JORNALISTA DAVID DIOGO CONDENADO A 5 ANOS DE PRISÃO E 6 MILHÕES DE INDEMNIZAÇÃO À VÍTIMA

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A primeira instância achou provas irrefutáveis que levaram a condenar o jornalista pivot da TV Zimbo, David José Diogo, à pena de 5 anos de prisão e pagamento de uma indemnização, pelo crime de agressão sexual contra uma menor de 17 anos, ocorrido em 2020.

Felicidade Kauanda

Oacórdão, lido por volta das 10 horas da manhã, na 8 ª Secção dos Crimes Comuns do Tribunal da Comarca de Belas, no Benfica, deixa claro que ficou provado que David José Diogo, um dos rostos conhecidos do jornal da TV Zimbo, de 53 anos à data dos factos, é culpado do crime de violação sexual em que foi vítima a menor Domingas Câmia da Silva, na altura com 17 anos, tendo sido condenado ao abrigo da lei penal antiga, pelo facto de o crime ter ocorrido na vigência daquele diploma.
Insatisfeito, José Carlos, advogado de David Diogo, interpôs recurso com efeito suspensivo, e solicitou as cópias das actas de todas sessões de julgamento e do acórdão.

“do abuso até ao momento, ela continua com acompanhamento psicológico, porque ficou um tempo sem estudar, por força do bullying… Mas, felizmente, já retomou; temos tido maior atenção, porque ao longo desses três anos o indivíduo foi cercando, fazia manobras que até me levou a mudar de residência, pois sabemos a influência que o mesmo tem, por isso levamos o processo até à última instância. Como pai, sinto que foi um dever cumprido”

Por outro lado, Osvaldo Salupula, advogado assistente, pediu que se alterasse a medida de coação de David Diogo, uma vez que o mesmo responde em liberdade, alegando que tal medida garantirá o auto da sua defesa.
O tribunal deferiu o requerimento de recurso e emitiu a obrigatoriedade de David Diogo apresentar-se quinzenalmente ao cartório daquele tribunal, dando, desta forma, resposta positiva à solicitação de alteração da medida de coação do réu, conforme solicitada pela assistência,
“Estamos confiantes que haverá condenação no recurso”
A condenação de David Diogo não foi totalmente satisfatória pela vítima, que se pôs aos choros, manifestando descontentamento, sendo que nem mesmo conseguia prestar declarações, recebendo consolo do seu advogado, Osvaldo Salupula, “fica calma, o difícil já passou, o senhor David Diogo, já foi condenado”.
Por seu turno, sobre uma possibilidade de David Diogo ser absolvido em segunda instância, Osvaldo Salupula disse que “com as provas produzidas em sede de julgamento, nós não vemos essa possibilidade, temos que observar que o senhor David Diogo não é uma pessoa anónima… vejamos que, para chegar até esta fase, foram volvidos três anos e só hoje conseguimos efectivamente, pelo menos no tribunal de primeira instância, ter uma condenação, por conta de um trabalho árduo. Tivemos de trabalhar durante anos, atrás do processo, porque, se fosse diferente, nem mesmo o julgamento em primeira instância teríamos… de qualquer forma, estamos confiantes que haverá condenação do senhor David Diogo, em sede de recurso, e a condução do mesmo à cadeia”.
Perguntado ainda se satisfaz ou não com a sentença da primeira instância, disse “estamos parcialmente satisfeitos, porque o crime de violação deixa normalmente sequelas devastadoras. Na verdade, não é a condenação que minimiza a situação da vítima, ela está agora com 19 anos, notamos que a personalidade dela, depois do ocorrido, mudou, precisa de acompanhamento e apoio, porque até ao momento continua com a mente muito baixa e a auto-estima muito reduzida”.
Sentimento de dever cumprido
Víctor Germano, pai da menor, não foi diferente, ao se pronunciar para nós sobre a sentença: “Não é uma questão de satisfação, mas aquilo que o tribunal achou justo na causa! O senhor David Diogo cometeu um acto macabro, vejamos um adulto de 53 anos privar a liberdade e abusar sexualmente de uma menina menor de 17 anos, é de todo condenável.
Fez inúmeras manobras neste processo, tanto é que, para ser julgado e condenado, levou três anos, mas a justiça foi feita, vamos seguir o processo em outra instância”.

