“A CULTURA É UM VALOR QUE DIGNIFICA O PAÍS E MERECE SER RESPEITADA E VALORIZADA”

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Para a presente edição, trazemos um artista que, com as suas mãos, não só faz belas artes, como traz as marcas deixadas por um passado de guerra. Mantenha a leitura da história de João Silva, mais conhecido por Mestre Tigre, que prova a todos que talento não tem idade.

Por: Honorina Kiampava

Tudo começa em Maio de 1977, na província do Zaire, aldeia do Yenga, comuna do Kimchimba, município do Tomboco, quando João Silva foi recrutado para ser militante das FAPLA, em Luanda. Foi aqui que fez amizades e, dentro do ciclo de amigos, encontrou artesãos, sendo que alguns colegas, não poucas vezes, fugiam da unidade para aprender com os outros e ele não ficava de fora, até que ganhou o gosto pela arte.

Enquanto primogênito, sentiu a obrigação de fazer mais pela família, pelo que, além do apoio moral, passou a ajudar financeiramente por intermédio da arte. Apesar da dificuldade em aprender o ofício, os seus colegas o encorajavam, dizendo que não havia idade limite para se progredir na vida. “Após ficar doente nas tropas, desertei e passei apenas a ser um artesão”.

Em 1980, João Silva começou a empenhar-se com bastante rigor ao artesanato e, depois de seis meses, fez a sua primeira obra. “O meu mestre foi-me dando, durante aquele período todo, orientações, até um dia eu fazer a minha própria peça. Ele viu o meu desempenho e ficou alegre. Na altura, ele já tinha 23 anos”, conta, com entusiasmo.

Aprendeu o necessário para se tornar num bom artesão e, no dia 30 de Maio de 1982, o seu mestre deu-lhe “poder”, para confeccionar as próprias peças. Entretanto, apesar de ter autonomia sobre a sua criação,  manteve-se sempre leal aos que o ajudaram e nunca deixou de aprender com os mais antigos na profissão, pois entende que “a humildade é o que torna o homem completo… não adianta querer ser mais que os outros”.

Na sequência, deparou-se com a dificuldade de um local estratégico para vendas. “Na altura, não tinha um lugar fixo para vender os meus produtos. Uma vez que a fonte de matéria-prima era o Zaire, confeccionava lá e vinha vender aqui em Luanda”. Para o mestre Tigre, a província do Zaire é o berço da arte, sobretudo o município do Tomboco.

Portanto, cansado do trajecto exaustivo, Zaire-Luanda, o mestre resolveu criar condições para viver, definitivamente, na capital do país, isto aos 26 anos, levando a mulher e os filhos.

“Se eu fosse fraco, já abandonaria essa profissão…”

Em termos de vendas, Mestre Tigre conta que, no passado, quando não havia crise no país, conseguia vender tudo o que fazia, porém, começou a escassez de material e, principalmente, com a pandemia, tudo ficou mais difícil. “Às vezes tenho sorte, por ser já veterano na área, pois há sempre alguém que precisa de qualquer coisa… se eu fosse fraco, já abandonaria essa profissão, mas como não sou, ainda cá estou”, diz, com grande convicção.

O artesão, que se satisfaz com o facto de ter seus trabalhos vendidos, comprados e oferecidos por pessoas renomadas, conta que um dos momentos mais altos da carreira foi o facto de o ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, ter oferecido uma das suas peças ao presidente do Botswana. “Para mim aquele foi um dos melhores momentos da minha vida!”.

Trabalhando por conta própria, há mais de 30 anos, Mestre Tigre já teve parcerias com diferentes pessoas, tendo exposto os seus trabalhos no Hotel Trópico e feiras no centro da cidade, pelo que é na cidade que almeja ter a sua própria oficina, pois acredita que “lá as pessoas sabem o verdadeiro papel das artes”. Todavia, por falta de condições, ainda trabalha em casa, localizada no bairro Boa Esperança, no distrito do Kicolo.

Apesar das dificuldades, o artista, que sempre manteve a cabeça erguida, sorriso no rosto e Deus no controlo de tudo, afirma que é possível viver de arte em Angola, já que, “desde que saí da tropa, não fiz outra coisa, a não ser o artesanato”, mas reconhece que a arte, actualmente, está a perder o terreno.

Para João Silva, a classe artesanal vive um completo abandono. “A cultura é um valor que dignifica o país e merece ser respeitada e valorizada, sempre fomos marginalizados, excluídos, maltratados, por sermos zairenses. Naquela época não existia Ministério da Cultura, era Secretaria de Estado para a Cultura, mas, mesmo assim, não desistimos e estamos aqui, firmes e fortes”.

 “Mesmo aquele que não estudou pode tornar-se um bom artesão, o Governo precisa olhar para nós com mais amor e respeito, ainda há muita diferença entre um iletrado e um académico, claro que os dois não vão ter o mesmo salário, mas ambos merecem respeito”, defende.

As peças feitas por Mestre Tigre não têm um preço fixo, pois tudo depende do material a usar, do local a ser vendido e do tamanho. “Por exemplo, uma estátua que representa uma mulher angolana, com tranças de linha, com uma altura de, aproximadamente, dez centímetros, numa exposição, venderia a AKZ 25.000 ou 30.000, mas no bairro pode ser vendida a AKZ 18.000”, diz, acrescendo que as peças menores podem custar AKZ 4 a 5.000,00.

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