Bens apreendidos: “OS INSTRUTORES PROCESSUAIS NÃO SÃO OS PROPRIETÁRIOS”

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Muito dos casos que correm trâmites nos tribunais do país confrontam-se com a insuficiência de elementos probatórios, capazes de indicar um caminho para descoberta da verdade material. Não raras vezes, como já se tornou hábito, os bens apreendidos durante as operações de revistas, buscas e apreensões, efectuadas pelos agentes da ordem, desaparecem “misteriosamente”.

Por: Engrácia Francisco

Uma vez ordenada uma revista, busca ou apreensão, existem determinados bens que podem ser apreendidos, mediante mandado, emitido pela entidade que preside os processos em instrução preparatória (Ministério Público), ou pelo magistrado judicial nas fases seguintes. “Se não houver mandado, o acto de revista, busca e/ou apreensão é ilegal”, esclareceu o advogado, para quem a apreensão de qualquer bem, no âmbito da lei acima referida, implica, necessariamente, a elaboração do chamado auto de apreensão.Em entrevista a este jornal, o advogado Emery Moyo explicou que o artigo 16.º da Lei 2/14 de 10 de Fevereiro, que regula as operações de revistas, buscas e apreensões, é peremptória quanto ao destino que se deve dar aos bens apreendidos na sequência das investigações.

Após a operação, elucida Emery Moyo, é lavrado um documento em que se narra a actividade em questão, os bens apreendidos, a sua qualificação e características, circunstância e o local e, posteriormente, é assinado pela entidade que materializa o auto de apreensão. “Em caso de flagrante delito, aí sim, deve-se fazer a apreensão, de forma directa, com a obrigação de apresentar, imediatamente, ao magistrado do Ministério Público”.

O causídico explicou, também, que, sempre que o SIC efectua a apreensão de um bem, este deve estar acompanhado de um mandado de revista, busca e apreensão, sob pena de o acto estar viciado de ilegalidade, e, sendo ilegal, não pode produzir os efeitos que a Lei estabelece.

Bens susceptíveis de apreensão

À luz do artigo 14.º, da Lei 2/14 de 10 de Fevereiro, são susceptíveis de apreensão todos os bens que possam servir de meios de prova, segundo estabelece a alínea f), bens que servem como meio de execução de crimes, bens qualificados como produto do crime, bens que tenham sido adquiridos com recurso ao cometimento de um crime, bens deixado pelo agente do crime no local do crime.

Por outro lado, esclarece, ainda nos termos da alínea f), no caso do elemento de prova ser um telefone, o que acontece em muitos casos, é sempre sujeito à apreensão. Já outros bens, como viatura, podem ser, também, sujeitos à apreensão. “Quando estamos diante de bens deterioráveis, perecíveis ou sem valor, o legislador diz que, em sede de instrução preparatória, a solução é a venda e o valor reverte-se a favor do Estado, segundo o n.º 4 do artigo 24.º”.

Já as armas de fogo, diz, são entregues à PNA.  E nos casos das drogas apreendidas, não devem ser reintroduzidas no mercado, por serem nocivos.

Destinos dos bens apreendidos

O artigo 23.º desta lei esclarece os destinos que devem ser dados aos bens, assim como o seu tratamento, em sede de um acto de revista, busca e apreensão. “Os objectos apreendidos que não possam estar conexos ao processo e não sejam confiados a fiéis depositários, são guardados em lugar adequado, sob cuidados dos funcionários responsáveis pelo processo, segundo o n.º 1 do artigo 23.º da lei 2/14”, sublinha, acrescentando que o agente é responsável pelo processo e também pelos bens apreendidos.

Ademais, prossegue, o facto de ser confiado a si, estes elementos, não tornam seus. “Este facto tem criado alguma confusão, não por falta de instrumento normativo que o regula, mas por arrogância e desconhecimento dos agentes que operam no domínio da apreensão e alguma má fé das entidades que presidem as distintas fases do processo. Porque a lei é clara e objectiva”, diz o advogado.

Por outro lado, esclarece, após a restituição devem ser entregues à pessoa em cuja posse foram encontrados. Aliás, acrescenta, na ausência deste, são entregues aos seus familiares, uma vez que, a partir do momento em que o processo vai a tribunal, e é proferido o despacho de pronúncia, os poderes do procurador esgotam-se com a produção do chamado despacho de acusação.

O advogado aconselha que, em caso em que o procurador permanece com os bens após o processo transitar em tribunal, as famílias devem pronunciar-se e denunciar o caso. Porque tal constitui uma irregularidade.

Para finalizar, Emery Moyo disse, ainda, que se tem verificado a utilização de bens apreendidos, inclusive matérias bélicas, o que constitui crime, pois, constitui crime, pois, o artigo 24º, número 2, diz “os objectos ou valores apreendidos, que não possam ser declarados perdidos a favor do Estado, são restituídos aos legítimos proprietários, por despacho fundamentado pelo MP na fase de instrução preparatória e pelo juiz, nas fases seguintes”.

De realçar que o caso do ex-jogador João dos Santos de Almeida “Chinho”, assassinado a 08 Julho de 2019, no bairro Sapu, no município do Kilamba Kiaxi, em Luanda, apesar de o juiz já ter exarado o despacho de pronúncia, alguns dos seus pertences, como os telefones, continuam sob posse do investigador do caso, como segredou ao ‘O Crime’ o seu irmão.

Acresce-se o caso do camionista morto na encruzilhada da rua dos Comandos e a Av. Deolinda Rodrigues, já em julgamento, mas os telefones do malogrado continuam em posse do investigador e nenhum sinal dos valores monetários roubados da viatura.

Outro é o caso propalado por “barão da droga”, cujo mote do crime, isto é, a própria droga, nunca foi apresentada em sede de julgamento.

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