Se “quem não deve, não teme”, por que estaria disposto a negociar um processo criminal, com um possível acordo financeiro com o pai da menor?

Quanto ao estado de saúde actual da filha, disse, “do abuso até ao momento, ela continua com acompanhamento psicológico, porque ficou um tempo sem estudar, por força do bullying… Mas, felizmente, já retomou; temos tido maior atenção, porque ao longo desses três anos o indivíduo foi cercando, fazia manobras que até me levou a mudar de residência, pois sabemos a influência que o mesmo tem, por isso levamos o processo até à última instância. Como pai, sinto que foi um dever cumprido”.
Por outro lado, solicitado ao ‘O Crime’ para igualmente se pronunciar em torno da sentença, José Carlos, advogado de David Diogo, em poucas palavras e sem gravar entrevista, disse que falaria em momento oportuno, pois não tinha nada para dizer, uma vez que a sentença vai ainda ser apreciada no tribunal de segunda instância.
Terá pago caro por querer ver os pais?
Segundo os autos, tudo aconteceu quando a vítima, Domingas Câmia da Silva, na altura com 17 anos, vivia em Luanda, município de Talatona, com os pais adoptivos.
Portanto, era de costume, ir passar as férias na província do Kwanza Sul, com seus pais biológicos e os irmãos.
Na altura, a província de Luanda encontrava-se sob cerca sanitária, devido à pandemia da covid-19. Foi então que no dia 23 de Julho daquele ano, 2020, por volta das 10 horas da manhã, Domingas saiu de casa dos pais adoptivos, na companhia do seu irmão mais novo, apenas conhecido por Efésios, com a intenção de comprar pipoca.
Enquanto orientava o irmão a pagar os sacos de pipocas, apercebendo-se que este estava distraído, fugiu até às bombas de combustível do bairro Cariango, onde foi vista a chorar por um camionista, não identificado nos autos, que a abordou sobre a razão do choro, tendo contado que pretendia ir visitar a irmã gémea, na província do Kwanza sul. O camionista, por seu turno, informou que não era possível, por conta da cerca sanitária, mas que a levaria até ao posto fronteiriço do Longa e, a partir daí, ela solicitaria ajuda das autoridades policiais. Assim, a menina seguiu viagem até ao referido local. Lá chegados, foi impedida de continuar a viagem pelos agentes policiais e teve de pernoitar ali.
No dia seguinte, por volta das 14 horas, enquanto incitava diligências, Adão Pedro Zanga, mais conhecido por Calibrado, que também se encontrava no local, passava de um lado para o outro, observando os movimentos da rapariga. Posteriormente, aproximou-se dela e disse-lhe que o seu tio, um jornalista da TV Zimbo, estava a chamá-la, para ajudá-la. No início, recusou, mas, dada a insistência, cedeu.
Chegando no local onde se encontrava David Diogo, Osvaldo Ernesto e Hugo, este último agente da Polícia Nacional, Adão Zanga apresentou-lhe a todos como sendo sua namorada, pedindo a David Diogo que a ajudasse a ir à província do Kwanza Sul, por conta do falecimento da sua mãe, o que foi aceite pelo jornalista.
Na sequência, David Diogo perguntou à mesma se tinha algum documento, tendo “não” como resposta. Seguidamente, convidou-a a subir numa viatura e dirigiram-se com os companheiros, Adão Zanga, Osvaldo Ernesto e Hugo, em direcção à praia. Lá, retiraram peixe da embarcação do sobrinho de David Diogo, de nome José Henrique, e de seguida, com o réu ao volante, dirigiram-se a uma lanchonete do citado sobrinho, onde conviveram até por volta das 23 horas.
Enquanto isso, a menor permanecia no interior da viatura, onde, posteriormente, foi abusada sexualmente por David Diogo, tendo depois pedido aos companheiros que aumentassem o volume da música, ao que lhe foi negado por conta do recolher obrigatório imposto pelas autoridades, devido à pandemia, contentando-se por aumentar o som da música na sua viatura.
Posteriormente, subiram todos à viatura e, pelo caminho, cada um dos seus companheiros foi descendo no seu ponto, até que ficaram apenas David Diogo e a menina, tendo-a levado a um contentor-quarto em que ele é proprietário.
Nessa altura, os familiares da menor já estavam preocupados com o seu desaparecimento, pois seus pais adoptivos, Constância de Oliveira e Víctor, faziam diligências para encontrá-la, mediante exibição de uma fotografia. Por volta das 23 horas, Rogério Francisco, irmão da menor, fez participação à Polícia.
