Reviravolta no Caso Kamutokele: “Fui obrigado a culpar o Vander”

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O mediático crime, que ficou conhecido como ‘caso Kamutekele’, em que supostamente o enteado matou o padrasto, o irmão e um primo, por causa de dinheiro, ocorrido no dia 23 de Maio de 2021, no condomínio Veredas das Flores, município de Belas, o julgamento que envolve Edlásio  Vander Manuel Fortes, o enteado, e Ludy Justino  Pinto, o amigo,  ambos de 29  anos, acusados pelo crime de homicídio voluntário, teve início no passado dia 24 de Março, no tribunal de Comarca de Belas.

Em tribunal, Vander e Ludy contaram as suas versões dos factos sobre o que terá passado naquele fatídico dia com as vítimas Kamutokele Anderson, o padrasto, Kamutokele Anderson Júnior e Delvany Pedro Gaspar serem mortos de forma tão bárbara. Entretanto, este jornal traz detalhadamente os depoimentos dos intervenientes na audiência. 

Jurelma Francisco

Asessão começou com a audição do réu Ludy Justino Pinto pelo juiz José Lourenço, mas com surpreendente pedido do réu ao tribunal. 

Ludy — Meretíssimo Juiz, eu quero que alguém se ausente da sala.

Juiz — Alguém, quem?

Ludy — A minha advogada.

Juiz — Por quê?

Ludy — Pois me tem incutido coisas na cabeça.

Juiz — fica complicado ela sair por ser tua defensora e a lei não permite isso. Estás à-vontade podes falar.

Ludy — Quando foi visitar-me, disse-me que a única maneira de me tirar da prisão é eu fazer-me passar por doente mental. Mas eu nunca tive esse problema e também me pediu para eu incriminar o Vander… Advogada de Ludy, interrompe:  

Advogada — Eu vou continuar com a defesa  e sei o estado psicológico do meu constituinte.

Juiz — E agora o que a doutora tem a dizer  sobre acusação do Ludy?

Advogada — Em momento algum eu lhe disse para se passar por doente mental, tenho acompanhado o caso desde o SIC, são muitas versões  que conta e eu sei que ele não anda bem psicologicamente. 

Juiz — Senhor Ludy, já tens alguém indicado para o acompanhar no caso?

Ludy — Não, senhor Juiz.

Juiz — E agora, doutora?

Advogada — Para eu pegar o caso fui contactada pela irmã do Ludy que me depositou confiança, já que  conhece o estado psíquico do irmão .

Juiz — O Ludy quer trocar de advogada, é um direito que ele tem, ainda que tenha sido a família a contactar a doutora, nota-se que não há confiança entre o constituinte e a advogada. Quando terminar a audiência tente novamente falar com ele, caso ele permaneça firme nessa decisão, na próxima audiência, o Ludy constituirá um outro advogado ou o tribunal irá constituir um advogado oficioso. (No final do julgamento, o réu Ludy trocou mesmo de advogada).

“O Vander e a sua mãe não têm nada a ver. Quem mandou matar é o Mistuly”

Juiz — Como os factos aconteceram?

Réu Ludy — Primeiramente, quero pedir desculpas à família e dizer que o jovem Edlásio Vander e a sua mãe não têm nada a ver com o assassinato. Mas sim, o Mistuly, sobrinho da vítima, o Papy, Bruno Langa, Estilo do Guetto, Fábio Rangel e eu.

Juiz — Essas pessoas que citaste têm a ver com os factos? O que fizeram?

Ludy — Sim, têm.  O Mistuly já tinha tudo programado e precisava de pessoas próximas como as que citei.

Juiz — O Mistuly programou o homicídio com quanto tempo de antecedência?

Ludy — Programou já há um bom tempo, se a memória não me atraiçoa, foi no mês de Março de 2021, e precisava que eu controlasse os movimentos da mãe, acompanhar o Vander na casa. Como, estava passar por necessidade, precisava de alguns valores, aceitei. O Mistuly havia-me prometido 20 milhões de kwanzas.

Juiz — O Mistuly mandou-te vigiar a casa para que efeito?

Ludy — Para controlar os movimentos do padrasto do Vander, dos miúdos e da mãe. 

Juiz — Qual era a ideia do Mistuly? 

Ludy — A ideia do Mistuly não era a de matar o senhor Kamutokele,  mas sim, ameaçá-lo para transferir um dinheiro na conta do Vander.

