Rixa de grupos rivais: LEVA MENOR DE 17 AO BANCO DOS RÉUS PELA MORTE DO AMIGO
Nsunda Gabriel, também conhecido por ‘De Estrela’, 17 anos de idade, responde pelo crime de homicídio voluntário, por presumivelmente ter excluído dos vivos o seu amigo de 18 anos, durante uma briga. Porém, diz não ter tido intenção de matar.
Felicidade Kauanda
Os desentendimentos entre grupos rivais em vários bairros do país é, desde muito tempo, a causa de várias mortes de adolescentes, jovens e até pessoas inocentes que passam no momento em que tais acções acontecem, numa espécie de “estar lugar certo, na hora errada”. Tais rixas tornam o dia-a-dia de quem mora nessas zonas, geralmente perigéricas, aterrorizante, uma vez que acompanham de perto os assassinatos das vítimas que nalguns casos chegam a ser esquartejadas e não raras vezes acabam em assaltos às residências. Apesar de o trabalho da Polícia Nacional no desmantelamento de alguns grupos, os órgãos de Comunicação Social não param de noticiar casos do gênero, como trazemos nesta edição.
A história vitima Francisco Mateus Munanga, que perdeu a vida no bairro Calemba 2, uma zona de Luanda que tem sido palco frequente de lutas entre grupos rivais. O acusado, Nsunda Gabriel, também conhecido por ‘De Estrela’, membro do grupo denominado RCT, foi solto sob Termo de Identidade e Residência (TIR) e fez-se sozinho ao tribunal, apesar da pouca idade e viver com os pais e irmãs, mostrando-se bastante calmo e seguro, para quem estivesse a enfrentar uma situação destas pela primeira vez, sobretudo diante dos muitos familiares do malogrado que, ao vê-lo, não puderem esconder a ira e repúdio contra o mesmo, sendo que, por seu turno, Nsunda mostrava feições de indiferença total.
Já no banco dos réus, Nsunda confessou parcialmente o crime, defendendo que entre ele e o malogrado, Francisco Mateus Munanga ou ‘Da Chique’, existia uma boa relação de amizade, cumplicidade e entre-ajuda em diversas situações, acrescendo que não foi sua intenção matá-lo. Sobre os factos, narrou que antes do sucedido, o falecido e outros seus amigos haviam brigado. Embora não tenha participado, uma vez que se encontrava com suas três irmãs, de 20, 8 e 6 anos respectivamente, na sua casa, e igual número de amigos, teriam sido surpreendidos pelo malogrado, que estava acompanhado de cinco elementos conhecidos apenas por ‘Quene’, ‘Viúva Negra’, ‘Elo K’, ‘Da tua mãe’ e ‘Bruno B’, todos munidos de paus, catanas, e ferros com intuito de brigarem.
Posteriormente, disse que ouviu insultos por parte do grupo do falecido, por isso saiu com intenção de acautelar a situação. Ao aproximar-se, porém, viu-se envolvido na confusão, por ter sido golpeado com um bastão no pescoço por ‘Viúva Negra’, numa altura em que outros invasores já agrediam seus amigos, pelo que, contou, sem outra alternativa, temendo que estes entrassem na casa onde se encontravam suas irmãs, entrou para a cozinha e retirou a faca “apenas para os ameaçar”, mas, a dado momento, o malogrado foi contra si e desferiu-lhe um golpe no pescoço.
Quando a briga cessou, conta, o falecido retirou-se andando junto dos companheiros, prometendo que voltariam. Com medo de sofrer represálias, todos abandonaram a residência e foram para diferentes sítios, tendo o réu se refugiado para a província do Bengo, pois, supostamente julgava que tinha apenas causado um simples ferimento à vítima. No dia seguinte, diz, foi surpreendido com a notícia da morte de Francisco, vítima nos autos. Contou que tão logo seus pais souberam do sucedido, levaram-no para a Esquadra de Polícia de Caxito, onde foi detido e posteriormente levado para Luanda.
Relativamente à arma branca que usou (faca de cozinha) , confessou ter deitado numa casa inacabada, onde posteriormente foi encontrada pelos agentes do Serviços de Investigação Criminal.
Origem da briga
Há um tempo, segundo o réu, criou-se um grupo que se dedicava à música e realização de festas. Posteriormente, o grupo repartiu-se em dois, tendo ele (réu) e o malogrado ficado em lados opostos, ou seja, enquanto a vítima integrava nos PRB, constituído por nove membros, entre eles ‘Gu de arroz’, ‘Bad Panda’, ‘Paquete’, ‘Viúva Negra’, ‘Da tua mãe’, ‘Elo K’, o acusado fazia parte do grupo RTC, igualmente constituído por nove elementos, entre eles, ‘Raia’, ‘Mexaque’, ‘Papi’, ‘Dacamazita’, ‘Bild’, ‘Da Favela’ e ‘2B’, frisando que tinha bom relacionamento com os membros do outro grupo, pois, alguns deles eram seus colegas de escola.
No entanto, o grupo do infeliz, PRB, realizou uma festa em que três membros do seu grupo, isto é Mexaque, Papi e Raia, tinham sido convidados. Porém, este último, depois de ter ingerido bebidas alcóolicas por excesso, começou uma confusão, situação que aborreceu os organizadores, obrigando-os a convidarem os três a abandonarem o local.
Entretanto, passado pouco mais de um mês, conta o réu, os demais membros do seu grupo não se cruzavam com os do outro, limitavam-se a envios de recados ameaçadores, que resultaram numa segunda luta, na qual Igualmente não participou, mas o malogrado e seus amigos tinham ido a sua residência deixar recado a sua mãe e irmãs, dizendo que iriam matá-lo quando o encontrassem.