Na sequência das diligências, foi possível saber dos acompanhantes de David Diogo, que este estava com a menina. A 1 hora da madrugada, David Diogo foi interpelado com a menor no interior da sua viatura. Quando esta desceu, estava aos prantos e confessou ao irmão que David Diogo forçou-lhe a ter relações sexuais, o que foi confirmado pela enfermeira que a atendeu seguidamente num centro médico sito em Cabo Ledo.
A negação sem fundo e suposto acordo
Em audiência de julgamento, o réu, David José Diogo, contou que foi Adão Pedro Zanga, também conhecido por Calibrado, declarante nos autos, quem apresentou-lhe a menor como sua namorada, assegurando que ela precisava passar a cerca sanitária, para chegar ao Kwanza Sul, por conta do falecimento da sua mãe, necessitando, deste modo, da sua ajuda, devido à sua posição.
David Diogo disse também que, dada a insistência da menina, solicitou às autoridades policiais que a ajudassem, mas foi negado, tendo-a aconselhado a aguardar por outro turno da Polícia, para então transpor a cerca sanitária. Daí, diz o réu, a menor afastou-se, para conversar com elementos por ele desconhecidos.
Entretanto, como já havia combinado com os seus companheiros, Osvaldo, Adão e Hugo, também declarantes, irem à praia, à sua saída, foi avisado que a menina fazia sinal para ele. Parou a viatura e convidou-a a acompanhá-los, para passar tempo e conhecer a praia, ao que ela cedeu.
Todavia, David Diogo negou veementemente os factos, dizendo que apenas quis ajudá-la, por ter ficado comovido com a história do falecimento da mãe. Entretanto, questionado o facto de ter pedido, na lanchonete, que aumentassem o volume da música e, não tendo êxito, ter ele mesmo aumentado o da viatura, no sentido de estar a sós com a menor, respondeu que em nenhum momento isso aconteceu, pois, segundo ele, o único momento que esteve a sós com a menina foi quando a acompanhou até à viatura para destrancar a porta.
A dado momento, contrariando a própria versão, disse que não convidou a menina em momento algum, o que levou o Ministério Público a confrontá-lo com as declarações passadas, nas quais afirmava que convidou a menina para acompanhá-lo até à aldeia dos pescadores, com objectivo de desanuviar e as pessoas se aperceberem que eram efectivamente próximos, a fim de facilitar o contacto com os agentes polícias que fiscalizavam a cerca sanitária.
Inclusivamente, sublinhou que na ocasião a menina lhe aparentava ter entre os 22 a 24 anos de idade.
Ademais, o jornalista conta que chegou a ser contactado por Víctor, pai da vítima, no sentido de parar o andamento do processo criminal movido contra si, desde que chegassem a um acordo. Porém, diz, não aceitou, pois, no seu entender, seria impossível parar, porque o processo já se encontrava em juízo.
Todavia, foi aconselhado pela família a conversar com o senhor, para que fizesse uma declaração por escrito, porém, este nunca mais atendeu as suas chamadas telefónicas.
Firmeza da vítima nas declarações
Domingas Câmia, a vítima nos autos, foi contra as declarações de seu carrasco, sublinhando que, desde o início, foi convidada por aquele a subir na sua viatura, dizendo “sobe, vamos!”, tendo ele aceite apenas porque pensava que fossem passar a cerca sanitária.
Segundo a vítima, quando foram à praia, juntamente com os companheiros de David Diogo, levaram o peixe e dirigiram-se, posteriormente, à cantina de seu sobrinho, José Henrique, onde pediu que lhe dessem uma banheira para tomar banho, por ter estado longas horas fora de casa, sendo que, depois do banho, voltou a permanecer no interior da viatura, devido ao frio que fazia, à espera da ajuda prometida por David Diogo.
Sequência que, de seguida, Osvaldo Ernesto foi ao seu encontro, mostrou-lhe uma arma de fogo do tipo caçadeira, que tinha retirado do porta-malas do veículo, perguntando se já havia visto uma arma de fogo, tendo ela respondido que não, dizendo ainda que ela devia fazer um sacrifício, mas, sem desenvolver, retirou-se.
