Condenado a 16 anos de prisão maior : AGENTE DA POLÍCIA NACIONAL QUE DISPAROU CONTRA QUATRO ADOLESCENTES
Julgando que os quatro adolescentes, que circulavam na via pública no município do Cazenga, eram os marginais que, horas antes, assaltaram a carteira de uma cidadã, Rufino Neto, agente da 3.ª classe, alvejou-os, tendo um conhecido a morte.
Felicidade Kauanda
Do juiz da causa, Pedro Chilicuesse, do Tribunal da Comarca de Luanda, 5.ª Secção Criminal, que encheu com a presença dos familiares e amigos das vítimas, ouvimos que Rufino Neto, réu nos autos, 36 anos, agente da 3.ª classe da Polícia Nacional, foi acusado, julgado e condenado por três crimes, designadamente, homicídio frustrado, homicídio voluntário simples e ofensas corporais que resulta em doença.
Novamente com recurso a uma viatura, perseguiu-os até encontrá-los. No exacto momento, começou a efectuar disparos, tendo um atingido fatalmente o tórax de Pedro Nzinga Filipe, e outros ferido gravemente o abdómem de Vladimir Tango Cau e Paulo Munza, enquanto Francisco Tango Cau foi ferido no braço esquerdo.
Tudo porque, por volta das 11horas do dia 3 de Abril do ano passado, estando o agente ao serviço do Comando Municipal do Cazenga, cumpria a missão de patrulhamento apeado na via pública, com a sua colega, Ana Júlia Eduardo, nas imediações da base central das Forças Armadas Angolanas, vulgo BCA, munidos com armas de fogo do tipo automática.
Enquanto realizavam o giro, apareceu ao seu encalço a cidadã Lúcia da Silva Mateus, queixando-se que foi assaltada naquelas imediações, por alguns adolescentes que se apossaram da sua carteira, contendo no interior AKZ 15.000,00 (quinze mil kwanzas) e um telemóvel. Entretanto, Rufino e Ana Júlia orientaram-na a dirigir-se à esquadra policial mais próxima, a fim de formalizar a queixa, uma vez que eles atendiam apenas questões pontuais.
Cerca de uma hora depois, Lúcia da Silva Mateus voltou aos agentes, informando-lhes que os jovens que a tinham roubado encontravam-se no interior de uma padaria naquelas imediações. No entanto, Rufino chegou primeiro ao local, porém, não os encontrou, ao que decidiu persegui-los, recorrendo a uma viatura de marca Toyota, modelo Rav4, de cor cinzenta, de um automobilista que, no momento, passava naquele perímetro.
Na sequência, deparou-se com um grupo de quatro adolescentes, Paulo Munza, Francisco Cau, Vladimir Cau e Pedro Zinga Filipe, que iam à residência da prima de um deles, sob orientação do pai deste, para levar alguns consumíveis, com a missão de, no regresso, passarem a uma padaria para comprar pão, e açúcar no mercado paralelo.
Quando Rufino chegou à padaria, os meninos já se tinham retirado, tendo questionado aos que aí encontrou se tinham estado no local alguns adolescentes, ao que um dos presentes respondeu positivamente, indicando a marcha que seguiram.
Novamente com recurso a uma viatura, perseguiu-os até encontrá-los. No exacto momento, começou a efectuar disparos, tendo um atingido fatalmente o tórax de Pedro Nzinga Filipe, e outros ferido gravemente o abdómem de Vladimir Tango Cau e Paulo Munza, enquanto Francisco Tango Cau foi ferido no braço esquerdo.
Os lesados foram socorridos, tempos depois, por uma tia do malogrado, identificada como Verónica, que comercializava produtos diversos numa pracinha, para o Hospital dos Cajueiros, situado no município do Cazenga.
