Jornalistas denunciam perseguição pré-eleitoral

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Na sua maioria, os processos contra os poucos mais de dez jornalistas angolanos foram movidos por figuras afectas ao Aparelho do Estado, incluindo o Presidente João Lourenço e o vice-Procurador-Geral da República, Luís de Assunção Pedro da Mouta Liz. Cinco profissionais foram, inclusive, constituídos arguidos.

 Fonte: DW

Na terça-feira (24.08), o jornalista e director do semanário “O Crime”, Mariano Brás, compareceu às instalações do Serviço de Investigação Criminal (SIC), em Luanda, para ser ouvido num caso em que é acusado de “ultraje ao Estado”.

“As famílias também ficam afectadas com processos como esses. Estão sempre preocupadas, estão quase sempre a chorar, quando nós não choramos. Mas há um conjunto de pessoas que dependem de nós, que vocês não imaginam o quanto se sentem numa situação como esta.”

Os instrutores do processo alegaram que o jornalista desrespeitou os símbolos nacionais e os órgãos de soberania da República de Angola, mas Mariano Brás refuta as acusações.

“Em momento algum, no texto [que escrevemos], fizemos qualquer referência ao Estado”, esclarece.

“Nós fizemos uma avaliação do desempenho do Presidente da República durante os três anos de mandato, em que o Presidente fez algumas promessas no período de campanha eleitoral e de investidura. E, na nossa perspectiva, [as promessas] não foram cumpridas. Foi por isso que foi eleito a pior figura de 2020”, relata.

Semear o medo

Em situação semelhante está o correspondente da emissora norte-americana Voz da América, que é acusado dos crimes de injúria e difamação, num processo envolvendo a vice-governadora do Kwanza Norte, Leonor da Silva Garibaldi.

Coque Mukuta desconfia que, no conjunto, estes processos visam semear o medo no seio da população.

“Há uma fase no país em que as autoridades elegem um conjunto de pessoas para colocarem na linha amarela. Ou seja, a maior intenção não é colocar medo a nós, os jornalistas, mas atingir o povo. Eles querem amedrontar o povo, porque estamos a chegar a uma fase eleitoral, e eles [o MPLA] querem fazer das suas”, comenta o jornalista.

Impedir o exercício da profissão

O jornalista Carlos Alberto, director do portal “A Denúncia”, responde em tribunal num caso que tem como queixoso a segunda figura da Procuradoria-Geral da República, Mouta Liz. Em causa está uma matéria sobre uma suposta usurpação de terreno por parte do magistrado para a construção de um centro comercial.

Da fase de inquérito até ao início do julgamento, Carlos Alberto diz que tem motivos suficientes para considerar que o processo está viciado.

“Este processo está inquinado desde o início. Nunca se viu em Angola um crime particular a correr tão rápido. Em dois meses, fomos ouvidos pelo SIC-Geral, e houve já marcação da data de julgamento”, relata.

Entre as medidas de coação aplicadas pela PGR a Carlos Alberto, o jornalista está impedido de conduzir automóveis ou contactar os restantes repórteres do portal “A Denúncia”. Ou seja, está proibido de trabalhar.

“Nós levantámos essa questão da medida de coação do Ministério Público logo no primeiro dia de audiência. O que é certo é que, no fim da audiência, não se tocou no assunto. Na segunda secção, estranhamente, fizemos recordar, e o juiz disse que vai ver num outro momento”, relata.

“Notamos um arrastamento das medidas de coação, para que me proíbam mesmo de trabalhar. É algo premeditado. Isto é uma aberração que está a acontecer”, denuncia.

Sobre medidas de coação aplicadas pelas autoridades judiciais não é tudo. Coque Mukuta não pode ausentar-se da sua residência por um período superior a cinco dias. O jornalista explica os transtornos que tal situação tem causado no exercício da actividade profissional e familiar.

“Não posso, por exemplo, ir para outra província sem avisar a PGR. Não posso fazer uma reportagem com um prazo superior a cinco dias, não consigo trabalhar. Se eu tiver uma situação de doença, nesta altura, não posso sair, porque estou proibido”, relata.

“As famílias também ficam afectadas com processos como esses. Estão sempre preocupadas, estão quase sempre a chorar, quando nós não choramos. Mas há um conjunto de pessoas que dependem de nós, que vocês não imaginam o quanto se sentem numa situação como esta.”

Vidas em perigo

Com o aproximar das eleições gerais no ano que vem, a liberdade de imprensa e de expressão em Angola parece ter recuado aos últimos anos da presidência de José Eduardo dos Santos, época em que muitos jornais foram comprados e silenciados e os críticos do regime do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) foram levados às barras dos tribunais.

Os sinais actuais levam o director do jornal “O Crime”, Mariano Brás, a considerar que corre perigo de vida: “Sinto-me intimidado. Sinto a minha vida em perigo, mais do que nunca. Estamos num período de agitação”, afirma.

Entre os jornalistas que foram recentemente ouvidos pelo SIC e constituídos arguidos está também o director do Jornal Notícias, Jorge Neto, e Lucas Pedro, do portal online “Club-K”. O chefe de redacção da Rádio Ecclésia do Kwanza Sul, Óscar Tito, é outro jornalista que teve de depor junto do SIC, devido a uma reportagem sobre a demissão do antigo presidente da Comissão Provincial Eleitoral. Da lista constam ainda profissionais dos jornais “Hora H”, “A República”, “Manchete” e do portal “Correio da Kianda”.

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