Processos de transgressão: DOS MENOS JULGADOS NOS TRIBUNAIS DE CRIMES COMUNS

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Enquanto único órgão no país especializado em matérias criminais, o nosso Jornal tem páginas permanentes que retratam os vários julgamentos decorridos nos tribunais.  Entretanto, destes, quase, nenhum processo de transgressão é julgado, pelo que, movidos pelo interesse público de esclarecimento, contactamos o docente universitário, António Pedro Quilulo Joaquim, com vasta experiência em processos penais, para nos falar desta forma de procedimento, assim como as razões de ser invulgar.

Por: Felicidade Kauanda

Oprocesso de transgressões ou contravenções é uma das quatro formas de processo penal, cuja pena aplicável é, geralmente, de multa. Como o próprio nome diz, não é necessário que se cometa um crime, basta que o infractor não cumpra algumas disposições regulamentares.

O Crime — Há muito tempo que cobrimos julgamentos, sem que os processos sejam sumários e de querela, porém, até aqui, é raro encontrarmos nos tribunais processos de transgressões. São julgados com regularidade?

António Pedro Quilulo — Não. Não são julgados com regularidade. Em um acumulado trabalho que já fiz, há mais de dez anos, só uma única vez, vi um caso de um cidadão português chegar a julgamento.

O Crime — Não chegam a julgamento porquê?

António Pedro Quilulo — Porque muitos cidadãos angolanos não exigem os seus direitos. Imaginemos, a título ilustrativo, a transgressão, no exercício da condução, que é uma disposição estradal, o agente da Polícia, na via pública, aplica uma multa ao infractor. O alegado infractor, se não concordar com a notificação, pode, por via administrativa, impugnar e, tendo em conta o princípio do contraditório, a reclamação vai para o superior do agente, e este remete em tribunal, onde, em discussão, analisar-se-á, pois pode tratar-se de uma interpretação errônea do agente.

Outro exemplo: os taxistas, no seu entendimento, pensam que, quando o agente de trânsito está parado, não se deve parar a viatura a poucos metros do mesmo, os próprios agentes pensam semelhante, sem saber que o que se deve seguir são os sinais de trânsito e não o agente, salvo se ele mandar parar. Quando o agente está com os documentos em mãos, os condutores, por não saberem defender os seus direitos, pagam multa.

No único processo de transgressão que vi chegar a julgamento, o alegado infractor, consciente de que não cometeu nenhuma infracção, não pagou a multa, exigiu o seu direito e, no dia do julgamento, o agente não apareceu, depois de, devidamente, ser notificado, o infractor foi absolvido.

O Crime — Que diferencia os processos de polícia correccional, sumário, transgressões e querela?

António Pedro Quilulo — O processo de querela é o mais solene, ou seja, o melhor previsto e estruturado no âmbito do Direito Processual Penal. Neles, as penas aplicáveis são superiores a dois anos de prisão, conforme dispõe o artigo 63.º do Código do Processo Penal, reforçado no artigo 55.º, do Código Penal, que refere como penas maiores, as punições de 20 a 24 anos de prisão maior, e de 2 a 8 anos ou demissão, na medida em que processo correccional é utilizado em crimes cuja pena não ultrapassa os dois anos de prisão; esta moldura penal também é aplicável ao processo sumário, pode ser um ano de prisão ou, ainda, a pena de multa de um ano, ou suspensão de emprego até dois anos.

O Crime — Dada a semelhança destes processos, quem pode, efectivamente, escolher se passa ou não para processo sumário ou de polícia correccional?

António Pedro Quilulo — Não pode ser ao sabor do juiz ou do escrivão, escolher se pode ou não um determinado processo ser sumário. A punição dos factos é a condição para caber a forma de processo sumário, faltando um dos requisitos, passa para processo de polícia correcional.

O Crime — Quais são estes requisitos?

António Pedro Quilulo —Para um processo ser sumário, o limite temporal da pena da infracção criminal é de três dias a dois anos; outro é o flagrante delito, dos maiores pressupostos, faz com que o julgamento deixe de ser processo correccional para sumário, porque, uma vez que o infractor é apanhado com a “a boca na botija”, conforme se diz nas comunidades, não há muito que se investigar. Processo de transgressões ou contravenções também é julgado sumariamente, a pena não precisa ser de prisão, podendo o infractor ter a pena de multa. Mas pode ficar provado o contrário.

O Crime — Para terminar, que opinião tem sobre o Jornal O Crime, numa altura em que comemora o 6.º aniversário?

António Pedro Quilulo — É um Jornal que faz um bom trabalho, na medida em que aumenta a consciência jurídica das pessoas, no sentido de poderem pronunciar-se, denunciar e conhecer as vicissitudes do sistema judiciário, bem como os desfechos de factos criminosos.

 

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