Réu não assumiu o crime
Tanto na fase da instrução preparatória quanto na judicial, em nenhum momento Rufino Neto confessou o crime, pelo contrário, calma e serenamente, negou tudo, não obstante os elementos probatórios constantes dos autos, trazidos pelos lesados Vladimir, Francisco e Paulo, e pela declarante Verónica, que os socorreu, que demonstraram-se bastantes contundentes para a formação do juízo de certeza pelo tribunal e deitaram por terra as artimanhas que o acusado usou, para tentar ludubriar o tribunal, sendo que, em nenhum momento, quis colaborar.
Em sua defesa, Rufino Neto contou que, depois de interpelar os adolescentes, um deles, no caso, Paulo Muanza, insurgiu-se contra ele, com a intenção de lhe desarmar e que foi nesta luta que terá disparado.
Afirmou que o disparo que vitimou mortalmente Pedro Nzinga terá sido acidental, por ter saído no momento da confusão e que não se apercebeu que os outros elementos também tinham sido atingidos, culpando Paulo Muanza.
Pena exemplar conforme a culpa
A representante do Ministério Público, Mommy Davoca, em alegações orais, solicitou que o réu fosse exemplarmente punido, pelos crimes a que incorreu, tendo em conta as evidências obtidas nas sessões de julgamento, pois, mostraram que, com a sua acção, o acusado pretendia, como resultado, a morte de Pedro.
Por isso, alegou, agiu como um verdadeiro justiceiro, embora seja agente da Ordem, cuja missão é garantir a segurança pública. “O réu, na qualidade de agente da Polícia, tinha a missão de garantir a segurança pública e previnir ocorrências, mas o que verificamos foi uma actuação de um verdadeiro justiceiro, não deu às vitímas sequer o benefício da dúvida, mesmo não estando diante de um flagrante delito”.
“A justificação apresentada pelo réu não colhe, sendo que portava uma arma do tipo mini-use, uma submetralhadora, que só dispara se for primido o gatilho, não dispara acidentalmente, tal como consta do exame directo, juntado aos autos. Um único disparo acidental não atingiria pessoas que estavam em posições diferentes, a menos que o projéctil pudesse fazer curvas e contra curvas”, destacou a magistrada, acrescendo que “é notável a diferença fisíca entre o réu, que é um homem alto e rubusto, e Paulo Munza, baixo e franzino, o que torna impossível a disputa pela arma. Ainda que assim tivesse acontecido, o disparo teria sido feito pelo ar ou teria atingido apenas uma pessoa, no caso, aquela que estivesse mais próxima e principalmente a que estivesse na mira da arma”.
Assim, concluiu: “meritíssimo, a lei é clara, quanto ao facto de que o réu não é obrigado a responder sobre a matéria dos factos nem a dizer algo contra si mesmo, todavia, é orientado a fazê-lo, no sentido de facilitar a justiça. Na qualidade de agente da Polícia, tinha a obrigação de manter a tranquilidade pública, no entanto, devia ponderar a sua actuação, mesmo que tivesse a certeza de que eram os adolescentes que tinham assaltado a cidadã Lúcia. Os meninos estavam sem armas, não configuravam perigo nenhum nem demonstraram qualquer tipo de resistência, por isso, entendemos que se mantenha a acusação, pois não restam dúvidas de que estão provados os crimes de que o réu vem acusado. Com espírito de justiça, pedimos ao tribunal que o réu seja punido de forma exemplar e conforme a sua culpa e a pagar indemnização aos ofendidos”.
“O nosso constituinte não matou ninguém, pedimos absolvição”
O advogado do réu refutou as alegações do Ministério Público, dizendo que o seu constituinte não cometeu crime nenhum. “Em nome do nosso constituinte e em nosso, queremos desejar os nossos mais sentidos pêsames à família enlutada, pela morte de Pedro Nzinga, estamos profundamente chocados. Apesar disso, não podemos sancionar apenas por sancionar, o sentimento de repulsa levou-nos a um estudo profundo, para saber a causa da morte de Pedro, bem como todos os factos eventuais, e chegámos à conclusão que o facto de a vítima ter ficado muito tempo à espera de socorro, influenciou na sua morte”.
