Entre Janeiro a Outubro do ano passado: REGISTOU-SE MAIS DE CINCO MIL CASOS DE VIOLÊNCIA CONTRA MENORES

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 Todos os dias, ouve-se histórias horrendas de crianças maltratadas. Medidas que possam aumentar a eficácia da protecção dos menores pelo Estado são urgentes, ante os dados registados, segundo o director do Instituto Nacional da Criança, Paulo Kalesi.

Honorina Kiampava

Weza de Andrade, nome fictício, de 16 anos, é filha única de pais separados. Por falta de condições, sua mãe deixou-a sob responsabilidade do  pai, sem saber o mal que isso causaria à adolescente. “Quando a minha mãe vivia connosco, ele comportava-se bem, por ser a única filha, recebia todos os mimos que uma criança merecia, mas depois da separação deles, a minha vida tornou-se num inferno”, começa por desabafar, avançando que o pai a agredia sempre que tivesse vontade ou quando chegasse à casa embriagado. 

No seu aniversário, Weza foi passar o dia com os primos que viviam com a mãe, a quem não via há algum tempo. De regresso, quando eram 19 horas, tinha a esperança de não encontrar o pai. “Ele não me deixava sair de casa, nem mesmo para visitar a minha mãe, e naquele dia foi uma oportunidade de vê-la, depois de tanto tempo. Quando cheguei, ele pediu que eu tirasse a roupa, achei estranho, recusei e fui para o meu quarto”. 

“Seguiu-me, arrombou a porta e rasgou a minha roupa, foi aí que perdi a minha virgindade. O sexo oral foi a pior parte… eu via nos olhos dele o prazer que sentia toda vez que colocasse o pénis na boca, foi o pior momento da minha vida, gritei por socorro, mas ninguém ouviu o meu clamor”, conta, visivelmente destroçada.

Depois de tal barbaridade, conta Weza, agrediu-a fisicamente, resultando na perda de alguns dentes. “Parecia que tudo havia terminado, mas não, resolveu bater-me, pois, segundo ele, não fui boa o suficiente na cama… ele  queria mais  acção e menos choro”.

Sem alternativa, resolveu contar tudo à mãe naquele mesmo dia, até que foi possível colocá-lo na prisão. Porém, refere, as lembranças continuam a atormentá-la, não obstante as terapias que a mãe empreendeu com a ajuda de profissionais, que trouxeram resultados contrários, ou seja, sempre que as tivesse, mostrava comportamentos agressivos, principalmente quando via homens na rua. Não permitia que nenhum homem a tocasse, mesmo que fosse seu familiar, as marcas do passado tornaram-na fria, amarga e solitária.

Após várias tentativas de cura, Weza sentia-se atormentada e decidiu fugir de casa, para viver na rua. “Sei que a minha mãe não merecia isso, mas eu não conseguia lidar com o meu medo… ela morreu de desgosto há um ano, sinto-me culpada, não me despedi dela devidamente, nada sei sobre o meu pai, desde aquele episódio, já não  nos vimos”, sublinha.

Hoje, Weza pede esmolas nos mais diversos pontos de Luanda e, apesar de tudo por que passou, diz ter perdoado seu progenitor, desejando que encontre paz onde quer que esteja. “Perdoei, mas não esqueci. Deus é quem tem o poder para julgar, então que ele  seja feliz!”, exprimiu.

Assim como Weza, muitas crianças e adolescentes passam pela mesma situação e, por medo, acabam ficando caladas para não se sentirem expostas ou julgadas pela sociedade, e outras se refugiam na rua. Em busca de histórias, a equipa de reportagem do O Crime foi ter com meninos que engraxam calçados para obter algum lucro. 

Encontramos Pedro Sebastião, de apenas 9 anos de idade, que nos contou que, para fugir das surras do padrasto, é obrigado a trabalhar, todos os dias, para levar sustento à casa. O pequeno começou a actividade aos 7, quando, ao apreciar o seu falecido pai a limpar sapatos, aprendeu a técnica e teve de empreendê-la, após a mãe se casar com um homem violento, que se aproveita da sua inocência para obter vantagens.

“Ele nunca gostou de mim, sempre falava mal do meu pai e a minha mãe não conseguia responder, se não, seria espancada. Quando descobriu que sei engraxar sapato, resolveu pôr-me a trabalhar. De manhã vou à escola, tão logo deixo os meus materiais em casa, tenho que sair para vir trabalhar”, teceu o pequeno, revelando maturidade precoce. 

O menino que sonha ser médico diz não entender o ódio gratuito que o padrasto sente e todos os dias vê a sua mãe a chorar pelos cantos, arrependida por se ter casado com aquele. “Já falei com a minha mãe para procurarmos outra casa, mas ela não quer, diz que este aí é o nosso lar”. 

Casos como estes são só uma gota no oceano de ocorrências no país. Segundo o director do  Instituto Nacional da Criança (INAC), Paulo Kalesi, as estatísticas sobre violência doméstica infantil tendem a aumentar. “Todos os dias chegam até nós denúncias sobre agressão física, não só de menores, mas também de mulheres que são vítimas dos seus maridos”.

 “Foram registados mais  de cinco mil casos de violência contra menores no país entre Janeiro e Outubro do ano passado. A pandemia também trouxe consigo o  aumento de  casos de violência doméstica, tema que o Ministério da Acção Social, Família e Promoção da Mulher (MASFAMU) tem vindo a estudar e procurar meios  para erradicar definitivamente, junto das autoridades competentes, neste caso a PNA”, referiu.

Paulo Kalesi apela a todos o bom senso e humanismo para com as crianças. “Criança hoje, homem amanhã, não vamos frustrar aqueles que têm tudo para brilhar e levar o país adiante”, disse, acrescendo que as medidas de protecção da criança, sobretudo pelo Estado, precisam ser cada vez mais fortes.

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