ASSASSINO ‘DO FACEBOOK’ CONDENADO E AGUARDA POR JULGAMENTO DE MAIS TRÊS CRIMES

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Quanto ao homicídio qualificado, o caso Facebook conheceu o seu termo, em primeira instância, na segunda-feira, 01 de Março, com a condenação do réu, Cláudio Cafunda, à pena de 23 anos de prisão e ao pagamento de uma indemnização à família da vítima no valor de AKZ 3.000.000,00 (três milhões de kwanzas).

Liberato Furtado

Oacusado pela prática do crime de homicídio qualificado confessou ter assassinado, no dia 23 de Fevereiro de 2020, na Ilha de Luanda, a jovem, Antónia Manuela Capenda Fragão, de 26 anos de idade, alegando ter sido impelido por ciúmes.
Tudo, no entanto, começa com a marcação de um encontro por via do facebook, onde a vítima se compromete em ir à casa do amigo, o réu, e, acaso ou não, o combinado foi no dia do aniversário da infeliz.
Descrevem os autos que a jovem, apesar de não conhecer o algoz, animou-se e, sob chuva miudinha, rumou ao encontro, levando consigo o seu computador portátil e o telemóvel, que a fizeram temer por algum ataque pela rua, mal lhe ocorrendo que aquele seria o mal menor e o dia seria o último com os seus entes.
O assassino confesso deu à vítima um número de telefone para o ligar, assim que chegasse à Ilha de Luanda. A dona do telemóvel, Maria de Fátima Pedro, em declarações constantes dos autos, contou que Cláudio Cafunda lhe havia pedido o telemóvel, alegando que era para dar a uma amiga que levaria para si um computador e um telemóvel.
Já no quarto de Cláudio, o mesmo terá pretendido envolvimento sexual e, quando se vê negado e repelido, partiu para a agressão. Usando uma cadeira de metal, desferiu-lhe um golpe no pescoço.

Assassino confesso foi cruel

A juíza da causa, Patrícia Carla Pereira, na hora da leitura da decisão, com voz que encheu a sala do tribunal, meio vazia, pareceu encarnar o sofrimento da vítima e da família. “A vítima encontrava-se particularmente indefesa, exposta, depois de ter sido atingida pela primeira cadeirada, encontrando-se à mercê do arguido e incapaz de esboçar uma defesa minimamente eficaz. Mas, ainda assim, o arguido desferiu-lhe várias vezes com a cadeira e, insatisfeito, amarrou-lhe de forma a provocar-lhe uma morte com actos de crueldade que prolongaram o seu sofrimento horas a fio”.
Nos dizeres da sentença, o réu agiu com a intenção inequívoca de tirar a vida à Antónia Manuela Capenda Fragão, visando partes específicas do seu corpo que lhe impediam a actividade respiratória regular, bem sabendo que assim actuava de modo adequado a provocar-lhe a morte, sufocando-a”.
O que previu, quis e logrou! Mas não apenas isso. O arguido revelou uma frieza invulgar na produção e execução do crime narrado e não é verdade que se arrependeu do seu acto tão logo se apercebeu que a infeliz estava morta, como tentou fazer crer quando ouvido na instância do representante do assistente. Porquanto, tão logo a vítima caiu ao chão, após receber o primeiro golpe de cadeira, a primeira preocupação do arguido foi apoderar-se do telemóvel daquela colocando-o imediatamente no bolso do calção que trajava.
O arguido referiu que, quando a vítima caiu, gemia no chão. Portanto, tinha a plena consciência que aquela estava viva, quando praticou os actos subsequentes de violência e fê-lo já com a posse daquele bem da vítima, desferindo-lhe várias cadeiradas sobre o corpo nu.
A sordidez do arguido não se bastou por aí, já que, depois, vestiu-a, enrolou-a em posição que impedia a contração do abdómen e do tórax, enrolou-lhe um pano na testa e abandonou-a, sabendo que estava viva. Fê-lo para que agonizasse lentamente. Que outra razão haveria para que o arguido dali saísse para ir desanuviar na praia, segundo as suas próprias palavras?
Ao regressar ao compartimento onde deixou a vítima e depois de dissimular o cadáver sobre o colchão de modo reflexivo, cauteloso e deliberado, fotografou o computador que sabia não lhe pertencer para o colocar à venda no site OLX.

A descoberta do cadáver

A ausência prolongada e incomum de Antónia Manuela Capenda Fragão não passou despercebida e a irmã, Catarina Manuela Fragão, por volta das 19 horas, foi fazendo telefonemas e do outro lado o silêncio trazia consigo um mau agouro. “Até mesmo quando se ouvia a voz gravada anunciando que o telefone está desligado, o coração entrava em sobressalto”, desabafou uma tia.
Os familiares não se conformaram com os maus sinais e partiram para a descoberta da verdade. Foi assim que tiveram acesso à conta do perfil da vítima no Messenger/Facebook e começou a se fazer luz. Nela, tomam contacto com as mensagens trocadas entre a infeliz e Cláudio.
Por meio do número do telefone deixado por aquele, se entrou em contacto com a portadora, Maria de Fátima Pedro, e daí os familiares da vítima chegaram à residência do então suspeito, mas não o encontraram. Nas sucessivas ligações, Cláudio foi sendo evasivo, evitando dizer onde se encontrava.
Os ânimos já estavam à flor da pele e com ele a desconfiança de que se estava a esconder o então suspeito na mesma casa. Foi daí que, à força, decidiram entrar casa adentro à procura de Cláudio Cafunda, porém, viram o inimaginável: o corpo de Antónia embrulhado em lençóis, na posição de cúbito lateral esquerdo.

