Jornalistas angolanos consideram-se perseguidos pelas autoridades e realizam protesto
Um grupo de quatro jornalistas angolanos realizou, em Luanda, junto das instalações da Procuradoria-Geral da República, um protesto para denunciar alegadas “perseguições” judiciais contra os profissionais de comunicação social em Angola.
Fonte: Lusa
De cartazes em punho, com os dizeres: “Basta! Investiguem os Procuradores e não os Jornalistas”; “Jornalistas não Roubam o Povo”; “Perseguir Jornalistas é Oprimir a Sociedade” e “Abaixo as Perseguições contra os Jornalistas”, Coque Mukuta, da `Voz da América`, Lucas Pedro, do `Club-K`, Jorge Neto, do jornal `O Estado News`, e Escrivão José, do `Jornal Hora H`, permaneceram no local cerca de uma hora.
Em declarações à agência Lusa, o jornalista Lucas Pedro, do site de informação “Club-K”, notificado a responder em, pelo menos, três processos, disse que o objectivo foi contestar uma série de processos que a Procuradoria-Geral da República, através do Serviço de Investigação Criminal, tem feito nos últimos tempos.
“Só no mês transacto, que é da liberdade de imprensa, vários jornalistas angolanos em Luanda, foram intimados quase no mesmo dia para responder a inúmeros processos, todos eles sobre difamação e calúnia”, disse Lucas Pedro.
Segundo o jornalista, ainda que os factos denunciados sejam reais e “com provas documentais, é sempre considerado difamação pública e calúnia”.
Escrivão José disse que tem recebido várias vezes mensagens anónimas com ameaças de morte, tendo já denunciado o facto ao Serviço de Investigação Criminal, que garante que vai encontrar essas pessoas, mas “nunca esse processo andou”.
Lucas Pedro considerou que a liberdade de imprensa e de expressão em Angola neste momento “é volátil”, lembrando que, inicialmente, com a assunção do poder pelo Presidente angolano, João Lourenço, em 2017, “havia uma certa abertura a nível da imprensa”.
“Mas de 2017 para cá há, um declínio de 200%, porque deteriorou-se a liberdade de imprensa. A partir do momento que o Estado começou a chamar a si os órgãos de comunicação social, criados com dinheiro de corrupção … As suas linhas editoriais passaram a ser iguais à da TPA, Televisão Pública de Angola, todo o mundo vê hoje a linha editorial da Zimbo, todo o mundo vê o que a Rádio Nacional faz, a Angop é o órgão mais coerente, reconheço, mas os restantes são de lamentar, não se faz mais jornalismo como deve ser”, disse.
Questionado se receia que o órgão que representa venha a ser encerrado, Lucas Pedro disse acreditar que sim, “porque o `Club-K` nunca correspondeu às expectativas do Estado”.
Por seu turno, Coque Mukuta disse que o grande objectivo do protesto foi manifestar às autoridades que os jornalistas não são os culpados dos problemas que vêm acontecendo no país: “Há pessoas que devem ser investigadas, e não os jornalistas”.
“Nós somos sete jornalistas com processos nesta altura em curso, a sermos investigados, eu já tenho 13 processos-crimes na PGR e é preciso que a PGR perceba que a actividade jornalística, tal como a deles, é de boa-fé, nós não estamos aqui a perseguir ninguém”, salientou.
Coque Mukuta considerou inaceitável que a PGR continue a “atrapalhar” a vida e o trabalho dos jornalistas, considerando que “quando se intimida o jornalista, certamente intimida-se a sociedade”.
Tendo em conta a aproximação das eleições gerais em Angola, em 2022, o jornalista angolano considera que a intenção do Governo de “colocar medo às populações” é maior.
“Os jornalistas não podem falar, imagine você. Esse é o grande objectivo das autoridades angolanas e como resposta (…) decidimos vir aqui fazer um acto de protesto e dizer à Procuradoria-Geral da República que não somos corruptos. Devem investigar os corruptos, devem ver os procuradores que estão envolvidos em processos e não os jornalistas”, sublinhou.
De acordo com Coque Mukuta, a maioria dos jornalistas estão a ser processados por pessoas ligadas ao poder político, pessoas que “conseguem influenciar um procurador, que, quando quer, abre um processo contra o profissional”.
Para Coque Mukuta, a liberdade de imprensa e de expressão em Angola “não está nada boa” e as vicissitudes que viveu no passado são as mesmas de agora.
Com o encerramento de vários órgãos privados nos últimos tempos, Coque Mukuta disse que a população está agora refém de uma informação “que convém ao poder político”.
“Manipularam, receberam os órgãos todos, fizeram os órgãos todos reféns e agora vão atingindo os jornalistas que lhes parece com maior liberdade, para acabarem de cilindrar quase todos e esse é o grande objectivo deles”, disse.
Já o jornalista Escrivão José, director do `Jornal Hora H`, com mais de 20 notificações, todas por calúnia e difamação, disse que pretendeu alertar o Governo para parar com a perseguição aos jornalistas.
“Todas essas notificações são de governantes angolanos e são mais para intimidar. Quando somos chamados a responder apresentamos as provas, muitas vezes as fontes que dão o rosto são chamadas e tudo não passa de intimidação”, disse.
“Queremos que investiguem os governantes corruptos, que desgraçaram este país, os que roubam o dinheiro, o erário e não os jornalistas. Tenho uma notificação a responder no dia 17 de um governador que, alegadamente, havia desviado dinheiro para abastecer água numa determinada região e estarei lá”, referiu.
Escrivão José disse que tem recebido várias vezes mensagens anónimas com ameaças de morte, tendo já denunciado o facto ao Serviço de Investigação Criminal, que garante que vai encontrar essas pessoas, mas “nunca esse processo andou”.
Por sua vez, Jorge Neto, jornalista do jornal `O Estado News`, disse que é alvo de três processos-crimes, que vê como uma forma de intimidação do seu trabalho, mas garantiu que isso não vai fazer parar o trabalho, “que é formar e informar as comunidades sobre aquilo que se passa no país”.
Na sua opinião, a liberdade de imprensa e de expressão no país deu mostras nos últimos tempos de estarem a subir, “mas os últimos sinais” indicam que essa tendência se inverteu.
“Se tivermos em conta o número de jornais que circulam, o número de rádios que temos, e as que temos são todas ligadas ao poder político, são poucas independentes e o mesmo com os jornais, logo, isto é um sinal claro de que temos uma fraca liberdade de imprensa”, realçou.
Sobre o possível desfecho desses processos-crimes, Jorge Neto disse que é difícil prever, “porque a justiça em Angola ainda anda atrelada ao poder político”.
“Isso ainda é um enigma, vamos continuar a lutar pelas nossas liberdades e direitos, que é de informar”, acrescentou.
Além dos quatro jornalistas que hoje protestaram outros três profissionais estão a ser alvo de processos judiciais relacionados com matérias divulgadas nos seus órgãos: Mariano Brás, do jornal `O Crime`, Carlos Alberto do `Portal A Denúncia` e Liberato Furtado da `Rádio Luanda`.
Recentemente, o jornalista Francisco Rasgado chegou a ser detido no âmbito de um processo-crime por difamação e injúria movido pelo antigo governador provincial de Benguela, Rui Falcão, tendo sido posteriormente absolvido.