Porém, conta, depois ouviu David Diogo a dizer, “eu quero lá saber, vai ficar aqui durante dois meses”, palavras que a terão deixado assustada. E foi assim que David Diogo pediu aos companheiros que aumentassem o volume da música, tendo aumentado o do seu carro, após a negação. Nesse momento, conta a jovem, ele entrou de forma bruta à viatura, trancou as portas, atirou a chave na parte de trás, agarrou-a, apertou-a entre os bancos traseiros, retirou-lhe a calça à força e passou então a abusá-la sexualmente.
Portanto, Domingas Câmia nega ter sido encontrada deitada dentro de um caminhão, escondida numa cama, por um efectivo da Polícia Nacional, enquanto era impedida de passar a cerca, como afirmou o agente policial, Martins Domingos, na qualidade de declarante arrolado pelo advogado de David Diogo. Pois, disse a vítima, em nenhum momento foi retirada do interior do caminhão naquelas condições, afirmando ter visto apenas o citado efectivo na esquadra policial.
Cabala para o jornalista ou plano de defesa mal feito?
As provas que levaram o tribunal a condenar o pivô do Jornal da Zimbo foram baseadas nos depoimentos da vítima, nas contradições dos depoimentos do réu e dos seus acompanhantes, bem como dos documentos levados aos autos pelos peritos, médicos e a enfermeira que fez o primeiro atendimento à menor.
Prudência Julieta Manuel, enfermeira que atendeu a menor depois dos factos, afirmou que quando Domingas deu entrada ao centro de saúde do Cabo Ledo, acompanhada de dois agentes policiais, depois de observá-la, detectou sangue na vagina, porém, não se tratava de hemorragia, inclusive mostrou a luva que usou com vestígios de sangue aos dois agentes.
Diante do sangramento que a menor apresentava, porque o centro médico estava desprovido de ambulância, achou melhor transferi-la para à Maternidade Lucrécia Paím, para fazer exames mais aprofundados.
Por outra, o legista, Miguel Manuel Melo, afecto ao Serviço de Investigação Criminal, que confirmou a autenticidade das folhas contadas nos autos de natureza sexual, alegando ter sido assinado por ele, disse que lembrava muito bem do caso, pois muitas vezes examinou a menor.
Apesar de concluir que ela já não era virgem antes de violada, esclareceu as causas que levam uma adolescente a perder a virgindade, como exercícios violentos, andar de bicicleta e actividade sexual. Entretanto, refere que tais situações não inviabilizam o facto de ter sido vítima de abuso sexual.
Por fim, foram ainda realçadas as provas trazidas pelo perito António Paxi, que fez a recolha dos vestígios do âmbito biológico encontrados na viatura, entre eles, cabelo, cotenetes, as roupas da menor com manchas de sangue e as duas armas de fogo do tipo caçadeira com monições.
Todavia, para além das contradições nos depoimentos de David Diogo, muitas questões não foram convincentemente esclarecidas, tais como:
Por que David Diogo foi o único arrolado como autor do crime, no meio de quatro senhores, com o grau de participação de cada um devidamente descrito, o que sugeriria algum tipo de comparticipação criminosa?
Na sequência da primeira, em relação aos outros senhores, David Diogo era o mais respeitado e conhecido pela zona, tendo em conta que é o local onde nasceu. Será normal essa “fama suja” ter-se espalhado assim, apontando-o como único vilão? Se David Diogo afirmou que estava há sensivelmente dois meses sem ter relações sexuais, como se explica os preservativos usados, recolhidos no interior do seu veículo? Os terá usado e deixado lá por esse tempo todo?
Se não havia outra mulher, além da menor, no veículo, como ele mesmo afirmou, nem esta tinha sangrado, de quem seria o sangue encontrado na blusa da vítima, nos guardanapos e entre os ângulos da viatura, recolhidos pela perícia?
Se “quem não deve, não teme”, por que estaria disposto a negociar um processo criminal, com um possível acordo financeiro com o pai da menor?
Apesar de se ter passado três anos, como o declarante Martins Domingos Gabriel, efectivo da Polícia Nacional, arrolado pelo advogado de David Diogo, conseguiria reconhecer o motorista do caminhão onde supostamente a vítima foi encontrada, como afirmou, mas não se lembra da blusa que a menina vestia?

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