Juiz — Porquê?

Ludy — Porque o Mistuly queria acusar o Vander.

Juiz — O Mistuly tinha número do Vander?

Ludy — Não, esse era meu trabalho, pedir o número de conta do Vander e ver um dia que a casa estivesse calma para executar o plano.

Juiz — Como tiveram acesso à residência da vítima?

Ludy — Entramos com o cartão do Vander. 

Juiz — Quem vos deu o cartão?

Ludy — Tirei do Vander, depois de colocar algumas substâncias na bebida dele que, o Mistuly me dera.

Juiz — Em sede de instrução preparatória contaste uma outra história, hoje uma outra.  Qual delas vale?

Ludy — A primeira. 

Juiz — E essa história que estás a contar agora? Na primeira tu assumes que participaste apenas  com o Vander.

Ludy — Quando fui à polícia, tinha que culpar o Vander e dizer que me influenciou, fui pago pelo Mistuly para mentir tudo que disse à instrução preparatória e também fui ameaçado por outro recluso a mentir sob pena de ser morto.

Juiz — Como vós fizeste para tirar a vida dessas três pessoas?

Ludy — O Fábio  Rangel e o Bruno Langa aplicaram o golpe ao senhor Kamutokele. 

Juiz — Onde as vítimas se encontravam para serem golpeadas?

Ludy — O senhor Kamutokele estava no escritório, e os miúdos no quarto.  O Fábio Rangel e o Estilo do Guetto arrastaram o senhor Kamutokele até ao quarto.

Juiz — E, ele não gritava, nem se defendia?

Ludy — Ele gritava por socorro, mas os meus comparsas estavam armados com armas de fogo e o ameaçaram para fazer a transferência.

Juiz — Para onde?

Ludy — Para a conta do Vander, mas não chegou a transferir. 

Juiz — E o Vander onde estava naquele momento?

Ludy — Antes de cometermos o crime, convidei o Vander para irmos procurar dinheiro em ATM, como não  tinha dinheiro, então  nos dirigimos até à residência do padrasto do Vander, e quando saíamos, a caminho  do Kilamba, pegamos um táxi de marca Toyota Hiace, vulgo quadradinho, que já era da combina, onde se encontravam os meus comparsas  e mais quatro pessoas, simularam que iríamos ao Kero do Kilamba. Durante o percurso, simularam um assalto, receberam os nossos telemóveis, os pertences do Vander e os das outras quatro pessoas. Depois de alguns minutos mandaram as outras pessoas descerem e continuamos a marcha com o Vander e só lhes deixamos posteriormente no Zango…

Juiz — Como é que vós deixastes o Vander no Zango, se a viatura  não  curvou, mas continuou a marcha, sentido Benfica?

Ludy — Adormeci, por alguns minutos durante o percurso. 

Juiz — Os teus comparsas já  praticavam crimes?  Qual é o nome do grupo?

Ludy — Sim, já praticavam esses tipos de acções, mas não sei o nome do grupo.

Juiz — Como conheceste esses indivíduos?

Ludy — Conheci quando praticava serviços de mototáxi.

“O Mistuly foi reconhecido por um dos miúdos”

A seguir o réu Ludy foi ouvido pelo Juiz assessor António Cardoso Justino Pinto, onde o mesmo reiterou a sua posição 

Juiz assessor — Em declaração durante a prática da vossa acção, o Andersinho reconheceu um dos criminosos, por isso foi morto. Qual deles e como o reconheceu?

Ludy — Foi o Mistuly, porque ele tinha retirado a máscara. Daí não poderíamos deixá-lo vivo.

Juiz assessor — E o que o miúdo disse, quando viu o Mistuly?

Ludy -— Ficou assustado e o Mistuly seguiu-o. 

Juiz assessor — No interrogatório, disse-se que colocastes os corpos no porta-malas da viatura de marca Ford, propriedade Kamutokele, vós seis como conseguiram sair daí?

Ludy — Baixamos o banco do carro e ficamos encolhidos.

Juiz assessor — Quem conduzia a viatura?

Ludy — O Mistuly, e no lado do pendura estava o Estilo do Guetto. 

Juiz assessor — Quando fostes buscar o Vander no Zango, em que estado ele estava e de quem era a obra?

Ludy — O Vander estava tonto e deitado na areia, não sei de quem era a obra.

