Para passar a imagem de tranquilidade: PNA APRESENTA À IMPRENSA FALSOS CRIMINOSOS EM TROCA DE MOTORIZADAS
“Nunca fomos criminosos. A Polícia e a Administração deram-nos as armas e convenceram-nos a apresentarmo-nos como delinquentes, porque queriam mostrar trabalho e, em troca, nos dariam motorizadas, formação e emprego”, denunciaram os supostos malfeitores, moradores do bairro Calemba II, município do Talatona, que, até agora, não viram tal promessa a ser cumprida.
Por: Dumilde Fuxi
No dia 25 de Julho do presente ano, a 49.ª Esquadra da Polícia Nacional e a Administração do Distrito Urbano da Cidade Universitária realizaram a apresentação de mais de 50 jovens que decidiram, alegadamente, abandonar a criminalidade.
Estavam presentes no acto a administradora distrital, Rosa Coelho, os segundos comandantes da Polícia Nacional em Luanda, comissário Gerson Miguel e sub-comissário Mateus André, o comandante do Talatona, Joaquim Rosário, o da 49.ª Esquadra, intendente Francisco Nhanga, e líderes religiosos.
Entretanto, soube o “O crime” que, dos mais de 50 cidadãos apresentados, menos de uma dezena estava envolvida com a criminalidade, sendo que a maioria foi chamada, apenas, para engrossar o grupo e transmitir a ideia de que as autoridades policiais e administrativas, naquele bairro, conseguiram resgatar dezenas de jovens da criminalidade, algo que, de acordo com os supostos delinquentes, não passou de mera simulação.
Outros cidadãos, porém, em um número superior a 40, eram mototaxistas, lotadores de táxi e diversos moradores do bairro Calemba II, que foram, igualmente, convencidos a participar da alegada cerimónia de sensibilização, onde receberam cestas básicas oferecidas por um empresário da circunscrição.
António Gaspar, Abílio Rafael, Abiude Neves e Bedade Filipe são alguns que permitiram que fossem apresentados à imprensa como ex-delinquentes, em troca de motorizadas e asseguram ter o cadastro livre de crimes, pelo que desafiam as autoridades a provarem o seu envolvimento em acções do género no bairro.
Os mesmos revelam que as armas de fogo que seguraram no acto de apresentação foram cedidas pelos efectivos da 49.ª Esquadra policial. “No total, fomos oito amigos, apresentados com as armas da própria Polícia. Chegámos lá sem nada, eles já haviam criado todas as condições para a apresentação. Deram coletes da Brigada de Vigilância Comunitária a 50 pessoas, que foram citadas como marginais”, denunciam.
Em entrevista a este jornal, explicaram que foram, em primeira instância, sensibilizados por membros da Comissão de Moradores local, que compraram para eles, horas antes do encontro com as autoridades, algumas cervejas e adiantaram as contrapartidas que receberiam, caso aderissem ao acto.
“Na altura, como carecíamos de um meio para subsistência, vimos que não havia nada a perder. Então aceitámos, na esperança de sair de lá com as motorizadas, o que, infelizmente, serviu apenas para manchar a nossa imagem”, dizem, arrependidos, lamentando, mais adiante, que “com o incumprimento das promessas, a nossa família não percebe que foi apenas uma simulação, continua a acreditar que somos delinquentes, enquanto eles (a Polícia e a Administração) estão a ser aplaudidos”,
Os jovens, que agora dizem estar receosos para frequentar outras zonas fora do seu bairro, por estigma, contam que, semanas após a simulação, buscaram esclarecimento sobre as compensações às senhoras que os mobilizaram e estas aconselharam-nos a esquecer tal promessa, porque, em momento algum, seria cumprida.
Contudo, de todas as promessas feitas pela Polícia, antes e durante o acto testemunhado por vários órgãos de Comunicação Social e, apesar de terem visto as oito motorizadas que seriam entregues a alguns dos apresentados, estes receberam, apenas, naquele dia, cestas básicas, ao passo que os meios rolantes foram recolhidos tão logo a imprensa se ausentou do local.
Os quatro interlocutores referem, de igual modo, que realizaram alguns encontros com o comandante Francisco Nhanga, que alegou terem sido “traídos” pelos empresários com quem estabeleceram parcerias, mas que tudo estava a ser feito para que a situação fosse ultrapassada.
“Em todos os encontros, o comandante não nos dava nenhuma resposta satisfatória. Pedimos cursos ou empregos para compensar a entrega das motorizadas, mas nada, disse-nos apenas para aguardar. Os nossos telemóveis continuam ligados e não recebemos qualquer sinal”, aludiram.
“Os empresários falharam com a Polícia”
Um efectivo da PNA, que esteve ligado à organização do acto, segredou ao `O crime´ que as oito motorizadas colocadas no pátio da esquadra pertencem à empresa Sanz Moto e foram cedidas para serem usadas, apenas, na apresentação dos supostos ex-delinquentes, para compensar a falha dos empresários.
“As oito motorizadas foram levadas à Esquadra com uma carrinha da própria empresa. Tão logo terminou a apresentação e a imprensa ausentou-se, levaram de volta à loja, tal como foi, previamente, acertado com o comandante”, aclarou.
A fonte, em serviço na 49.ª Esquadra, conta que o patrocínio para beneficiar os jovens foi assumido por vários empresários, entre eles “Ti Show”, mas que, na última hora, falharam com o compromisso. Tal situação, continua, levou o comandante, Francisco Nhanga, a solicitar o empréstimo de oito motorizadas àquela empresa, “para simbolizar o acto, porque a imprensa já lá estava e não podia ser adiado. Este acordo foi documentado e teve o consentimento da administradora, Rosa Coelho, e do comandante, Joaquim Rosário”, disse.
“Só queríamos ajudar a comunidade”
Em áudios que chegaram a nossa redacção, ouve-se o intendente Francisco Nhanga a negar que o acto foi mera simulação para exaltar o trabalho das autoridades na comunidade. Porém, admite estarem, entre os apresentados como ex-delinquentes, jovens que foram enquadrados para simbolizar o acto e outros, chamados para acções de sensibilização.
“Dos dez indivíduos que pegaram as armas na apresentação, dois ou três estavam envolvidos em actos de criminalidade e os detivemos porque foram encontrados com elas. As outras foram apreendidas em actuações policiais anteriores e demos aos jovens apenas para simbolizar o acto. Porém, nem todos são inocentes, muitos estão envolvidos em lutas de garrafas”, faz constar.
Quanto à denúncia de que os jovens foram persuadidos a apresentar-se como ex-delinquentes, mesmo não sendo, em troca de motorizadas, diz que não orientou os seus efectivos a procederem de tal forma, mas, justifica, “a apresentação foi voluntária”.
Em conversa com outros, o comandante explica que não foi intenção da Polícia fazer promessas que não seria capaz de cumprir, mas tal aconteceu porque os parceiros não honraram o seu compromisso, por isso tem estado a arranjar meios para compensar a falha. Cita, como exemplo, a construção do muro de vedação da Esquadra que dirige, feita por uma empresa que empregou alguns jovens apresentados naquele acto.
“Estamos (a Polícia e a Administração) dependentes da disponibilidade dos nossos patrocinadores. Há um grupo a fazer formação e, depois, outros serão chamados. Só queríamos ajudar a comunidade com uma actuação pedagógica”, reiterou.