“Neste aspecto, o nosso constituente não teve culpa, porque a vítima pediu socorro, embora tenha demorado a chegar… de igual modo, ninguém viu se foi o réu quem, efectivamente, fez todos os disparos, pois, foi dito neste tribunal, por ele, que o autor do disparo foi Paulo Muanza, e este disse que foi o réu, isto pressupõem uma contradição entre ambos. De acordo com princípio in dubio pro reo, deve ser aplicada a decisão mais adequada ao réu”, asseverou.
Na sequência, teceu: “estudos revelam que a arma mini use é automática, qualquer movimento anormal, no seu uso, pode dar origem a disparos múltiplos e de forma descontrolada, por isso, preferimos não ser ignorantes a pensar que os disparos foram apenas efectuado pelo réu, admitindo a possibilidade de terem sido feitos por Paulo Muanza ou de forma automática. Vale reiterar que o nosso constituinte não efectuou nenhum disparo, se o tivesse feito, pelo que o conhecemos, ele mesmo confessaria, pois já demonstrou provas claras de ser um homem responsável, idôneo, de bom carácter, bons princípios de convivência social, entretanto, não seria capaz de mentir neste douto tribunal”.
Finalizou, pedindo absolvição. “Por tudo que consta dos autos e o que foi produzido em audiência de julgameto, a defesa entende que não existem provas suficientes para condenar o réu, pelos crimes de que vem acusado e pronunciado, motivo pelo qual, solicitamos a absolvição do réu”.
Tribunal diz que houve intenção de matar
Segundo a apreciação do tribunal, o réu agiu com intenção de retirar Pedro do mundo dos vivos e, em particular, do convívio dos familiares, que muito esperavam por ele, pois, as provas constantes nos autos traduzem claramente a forma brutal como Pedro perdeu a vida, isto é, sofrendo, clamando por socorro, mas sem sucesso, o que causou a sua morte directa.
A conduta de Rufino Neto, considera o tribunal, claramente, preenche os elementos dos tipos dos crimes previstos e puníveis pelos artigos 349.º, 350.º, 20.º, 104.º e 360.º n.º 4, todos do Código Penal.
Para o tribunal, é evidente o dolo directo no comportamento do acusado, pois, ao disparar com arma de fogo na região do tórax, atingiu o resultado que queria, violando flagrantemente o previsto no artigo 30.º da Constituição da República de Angola (CRA), que dispõe que a vida é um bem inviolável, por isso, o Estado respeita e protege.
Rufino Neto, segundo o tribunal, melindrou o estabelecido no artigo 3.º da Declaração Universal dos Direitos do Homem, que consagra o direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal, um instrumento jurídico internacional vigente em Angola, o que resulta do número 1 do artigo 13.º da CRA. Assim, reiterou aquela instância, o réu agiu com dolo intenso, de forma livre e consciente, pelo que deve ser censurado.
Agravaram o comportamento do réu as circunstâncias: 11.ª crime cometido com surpresa e excesso de poder, 14.ª crime cometido com insistência em consumá-lo, 18.ª crime cometido na via pública, 25.ª crime cometido por quem tinha a obrigação especial de o não cometer, visto que o réu era agente da Policia, 28.ª manifesta superioridade do meio usado (arma de fogo), 34.ª acumulação de crimes, todas retiradas do artigo 34.º do Código Penal. Militaram a seu favor, as circunstâncias 1.ª ausência de antecedentes criminais e 2.ª prestação de serviço relevante à sociedade, constantes do artigo 39.º mesmo diploma legal.
Desta feita, Rufino Neto foi condenado à pena única de 16 anos de prisão maior, aos pagamentos de AKZ 2.500.000,00 (dois milhões e quinhentos mil kwanzas) a título de indemnização à família do malogrado Pedro Nzinga Filipe, AKZ 700.000,00 (setecentos mil kwanzas) a cada uma das vítimas feridas na sequência dos disparos e AKZ 500.000,00 (quinhentos mil kwanzas), de taxa de justiça.
No entanto, o advogado do réu, insatisfeito com a decisão, interpôs recurso com efeito suspensivo.