Juiz assessor — O que o Vander disse, uma vez que as pessoas eram as mesmas que vos assaltastes, qual foi a reacção dele?

Ludy – O Vander não  disse nada, porque ainda estava com sono e sob efeito da substância. 

Juiz assessor — Quando saístes daí, para onde vos dirigistes?

Ludy — Paramos próximo da casa do Vander, no Kilamba.

“Tu te contradizes muito”

A vez da representante do Ministério Púbico, Joana Jardim de interrogar Ludy

Ministério Público — O Mistuly é sobrinho do senhor Kamutokele na parte de quem?

Ludy — Na parte do pai.

Ministério público – Quem te disse que o Mistuly era parente da parte de pai para, supostamente, ser o herdeiro dos bens?

Ludy — Ele só me disse que era por parte de pai, outros detalhes não prestei atenção. 

Ministério Público — Quem recrutou o Estilo do Guetto, Fábio Rangel e o Bruno Langa?

Ludy — Foi o Mistuly e o Papy.

Ministério Público — Eras frequentador assíduo da casa da vítima?

Ludy — Não. 

Ministério Público — Se não, como vigiavas o Vander e para quê? Em que parte do concerto criminoso o Vander participou para pedires desculpas à mãe, à família e ao Vander?

Ludy — Pedi desculpas porque estou arrependido. 

Ministério Público — Você disse neste tribunal que o vosso concerto foi em Março. Reuniram?

Ludy ¬— Sim, reuni com o Mistuly e o Papy.

Ministério Público – E o Bruno Langa, o Estilo do Guetto e o Fábio Rangel ficaram de fora?

Ludy — Sim, o trabalho deles era outro.

Ministério Público — No interrogatório disseste que o plano não era matar, como o Mistuly poderia herdar algo de alguém vivo?

Ludy ¬— Só ele sabe como poderia herdar.

Ministério Público — Então desde o princípio, tu sabias que o senhor Kamutokele,  o Andersinho e Delvany seriam mortos? Explica bem, pois tu te contradizes muito.

Ludy — Não sabia.

Ministério Público — Tu te lembras do que disseste no interrogatório do SIC? Porque tem uma coerência e uma sequência lógica de tudo que aconteceu naquele dia e não nesse amontoado de histórias que estás a contar aqui, explique!

Ludy — Era para culpar o Vander.

Ministério Público — Quem morreu primeiro e onde?

Ludy — Foi o senhor Kamutokele, morreu no quarto.

Ministério Público — Qual foi a tua participação na morte?

Ludy — Só peguei nos corpos e endireitei no carro.

Ministério Público — Como vós matastes as crianças?

Ludy — Matamos com as braçadeiras no pescoço. 

Ministério Público — E como vós retirastes as braçadeiras dos pescoços, já que não se encontraram nenhuma braçadeira no local do crime?

Ludy — Retiramo-las com faca.

Ministério Público — Eles não foram apertados com braçadeiras, porque não deixou marca nenhuma.  Tu sabias que foram feitas autópsias?

Ludy — Não. 

Ministério Público – Como os teus comparsas, com Hiace, passaram pela segurança do condomínio?

Ludy — Entramos de um i10 que o Papy conduzia que não sei de quem  era.

Ministério Público — Onde é que o Vander estava no momento da acção?

Ludy — Estava na obra.

Ministério Público — Quando vós fostes à busca do Vander na tal obra onde é que estavam os corpos?

Ludy — Os corpos já se encontravam no Kilamba.

“Sim, administrei substâncias na bebida do Vander”

Ministério Público — Que informações tu obtiveste do Vander depois de administrar as tais substâncias na bebida do Vander?

Ludy — Sim, administrei as substâncias várias vezes na bebida do Vander, desde o período do concerto até à execução do acto criminoso,  mas não  obtive nenhuma informação, não ganhei nada.

Ministério Público — Dos 20 milhões que te prometeram para matar o senhor Kamutokele, quanto é que te deram?

Ludy — Só me deram 100.000 mil kwanzas.

Ministério Público — Mas tu disseste que te deram 1.000.0000 de kwanzas e compraste uma motorizada de um amigo que já não te lembras do nome. Explique.

Ludy — Desculpe-me, digníssima, fiz confusão. 

Ministério Público — Quem foi que te disse que a mãe do Vander não se encontrava em casa?

Ludy — Ninguém me disse.

Ministério Público — E como tu sabias?

Ludy — Me apercebi porque, dias antes, o Vander disse que a mãe viajara para um óbito.

