Troca de tiros ou execução?: PNA NÃO CONSEGUE PROVAR A SUA PRÓPRIA VERSÃO
Há dois meses que os jovens Luís Falcão e Hélder Cavulo, 19 e 22 anos de idade, respectivamente, foram mortos por agentes da Polícia Nacional de Angola (PNA), afectos à Brigada Motorizada, nas imediações da Ponte Molhada, município de Talatona. Este jornal apurou que a versão do órgão castrense pode estar eivada de falsidade.
Engrácia Francisco
Inicialmente, a PNA informou, no dia 16 de Fevereiro, através do porta-voz do Comando Provincial de Luanda da Polícia Nacional, Nestor Goubel, que tudo aconteceu durante um confronto de tiros entre eles e os dois presumíveis marginais tidos, pela corporação, como altamente perigosos, que tentavam assaltar um automobilista na via pública.
“Eram altamente perigosos que entraram em confronto com a Polícia durante um assalto na via pública e, consequentemente, foram alvejados mortalmente pelas nossas forças”, disse, na ocasião, Nestor Goubel, acrescendo que os mesmos tinham idades compreendidas entre os 30 e 36 anos, que, em sua posse, foi encontrada uma arma de fogo do tipo pistola de marca Macarov com o número de registo 1744029106 e que, durante o confronto, os marginais alvejaram um cidadão que circulava naquela via.
Num trabalho de investigação realizado por este jornal, apuramos que a versão avançada pela Polícia pode ser falsa, isto é, invés de troca de tiros, os jovens, que eram cidadãos sem qualquer registo criminal e tidos como pessoas de boa índole , terão sido executados numa, das muitas, acções caracterizadas pelo excesso de zelo.
POLÍCIA E SIC ENGASGADOS
Confrontado, por este jornal, sobre as bases que sustentam a sua afirmação, segundo a qual os jovens ora mortos eram marginais altamente perigosos, o porta-voz do Comando Provincial de Luanda, Nestor Goubel, não soube esclarecer.
Por outro lado, também apuramos que a suposta vítima do assalto e o cidadão ferido durante o alegado confronto entre polícias e marginais simplesmente não aparecem no processo que decorre sem declarantes ou testemunhas, ou seja, parece que não existem.
Por conta disso, contactamos o Serviço de Investigação Criminal (SIC-Luanda), na pessoa do seu porta-voz, Fernando de Carvalho, que, por sua vez, alegou que o processo já se encontra em fase de instrução, com o número 893/022-TLA, sem nenhum detido.
Questionado sobre a existência de algum registo criminal contra as vítimas consideradas altamente perigosas, Fernando de Carvalho mostrou-se também incapaz de provar as declarações do seu homólogo da Polícia Nacional, isto é, não nos apresentou absolutamente nada contra as vítimas que fazem parte nos arquivos daquele órgão de investigação.
Postos no Comando Municipal de Talatona, onde ocorreu o caso, entretanto, mais uma vez, não obtivemos nenhuma informação. A experiência diz que quando a Polícia age assim, é porque alguma coisa esconde.
QUANDO OS CORPOS FALAM
Confrontado, por este jornal, sobre as bases que sustentam a sua afirmação, segundo a qual os jovens ora mortos eram marginais altamente perigosos, o porta-voz do Comando Provincial de Luanda, Nestor Goubel, não soube esclarecer.
Por outro lado, também apuramos que a suposta vítima do assalto e o cidadão ferido durante o alegado confronto entre polícias e marginais simplesmente não aparecem no processo que decorre sem declarantes ou testemunhas, ou seja, parece que não existem.
Por conta disso, contactamos o Serviço de Investigação Criminal (SIC-Luanda), na pessoa do seu porta-voz, Fernando de Carvalho, que, por sua vez, alegou que o processo já se encontra em fase de instrução, com o número 893/022-TLA, sem nenhum detido.
