizou, com êxito, a sua missão”, diz um dos moradores, que não quis ser identificado.

Actualmente, o bairro Rocha Pinto observa um número elevado de rupturas de condutas de água e os moradores são obrigados a percorrerem grandes distâncias, em busca do líquido precioso, para satisfação das suas necessidades diárias.

Ainda no mesmo bairro, a equipa de reportagem encontrou Ana Domingos Manuel, que deslocou o pé, quando tentava atravessar a barreira que existe no meio da estrada, tudo porque precisava de água. “Hoje sofro com o pé inflamado, as dores que sentia só pioraram desde o momento que isso aconteceu”.

Numa ronda feita pela EPAL em 2019, para detectar os pontos de garimpo de água, os técnicos comprovaram a existência de vários locais onde se desenvolve o garimpo, com maior incidência para o bairro Aníbal Rocha, no distrito da Sapu.

Naquelas zonas, as ligações e a venda ilegal de água são feitas tanto a luz do sol, como de noite. Para facilitar o trabalho, os garimpeiros, muitas vezes, usam maquinaria pesada para escavações e perfuração de condutas indutoras.

No bairro Cassequel do Buraco, há moradores que afirmaram que nunca mais viram a famosa “água da Covid”, desde Junho deste ano, e que há bairros que nunca beneficiaram de nenhuma gota, como no distrito da Sapu.

Neste tempo de pandemia, em que é necessário o uso constante da água para a lavagem das mãos e não só, os cidadãos sentem-se de mãos atadas, perguntando se vão gastar a água na lavagem das mãos ou priorizam outras necessidades, como beber, cozinhar e lavar.

Em Maio do ano em curso, o Ministério da Energia e Águas, com ajuda de parceiros, distribuíram cerca de 115 milhões de litros de água, número que não foi suficiente para suprir a necessidade do povo.

De realçar que o projecto “Água para Todos” é um plano do Governo angolano, criado em julho de 2007, que visa assegurar o abastecimento de água a 80% da população, e teve a sua fase inicial nas províncias do Bengo, Benguela, Cabinda e Uíge, posteriormente em Luanda (2012), e em 2014 o processo alargou-se a todo país. Entretanto, os choros pela carência desse líquido ainda é bastante alargado.

Não obstante, enquanto uns estão privados do líquido precioso e são obrigados a percorrer longas distâncias para adquiri-lo, outros o desperdiçam. No bairro Nova Vida, por exemplo, muitos moradores deixam as torneiras abertas e, além dos prejuízos para a EPAL, causam danos ao tapete asfáltico.

Nesta urbanização, vários são os charcos de água por mau consumo, sem falar das roturas que, no princípio, são pouco visíveis, mas, por insuficiência de equipamentos pela EPAL, transformam-se em grandes crateras.

A solução passa por deixar o egoísmo

Para Edgar dos Santos, sociólogo, o garimpo de água é visto como um acto de desumanização, pois, muitos sofrem com esta prática. “Enquanto não existir amor ao próximo, coisas do género vão sempre existir… um dos motivos que faz com que muitos países regridam é a falta de humanismo, todos querem alcançar riquezas por intermédio de sacrifícios alheios”, considerou.

“Óbvio que alguns membros da EPAL coadunam com essa prática, às vezes, são eles próprios que fornecem os principais materiais, em troca de remuneração”, frisou, apelando, a seguir, que “a necessidade não pode nos levar a cometer actos indecorosos, a fome não pode ser maior que a educação que recebemos em casa… uma sociedade faz-se de exemplos, tanto bons, quanto maus”.

Sobre o principal motivo que faz com que muitos adiram a tal prática, o sociólogo sublinhou que não é a necessidade, mas sim ganância, arrogância e imediatismo, tendo acrescido, mais tarde, que existem várias soluções para resolver tal problema, mas a principal delas “é cada um deixar de pensar no seu próprio umbigo, há necessidade de existir empatia pelos outros, não precisa conhecer, para fazer o bem”.

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