Ministério Público — Como as digitais do Vander apareceram no local do Crime, na viatura e nos corpos?

Ludy — Quando o Vander estava sob efeito de substâncias, pegamos nas suas mãos e passamos nos corpos. 

A hora e a vez do advogado de acusação Pedro Kaprakata interrogar o réu

Advogado Pedro Kaprakata — Repetiu várias vezes que ouviu que a mãe do Vander tem a ver com o ocorrido, quem foi que lhe disse?

Ludy — Ouvi a partir do SIC.

Advogado Pedro Kaprakata — Ouviu do instrutor do processo?

Ludy — Não.  Ouvi dos polícias que nos levaram para avaliação. 

Advogado Pedro Kaprakata —  O objectivo do Mistuly era conseguir o dinheiro. E o método para alcançar era imobilizar o Vander, por que não se pensou imobilizar directamente o senhor Kamutokele?

Ludy — Se fosse render directamente o senhor Kamutokele, ele poderia dar conta por ser conterrâneo do Mistuly.

Advogado Pedro Kaprakata — Qual foi a reacção dos seguranças ao verem a saída de uma viatura estranha do condomínio?

Ludy — Foi normal, não reagiram.

Advogado Pedro Kaprakata — Que horas eram?

Ludy – Era meia-noite. 

Interrogatório realizado pelo representante do réu Vander, advogado Celestino Mutunda, ao réu Ludy Justino Pinto

Advogado Celestino Mutunda — Ainda te recordas do terreno onde haviam deixado o Vander?

Ludy — Não, já não tenho memória do local onde havíamos deixado o Wander.

Advogado Celestino Mutunda — Consta nos autos uma carta dirigida aos seus familiares, em que comunicas algo que se estava a passar na cela, qual era o conteúdo da carta?

Ludy — Não me sentia bem, por isso pedi ao Vander para escrever a carta, mas não sei como foi parar às mãos do SIC.

Advogado Celestino Mutunda — Há rumores de que, na carta, constava que o senhor estava a ser coagido para incriminar o Vander e a mãe?

Ludy — Não.  Eu me lembro bem dessa carta, falava das necessidades por que passava, dos bens alimentares, materiais que precisava na altura.

“Mentir é pecado” 

O momento em que o réu Vander Manuel Fortes, o jovem que ficou conhecido como o ‘enteado monstro’, e trazer mais um clima de suspeição entre a relação de padrastos e enteados ou madrastas e enteados, ouvido em tribunal passou a sua versão dos factos e jura de pés juntos que é inocente.

Juiz — Quando e por que foste detido?

Réu Vander — Fui detido no dia 29 de Março de 2021, a partir das 8 horas na Centralidade do Kilamba, pelo Serviço de Investigação Criminal, sob acusação de ter sido o mandante  da morte das vítimas nos autos Kamutokele Anderson,  Kamutokele Anderson Júnior e Delvany Gaspar.

Juiz — O que tens a dizer sobre a acusação?

Vander — Não pratiquei o crime. Nas datas dos factos, dirigi-me à casa dos meus pais em companhia do Ludy, isso depois de procurarmos dinheiro nos multibancos, mas estavam inoperantes, logo, decidimos ir ao Banco Sol, próximo ao condomínio, também sem sucesso. Entramos no condomínio por volta das 18 horas, e permanecemos por lá, até por volta das 20horas, porque estávamos a assistir à corrida de Fórmula 1. Tão logo recebi um telefonema da minha esposa a dizer que o meu filho não  parava de chorar e chamava pelo pai. 

Saímos do condomínio, pegamos um táxi  que chamava “Kero Kilamba”.  Acontece que, durante o percurso, o táxi contornou tomando o sentido Benfica, Desvio do Zango e fomos colocados pelos ocupantes da viatura, nos levaram até ao Zango numa obra, cita nas imediações do bairro da Mutamba, em companhia de mais duas moças, sobre mira de armas de fogo. Os meliantes saíram depois de terem nos recebido os telemóveis  e outros pertences. Fomos mantidos sobre cativeiro até por voltas das 3 horas da manhã,    não  me lembro bem, porque houve um momento que peguei sono. E, quando fomos soltos, caminhamos até à estrada e pegamos um táxi até à minha residência no Kilamba.

Juiz — Se o teu telefone foi levado pelos bandidos, como a tua mãe ligou para ti?