Questionado sobre a existência de algum registo criminal contra as vítimas consideradas altamente perigosas, Fernando de Carvalho mostrou-se também incapaz de provar as declarações do seu homólogo da Polícia Nacional, isto é, não nos apresentou absolutamente nada contra as vítimas que fazem parte nos arquivos daquele órgão de investigação.
Postos no Comando Municipal de Talatona, onde ocorreu o caso, entretanto, mais uma vez, não obtivemos nenhuma informação. A experiência diz que quando a Polícia age assim, é porque alguma coisa esconde.
QUANDO OS CORPOS FALAM
Em investigação, diz-se que os corpos falam, ao que tudo indica, neste caso não é diferente, pois, enquanto a versão policial fala em troca de tiros, os corpos das vítimas apresentam o contrário, e tudo começa nas idades que, segundo a PNA, são 30 e 36 anos, mas de facto, como consta nos bilhetes de identidade das vítimas a que este jornal teve acesso, os jovens tinham entre 19 e 22 anos respectivamente.
Submetidos à autópsia, apurou-se que Luís Falcão, de 22 anos, morreu por causa de uma lesão de centro nervoso vital, fractura de ossos do crânio, dilaceração encefálica e ferida por projéctil de arma de fogo.
Apurou-se ainda que, antes de morto, tinha sido torturado, atingido com três disparos de arma de fogo na região da nuca e um no abdómen, o rosto estava inflamado, vários hematomas causados por agressão física e uma queimadura no pé, o que deixa cair a tese de troca de tiros, mas eleva a hipótese de execução.
Já o malogrado Hélder Cavulo, de apenas 19, foi atingido com um único tiro também na nuca. Os corpos das vitimas não apresentaram nenhum sinal de queda de motorizada ou escoriações.
Na arma que a Polícia alega ter sido usada pelas vítimas na suposta troca de tiros não foi encontrada qualquer impressão digital pertencente aos malogrados.
FAMILIARES E AMIGOS CLAMAM POR JUSTIÇA
Os familiares dos malogrados estão indignados com a situação, uma vez que se sentem injustiçados: “num país onde não há pena de morte e existe uma Constituição, não se pode matar duas pessoas em plena luz do dia e ninguém ser responsabilizado! Nem que se tratasse de marginais, tinham que ser detidos e levados às barras do tribunal, para responderem pelos crimes que cometeram e nunca os matar daquela forma, como se de animais se tratassem”, disse José Falcão, tio do malogrado Luís Falcão.
Curiosamente, naquele fatídico dia 2 de Fevereiro, por ironia do destino, Hélder Cavulo completava mais um ano de vida. Com mil e um motivos para estar feliz e comemorar, o jovem decidiu ir conviver com alguns familiares que residem no município do Cazenga, mas eis que acabou morto. Enquanto o vizinho Luís Falcão, mototaxista, saía de casa para mais um dia de trabalho e foi nesta situação que realizava a primeira que seria também a sua última corrida com um cliente, no caso, o jovem Hélder Cavulo.
No percurso, foram interpelados por quatro agentes da PN, afectos à Brigada Motorizada, arredores do restaurante Bueno Vivo, município do Talatona, e daí seguiram para as imediações da ponte molhada.
Testemunhas ouvidas por este jornal dizem que, depois de serem interpelados, o pendura, Hélder Cavulo, assumiu o volante da motorizada, enquanto Luís ficou no meio e um dos agentes, que abandonou a sua motorizada, ficou na ponta da mesma motorizada, para garantir que as vítimas não escapassem.
“Foram levados até à primeira rotunda da Ponte Molhada, onde foram retirados da motorizada e levados até a um matagal, colocaram-nos de joelhos e seguiu a execução, em que Luís Falcão foi o primeiro a ser atingido com um tiro, porque estava a reclamar que não era bandido; a seguir, viraram-se para o Hélder, que pediu que os agentes ligassem ao seu pai, mas sem sucesso”, contou José Falcão.