Conta que depois da da morte de Francisco, seus familiares mudaram de bairro, entretanto, depois de solto, foi visitar a zona anterior, mas não encontrou-se com seus amigos Da favela, 2B e Bild, não sabendo se estes ainda residem aí.
O pai do malogrado, Mateus Munanga, que conheceu o algoz do filho apenas no dia da audiência, fez transparecer que pouco sabia ou que não conhecia muito bem o filho, tendo inclusive o Ministério Público o questionado se realmente vivia com a vítima, ao que justificou-se pelo facto de ter duas mulheres. Ademais, disse desconhecer os factos, o significado da alcunha do filho, ‘Da chique’, usado por este por cerca de quatro anos, ignorava que este fazia parte de algum grupo, declarando saber apenas que seu filho ocupava-se com a vida académica e os deveres de casa e que andava habitualmente com dois primos menores e um amigo vizinho, que apenas conhece por Paizinho, que no dia dos factos o tirara de casa, alegando que iam na residência deste, indicando-o como a pessoa ideal para esclarecer os factos, uma vez que apenas recebeu a notícia depois de um tempo que seu filho estava estendido e ensanguentado na rua. Nisto, o réu foi confrontado para dizer quem era o referido Paizinho, ao que disse tratar-se do ‘Viúva Negra’.
Familiares desesperados ameaçam fazer justiça com mãos próprias
Os parentes da vítima manifestaram, desde a audiência de julgamento, o desconforto nas declarações do réu que, para eles, não passavam de mentiras, tendo manifestado a ameaça de fazer justiça com mãos próprias, caso Nsunda saia impune.
Albertina João, a mãe do malogrado, ao manifestar seu descontentamento, disse a este jornal o motivo que lhe leva a pensar em fazer justiça por conta própria: “este miúdo vai me fazer conhecer a cadeia, isso me deixa muito irritada. Ele é muito conhecido no bairro pelos crimes que já cometeu, esse miúdo mentiu no julgamento, meu filho não era de nenhum grupo, foi mesmo ele que começou a lhe perseguir há muito tempo, a partir da escola, para fazer parte do grupo dele de bandidagem, meu filho sempre me contava, mas lhe perseguiu até que conseguiu lhe tirar-lhe a vida”.
“No mesmo dia dos factos, meu filho estava a passar na rua com o amigo dele Paizinho, mas ele e seus amigos lhe assaltaram, foi isso que fez o Francisco ir a casa dele, eu tenho muito para esclarecer no tribunal, por isso pedi à juíza para me deixar falar”
“No mesmo dia dos factos, meu filho estava a passar na rua com o amigo dele Paizinho, mas ele e seus amigos lhe assaltaram, foi isso que fez o Francisco ir a casa dele, eu tenho muito para esclarecer no tribunal, por isso pedi à juíza para me deixar falar”, referiu, para depois lamentar e clamar por justiça “tinha apenas dois filhos, mataram o meu segundo, único rapaz, não era de grupo de bandidos, ele e o amigo eram desses miúdos que parecem viver na província, não tinha vícios, dedicava-se apenas aos estudos, tinha uma vida honesta, com 18 anos já trabalhava, cuidava da casa de um vizinho que fazia viagem, ganhava 35 mil kwanzas, me apresentava o salário, eu é que tinha que lhe dizer <<não filho, o dinheiro é teu, compra o que for necessário para ti>>, quero justiça, esse miúdo que matou o meu filho não pode continuar solto, por favor, justiça!”.
Fontes deste jornal contam que, apesar de adolescente, Nsunda Gabriel é perigoso destemido, pois residia antes no bairro Rocha Pinto, onde fugiu por ter se envolvido na morte de uma cidadã. Ainda assim, continuou a liderar um grupo que perturba a tranquilidade dos moradores do bairro Calemba 2, sendo que, envaidecido com o sentimento de impunidade, dizia que seu pai é curandeiro e nada tem a temer.
As fontes sustentam também que, através do seu grupo, muitos óbitos são invadidos por eles, assim como várias instituições de ensino, a exemplo da Escola Caxiri e outras, com maior destaque as que não têm vigilante, pois já foram invadidas com alunos e professores em aulas.
Segundo os nossos entrevistados, devido o sentimento de insegurança que eles causavam, muitos encarregados de educação viram-se obrigados a retirar os filhos das escolas, em pleno ano lectivo.
Acusação
De acordo com o Ministério Público, Nsunda Gabriel incorreu à prática do crime de homicídio voluntário, previsto e punível pelo artigo 349º do Código Penal antigo, pois tudo ocorreu na manhã do dia 25 de Setembro de 2019, no bairro Sapu 2, quando o réu estava na via pública, na companhia dos seus amigos conhecidos apenas por ‘2B’, ‘Da Favela’ e o declarante Manuel Constantino Lopes, tendo sido convidado por este último a irem almoçar na sua residência. Uma vez, que refeição era simples, o acusado entendeu ir a sua casa buscar dinheiro para comprar um acompanhante, pedindo aos amigos que o acompanhassem. Quando entrou em casa, os amigos que o aguardavam no quintal foram surpreendidos pelo malogrado que estava acompanhado de cinco amigos, munidos com ferros e paus. Na sequência, desencadeou uma briga, onde, enquanto uns agrediam o grupo do réu, ‘Viúva Negra’, também tratado por Paizinho, amigo do falecido, desferiu um bastão no pescoço do réu.
No calor de toda a tensão, Nsunda entrou à cozinha, pegou em uma faca e, ao voltar à briga, desferiu no pescoço do malogrado, que foi socorrido pelos vizinhos para o Hospital Geral de Luanda, onde acabou por sucumbir.
De acordo com os exames constantes nos autos, o ferimento provocado pelo acusado foi a causa directa da morte de Francisco Munanga.