Vander — O telefone que levaram era do Ludy, o meu estava em casa.

Juiz — Quando a tua esposa ligou para dizer que o bebé estava chorar, ligou a partir de qual telemóvel?

Vander — Ligou a partir do telemóvel do Ludy.

Juiz — Alguma vez o Ludy já te perguntou onde a tua mãe estava?

Vander — Não, nunca perguntou.

Juiz — Naquela altura você disse ao Ludy que a tua mãe se encontrava no óbito em Saurimo?

Vander — Tínhamos óbito sim, mas não cheguei a dizer ao Ludy.

Juiz — Como a tua mãe telefonou para saber do paradeiro dos teus familiares?

Vander — A partir do meu telefone que havia deixado em casa, onde se encontrava o meu cartão sim e o da minha esposa.

Juiz — Quais dos números ela ligou e por que deixou em casa?

Vander — Já não sei qual dos números, mas acho que foi no número da minha esposa. Naquele dia preferi deixar em casa, caso houvesse alguma emergência. 

Juiz — Participou à polícia que tinha sido sequestrado?

Vander — Não participei, mas me dirigi à esquadra do Kilamba e dos arredores do condomínio depois de me aperceber que as vítimas não se encontravam em casa.

Juiz — Em companhia de quem se dirigiu às esquadras?

Vander — Foi com um vizinho do condomínio dos pais.

Juiz — E não foste tu quem cometeu o crime, quais foram as razões que levaram a Polícia a detê-lo?

Vander — Única informação que tenho foi que o Ludy, disse à Polícia que fui o mandante do crime.

Juiz — Tu és muito jovem para mentir dessa maneira, o Novo Testamento é teu? Pertences a que seita religiosa?

Vander — Católica.

Juiz — O que você já aprendeu com o Novo Testamento?

Vander – Conhecereis a verdade e ela vos libertará.

Juiz — E essa verdade vai te libertar?

Vander — Penso que sim.

Juiz — Mentir não é pecado?

Vander — Sim, é pecado.

Juiz — Como se explica as tuas impressões digitais no carro do teu padrasto, na casa e nos corpos das vítimas?

Vander — No carro, porque usei um dia antes para ir ao supermercado; em casa, por frequentá-lo; nos corpos, não sei, mas o Ludy me disse que, quando estava sob o efeito da substância que colocaram na minha bebida, passaram as minhas mãos nos corpos para poderem me incriminar. 

Juiz — Como tomaste conhecimento da morte dos teus parentes?

Vander — Tomei conhecimento por intermédio da minha tia Rosa Salomão que me telefonou a dizer que os corpos das vítimas foram encontrados. 

Juiz —Tinhas o telemóvel avariado e disseste que adquiriste um cartão sim novo, como a tua tia teve acesso ao número?

Vander — Já tinha o número novo alguns dias antes.

Juiz — Quem deu o número à tua tia?

Vander — Não sei, talvez seja um primo.

Juiz — Qual era o número novo que estavas a usar?

Vander — Já não me recordo.

  Não sei. 

Vander ouvido pelo juiz assessor

“Mesmo perdendo teus entes queridos de forma tão trágica nem isso te comoveu em ir à casa mortuária”

Juiz assessor — Há quanto tempo conhece o co-arguido Ludy?

Vander — Conheço-o há mais de 10 anos.

Juiz assessor — Quando saíste da casa dos teus pais, quem lá deixaste?

Vander — Deixei os miúdos, o pai havia saído, mas não me apercebi em que momento.

Juiz — Quando é que foste comunicado do desaparecimento físico dos teus familiares e onde te encontravas?

Vander — Era por voltas das 7 horas, encontrava-me em casa.

Juiz assessor — Como é que soubeste do local?

Vander — Seguidamente, me apercebi que os corpos se encontravam cerca de 3 minutos, a pé, da minha residência.

Juiz — Quando chegaste no local quem encontraste?

Vander — Encontrei algumas pessoas, dentre elas, famílias e os polícias. 

Juiz assessor — Chegaste a ver os corpos?

Vander — Não cheguei a ver.

Juiz assessor — Procuraste saber aonde foram levados os corpos?

Vander — Não.

Juiz assessor — E não o fizeste porquê?

Vander — Não fiz porque não consigo ir à casa mortuária. 

Juiz assessor — Pelo facto de ter perdido os teus entes queridos de forma tão trágica,  nem isso te comoveu em ir à  casa mortuária?