Tribunal decide pela em homenagem à prevenção geral

O tribunal destacou que, ao tomar a decisão, procurou ter em conta os preceitos da prevenção geral e especial e daí retirar uma pena adequada na sua justiça, ao ser proporcional ao crime.
A juíza da causa enfatizou, nos seus fundamentos que alicerçaram a decisão, que em nada, durante o julgamento, ficou demonstrado que a vítima tenha dado motivos para uma reacção tão agressiva e cruel, não obstante o réu ter tentado justificar que o ciúme que sentiu e que o levou a cometer o crime se deveu ao facto de a vítima ter recebido um telefonema do ex-namorado, o que não conseguiu provar.
“Daqui resulta a frieza de ânimo reflectida na conduta plasmada na vontade de matar outro ser humano, de modo frio e lento, que revela uma especial calma na preparação e na execução dos variados actos que praticou, o que nos leva a crer que a abordagem feita à vítima não se tratou de um caso fortuito, mas fazia parte da resolução na preparação dos ilícitos que veio a praticar com ela. Demonstrou o arguido uma insensibilidade, indiferença e persistência totalmente imorais na execução dos seus actos”.
Por essa razão, a juíza defende que não colhe a versão que o réu apresentou, segundo a qual, dirigiu-se a Caxito, província do Bengo, com a intenção de se apresentar, posteriormente, às autoridades, “pois podia tê-lo feito nos momentos imediatamente posteriores à prática do crime vil e cruel que cometera. Mas, ao contrário, foi detido quatro dias depois da prática dos factos”.

Novo processo pela prática de mais crimes

Patrícia Carla Pereira, juíza da causa, diante dos factos arrolados em julgamento, além do crime de homicídio qualificado de que foi acusado, pronunciado, julgado e condenado, ordenou que se extraia cópias do mesmo julgamento para o consequente processo-crime em que estarão em causa outros três delitos.
“Apesar de se descortinarem, na sua conduta, os crimes de violação e roubo, tendo em atenção os factos delimitados no despacho de pronúncia, não podem ser objecto de apreciação nesses autos, à medida que o arguido não foi ouvido quanto a tais actos na fase instrutória e, por conseguinte, não pode aqui ser responsabilizado. Esta situação deverá ser apreciada em processo adequado”.

Pede-se justiça também nos demais crimes

Os juízes daquela secção criminal, reunidos em conferência, acordaram em dar como procedente a acusação do Ministério Público contra Cláudio Cafunda, porque provada, e, em nome do povo, o condenaram à pena de 23 anos de prisão maior, a pagar as seguintes quantias monetárias: AKZ 100.000,00 (cem mil kwanzas de taxa de justiça), 10.000,00 (dez mil kwanzas) ao defensor oficioso e 3.000.000,00 (três milhões de kwanzas) à família enlutada.
O advogado assistente, Calisto de Moura, que representa a família da vítima, salientou que, embora, no seu ponto de vista, o tribunal tenha andado bem, a sensação é de um misto de sentimentos. “Para nós, pela crueldade do crime que se cometeu, seria justo se observássemos um pouco do antigo testamento em que se dizia ‘dente por dente, olho por olho’. Ele mostrou-se muito frio, durante o julgamento, tanto nas suas abordagens, como nas respostas. Em momento algum demonstrou arrependimento do crime que assume cometer, da maneira bruta como o fez. Daí a razão de várias vezes se sublinhar a frieza do individuo”.
Contudo, há satisfação. “Ele apanhou os 23 anos e ainda temos três tipos de crimes de que será indiciado. Estamos satisfeitos e vamos esperar que se faça justiça também no outro processo-crime que agregará os crimes de violação, roubo e falsas declarações. Portanto, vamos dar seguimento ao processo que se segue”.
A mãe da infeliz, no entanto, chorou inconsolada, por muito tempo, como se esperasse outro desfecho ou lhe tivessem tirado a crosta de uma ferida que se tornou crónica.
A família da vítima, ainda inconformada, se resigna com humildade ao desfecho, como se pode depreender das palavras da tia da malograda. “Ele vai viver esses 23 anos na cadeia, mas a vida da nossa ente, como bem precioso, já não tem retorno, não tem como! Mas nós temos que nos contentar, que remédio!? Apesar disso, ele é um ser humano que cometeu um crime, como tal, não deixa de ser uma pessoa, embora tenha feito isso a um seu semelhante”.

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