Os familiares, preocupados com o desaparecimento dos jovens, saíram à rua, para os procurar, foi desta forma que chegaram até ao Comando Municipal de Talatona, onde foram informados pelo comandante municipal que os jovens Luís e Hélder foram abatidos pela Polícia durante um confronto e que estavam na câmara número 5 da Morgue do Hospital Josina Machel.
“A Polícia, através do seu porta-voz, Nestor Goubel, afirmou que recebeu uma denúncia anónima a dar conta que estava a ocorrer um assalto na rua do restaurante Bueno Vivo e, em função disso, os agentes da Brigada Motorizada apareceram em menos de cinco minutos, tiraram os jovens daí e os levaram até ao local onde foram executados. Por se tratar de uma denúncia, devia-se, ao menos, investigar e não de imediato executar os rapazes “, lamentaram.
Os familiares acresceram que, na altura, em que foram mortos tinham consigo os seus telemóveis, mas que nunca voltaram a ser vistos. “Gostaríamos que, afora, os telefones aparecessem, porque atrás de um telefone tem muita informação oculta. O Luís tinha um telefone de marca iPhone 4 e o outro tinha consigo um de marca Samsung, mas nenhum apareceu ou foi registado no processo, nem mesmo como objecto de prova “, frisou José Falcão.
Por outro lado, não há nenhum sinal das pastas com as quais as vítimas se faziam acompanhar. “A única coisa que apareceu foi a motorizada, mas arrolada num outro processo. Só se conseguiu recuperar porque a família conhecia bem a motorizada e fez o reconhecimento”, disse José Falcão.
De realçar que os agentes envolvidos neste acto ainda não foram identificados. Porém, as famílias das vítimas já constituíram um advogado para seguir o processo.
“EM ANGOLA NÃO EXISTE PENA DE MORTE”
Segundo o jurista Hélder Chihuto, a Constituição da República de Angola, nos termos do artigo 59.°, com nítida e irrefutável normativa, proíbe a pena de morte. Conjugado com o disposto no artigo 30.°, que consagra o direito à vida como o valor de maior relevo e protecção constitucional, não admitindo a sua violabilidade, torna-se inconfundível a protecção da vida .
“Aqui, em concurso com a disposição normativa da norma do n.ºs 1 e 2 do artigo 64., que nos dizem que a privação da liberdade apenas é permitida nos casos e nas condições determinadas por lei: a Polícia ou outra entidade apenas pode deter ou prender nos casos previstos na Constituição e na lei, em flagrante delito ou quando munidas de mandado de autoridade competente”, esclareceu.
Por ouro lado, acrescentou que qualquer outra circunstância não justifica que, estando imobilizado e não oferecendo qualquer ameaça fundada que ponha em risco a vida dos agentes da autoridade, se faça o recurso desnecessário, desproporcional, inoportuno, inadequado da arma de fogo com o fito de barbaramente dizimar a vida dos supostos meliantes. Suposto, face ao princípio da presunção de inocência, da legalidade e da justiça efectiva.
“Salvo razões fundadamente justificáveis e que por si só se constituam em causa bastante de justificação do facto ou de exclusão da ilicitude ou da culpa, dai é que, para o caso em concreto, olhando pela descrição da narrativa factual, por hipótese subsumível ao direito, dúvidas não temos de que este acto que pôs fim à vida desses cidadãos foi de todo hediondo, bárbaro e grosseiramente ilegal, pois, vai ao arrepio da lei, do direito e da justiça, o que não pode se permitir que ocorra dentro de um Estado Democrático e de Direito’, disse Hélder Chihuto.
E por fim, alertou “os agentes da Polícia e dos Serviços de Investigação Criminal têm como missão fundamental a defesa da vida da pessoa humana e nunca o contrário, salvo em circunstâncias visivelmente justificáveis que ponham em eminente perigo a sua vida e de terceiros ao seu arredor”.