Vander — Não!

Ministério Púbico ouve Vander

“As tuas impressões digitais foram encontradas nos corpos” 

Ministério Público — Tinhas desavença com o Mistuly?

Vander — Não, nunca tive desavença com o Mistuly. 

Ministério Público — Por que razão o Mistuly e o Ludy planejaram a morte dos teus parentes?

Vander — Não sei, nunca tive qualquer contenda com os mesmos.

Ministério Público — Por que as tuas digitais se encontravam nos corpos?

Vander — Quando cheguei a casa, saudei o meu irmão e o meu primo com um kule e uma festinha na cabeça, mas com o pai não tive nenhum contacto físico, saudei-lhe verbalmente. 

Ministério Público — Como o Ludy colocou a substância estranha no teu corpo?

Vander — Foi quando preparei uma refeição composta por pão, ovo e sumo. Durante o momento que fazíamos a refeição levantei-me por duas vezes para ir à casa de banho, foi nessa altura que o Ludy aproveitou colocar a substância na minha bebida.

Ministério Público — Que horas vós fostes liberados do cativeiro?

Vander — Não me lembro, pois estava com muito sono. 

Ministério Público — Quem matou o Andersinho e o Delvany?

Vander — Não sei de nada. O Ludy informou-me que conhecia as pessoas que praticaram o crime.

Vander ouvido pelo advogado da acusação Pedro Kaprakata

Advogado Pedro Kaprakata — Quais são os outros nomes do Mistuly?

Vander — Não conheço outros nomes dele. 

Advogado Pedro Kaprakata — Como podemos localizá-lo?

Vander — Meus parentes podem dar índices para o localizar, a título ilustrativo, o meu primo Romeu, minha mãe e a minha prima Paciência. 

Advogado Pedro Kaprakata — O senhor Vander tinha acesso ao cartão do condomínio?

Vander – Sim, tinha o cartão de acesso ao condomínio e o mesmo encontra-se na minha pasta aprendida pelo SIC.

Advogado Pedro Kaprakata — Como é que o Ludy e os demais entraram no condomínio, uma vez que não tinham o cartão de acesso?

Vander — Não sei explicar. 

Advogado Pedro Kaprakata — Quando foi ao local em que foram encontrados os corpos, encontrou alguns parentes, quem são?

Vander — Encontrei uma prima, o meu primo Igor e outras pessoas que os acompanhavam.

A viúva: 

“É difícil estar na minha pele”

Elisabeth Manuel Gaspar Anderson, a viúva e mãe do réu Vander, também foi ouvida em tribunal, numa audição dramática contou a sua versão dos factos. 

Juiz — Onde a senhora se encontrava na data dos factos?

Declarante Elisabeth Anderson – Encontrava-me na Lunda, no óbito de um parente meu, de terceiro grau.

Juiz — Quando se apercebeu da morte dos seus entes queridos?

Elisabeth Anderson – Primeiro, senti-me preocupada e liguei para o meu filho Andersinho e o telemóvel dava desligado, em seguida liguei ao meu esposo, também dava desligado. 

Juiz – Por que não ligou primeiro ao seu esposo?

Elizabeth Anderson – Não liguei porque ele passava a noite com o telefone desligado.

Por volta das 6 horas, a viatura do meu compadre Nzola Eduardo que levava o meu filho ao colégio em companhia do meu afilhado Nzolinha, estacionou à porta da minha residência e buzinou, mas o Andersinho não descia. Então, o jardineiro, senhor Alexandre Kito, ligou para mim a informar o facto, e orientei-o a ir verificar em alguns compartimentos da residência, como na casa principal e no anexo, se havia alguém a descansar. Depois do senhor Alexandre não  encontrar ninguém, ligou-me novamente para informar. 

Por outro lado,  também o Nzolinha subiu para o quarto do Andersinho e não o encontrou.

Juiz — Como o jardineiro teve acesso à residência?

Elisabeth Anderson – Teve acesso porque ele tinha as chaves do portão que dá acesso ao quintal interior e à casa principal assim como ao anexo.

Juiz — O jardineiro também tinha as chaves dos portões que dão acesso à rua?

Elisabeth Anderson — Não. O comando para entrada das viaturas só tinha acesso os proprietários da residência. 

Juiz — Que horas o jardineiro chegava e como tinha acesso ao primeiro quintal?

Elisabeth Anderson — Chegava por volta das 5h30 e tocava campainha do portão pequeno. 

Juiz — Naquele dia quando o jardineiro chegou não tocou a campainha e não encontrou nenhuma porta aberta?

Elisabeth Anderson — Não sei, só ele pode responder. 

Juiz — Depois de se aperceber que os seus entes queridos não foram localizados qual foi o seu procedimento?

Elisabeth Anderson – Telefonei para o meu sogro, senhor Pinda Simão, liguei para a Paciência, minha sobrinha, para o senhor Domingos Manzunguili, a Elsa minha vizinha do condomínio, pessoa  com quem o meu marido sairia para uma reunião na ENDE, liguei para o meu compadre Eduardo e para a minha prima Teresa Jamba.

Juiz — Como é que se apercebeu que os seus entes queridos estavam mortos?

Elisabeth Anderson – Foi através de um telefonema feito por uma jovem que não  se identificou, dando conta que viu nas publicações das redes sociais a viatura e as fotografias das pessoas que postei no meu facebook, dizendo que foram encontrados no Kilamba, mas não  poderia se aproximar porque  estava a Polícia no local e, de seguida desligou o telefone.  Minutos depois, tornou a ligar a mesma jovem, dizendo que estavam mortos no interior da viatura.

Juiz — Que horas a jovem ligou?

Elisabeth Anderson – Não me recordo da hora, mas foi no período da manhã.

Juiz — A senhora ligou para o Vander?

Elisabeth Anderson – Não liguei para ele, porque na altura não  tinha telefone, mas liguei para o meu sobrinho Sílvio  que vivia em companhia do Vander, dando-lhe a conhecer do desaparecimento das vítimas e, o ordenei a ir até ao condomínio para saber o que se passava.

Juiz — A senhora Elisabeth ligou para sua nora esposa do Vander?

Elisabeth Anderson – Não liguei, porque não  temos boas relações. Na conversa que mantive com o Vander perguntei-lhe quando foi a última vez que viu as vítimas, respondeu que foi no sábado, dia 22 de Março de 2021, quando se dirigiu ao condomínio e o pai pediu-lhe para comprar cola e cortar os pelos do cão.

Juiz – Qual era a relação do Vander com o padrasto?

Elisabeth Anderson – Não era padrasto, mas sim pai, era relação entre ambos e só ouvi a expressão padrasto, depois do meu marido aparecer morto. Era mais a vítima a defender o Vander sempre que ele cometesse, Vander frequentava a casa sem nenhum problema e tudo que quisesse, o pai dava-lhe.

Juiz — Onde é que morava o Vander?

Elisabeth Anderson – As pessoas diziam que vivia no Kilamba, mas não  considerava aquilo, porque o Vander  quando seguiu a sua amada, foi apenas com a roupa do corpo e deixou tudo no condomínio, pois, sempre que quisesse se trocar, fazia no condomínio. 

Juiz — A senhora Elisabeth conhece o co-arguido Ludy e frequentava a sua residência no condomínio?

Elisabeth Anderson — Conheço-o há 13 anos, foi meu vizinho no 1°- de Maio, mas não frequentava a minha residência no condomínio, nem nunca mais o tinha o visto.

Juiz — Qual era o comportamento dos co-arguidos bom ou mau? 

Elisabeth Anderson — Já fizeram travessuras, tanto que aos 18 anos, os dois tiraram a viatura do meu marido sem consentimento, depois de dois meses encontramos a viatura com eles na zona do Cassequel. 

Juiz — Tem alguma perturbação mental?

Elisabeth Anderson — Não. Nunca teve. É apenas  um rapaz lento.

Juiz — Quem matou os seus entes queridos?

Elisabeth Anderson – Quero que a justiça descubra.

Juiz — Por que os arguidos se encontram aqui?

Elisabeth Anderson — Por terem sido hipoteticamente eles a cometerem o crime.

Juiz — Conversou com os arguidos para esclarecerem a acusação?

Elisabeth Anderson — Não, devido à pandemia não teve acesso a visitas, por serem eles hipoteticamente os autores do crime não tinha motivo de visitá-los. Porque uma pessoa de sã consciência, sabendo que perdeu o marido, o filho, sobrinho e as provas apontam ao filho mais velho, é uma situação bastante complicada, ninguém conseguiria estar na minha pele. Se realmente esse menino cometeu esse crime, senhor Juiz, tem muita coragem. 

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