Sindicato dos Médicos: PROMETE RESPONSABILIZAR CIVIL E CRIMINALMENTE PNA E O GOVERNO ANGOLANO PELA MORTE DE SÍLVIO DALA
Continuam as reações em torno da morte prematura do médico Sílvio Dala, de 35 anos, ocorrida no passado dia 1 do mês corrente, supostamente no interior de uma unidade policial. Entretanto, enquanto a PNA nega as acusações que pesam sobre si, o Sindicato dos Médicos de Angola (SINMEA) promete intentar uma ação judicial contra a corporação e responsabilizar o Governo angolano pelos danos morais causados à família da vítima.
Por: Costa Kilunda
A morte deste profissional de saúde, em circunstâncias ainda por se esclarecer, tem gerado vários debates, quer na media convencional, quer nas redes sociais. Entretanto, muitos apontam o dedo ao modus operandis da Polícia Nacional que, desde Março último, altura em que se decretou o Estado de Emergência em Angola, para conter a propagação da Covid-19, já enlutou várias famílias.
A corporação, diga-se, tem sido o elo mais fraco do governo angolano na luta contra o novo coronavirus, tendo em conta os excessos praticados pelos agentes na fiscalização ao cumprimento das medidas impostas por lei. E a morte do médico Sílvio Dala, depois de ser actuado por efectivos da Polícia por transitar na via pública, dentro da viatura pessoal, sem o uso da máscara facial, como determina o Decreto Presidencial sobre o Estado de Calamidade Pública, veio destapar o véu sobre todos estes males.
Segundo apurou o ‘O Crime’, o não uso de máscara por parte de Sílvio Dala deveu-se ao facto de ele ter passado mais de 60 horas de trabalho na noite anterior à sua morte. Ou seja, foram cerca de três dias ininterruptos no Banco de Urgência do Hospital Pediátrico David Bernardino, sendo que, durante a sua estada naquela unidade sanitária, o uso da máscara facial e outros utensílios adaptados ao seu trabalho é muito mais severo neste período de pandemia.
“Logo, é normal que uma pessoa que usou máscara neste período todo queira retirá-la para respirar melhor, principalmente quando está no interior da sua própria viatura”, afirmou Adriano Manuel, médico e presidente do Sindicato dos Médicos de Angola.
Depois de levado à unidade policial, conta, o malogrado, que também era director Clínico do Hospital Provincial do Cuanza-Norte, informou aos colegas e familiares no sentido de os tranquilizar, com a mensagem por telefone de que “tinha tudo sob controlo”.
“Para o nosso espanto, por volta das 18 horas, o doutor Sílvio deixou de ter contacto quer com a família quer com os colegas”, refere o líder sindical, para depois acrescentar que no dia seguinte receberam a informação da morte do colega.
Causas da morte versus contradições da PNA
Para Adriano Manuel, presidente do Sindicato dos Médicos de Angola (SINMEA), a comunicação veiculada pela PNA, por via da Televisão Pública de Angola, que dava conta da suposta causa da morte do seu filiado é falsa e não tem fundamento. “Ninguém sentado, a desfalecer, tem uma queda aparatosa, tal como o ventilado pelo Comissário Waldemar José, porta-voz do MININT, tem estado a falar, ao ponto de lhe causar ferimento na cabeça”, entende.
“A Polícia diz que ele, o falecido, não foi colocado numa cela, ou seja, esteve no quintal da Esquadra. No entanto, naquilo que observamos e dentro das informações que tivemos acesso, aquele quintal é de terra batida e o doutor Sílvio não teve indícios de que tenha caído na areia”, explicou Adriano Manuel.
Por outro lado, Adriano Manuel fez saber que, enquanto o porta-voz do MININT fala em “queda aparatosa”, as autoridades da referida unidade policial contaram que “Sílvio Dala teve uma crise de convulsão”. Entretanto, o síndico afirma não ser inverdade o Comissário Waldemar José dizer que o falecido teve apenas algumas escoriações.
“O que também lamentamos e repudiamos é a forma como o comissário minimizou as lesões apresentadas pelo nosso colega. Ele disse que havia algumas escoriações, MENTIRA! Porque aquilo que nós vimos foi uma ferida incisa na região da cabeça e com a roupa ensanguentada”, elucidou, acrescentado que altos funcionários do Hospital do Prenda verificaram que a viatura que transportou o cadáver até àquela unidade sanitária tinha, igualmente, vestígios de sangue.
Para a fonte, por todas essas evidências, o Sindicato e a família enlutada estão a trabalhar para que o caso vá a tribunal.
Autópsia realizada por funcionários e legistas da PNA
Apesar de ser realizada na presença dos familiares da vítima, que nada entendem sobre Medicina ou lesões moleculares, o trabalho contou apenas com médicos legistas e funcionários da PNA. Porém, uma médica especialista em Medicina Patológica, afecto ao Hospital Pediátrico David Bernardino, apenas lhe foi permitida a entrada no local da autópsia quando o trabalho já estava em fase final.
“Logo, o resultado que dá conta de enfarte do miocárdio como a provável causa da morte pode suceder pós-morte”, explica, sublinhando que “não significa que aquilo é o diagnóstico final. Achamos que o que pode ter acontecido com o nosso colega reside no facto de ele sangrar muito”. E, por essa razão, prosseguiu, “provavelmente no choque hipovolêmico com um défice de oxigenação no organismo e por via disso o coração foi afectado e levado ao enfarte agudo do miocárdio”, clarificou.
Todavia, falou, não se deve descourar a possibilidade de Sílvio Dala ter morrido em consequência de um traumatismo crânio-cefálico. Daí que, perante tais evidências, o sindicato e a classe médica em geral não concorda com o resultado da autópsia realizada pela Polícia. “Não podemos concordar, porque aquilo é simplesmente um achado que foi encontrado, mas não significa que é a causa principal da morte”, disse.
No seu entender, a autópsia deveria ser realizada por um grupo de médicos legistas independentes. “Se quisessem ser verdadeiros, a equipa de legistas não deveria ser da Polícia. E se tivesse que ter legistas da Polícia deveriam ser especialistas em anatomia patológica, cardiologia e traumatologia, para estarem presentes e acompanharem a autópsia, mas não aconteceu, por isso, não devemos concordar”, atestou.
“A TPA manipulou as minhas informações… por isso vamos intimá-la judicialmente”
Adriano Manuel fez saber, ainda, que o sindicato pretende responsabilizar o governo angolano por ter aprovado uma lei (agora banida) sobre o uso da máscara facial que não tem evidências científicas, bem como a PNA, no sentido de se responsabilizar pelos filhos do falecido até à sua formação.
Ainda sobre o facto de o governo angolano ter tornado público uma lei “sem evidências científicas”, o PhD da Universidade Agostinho Neto e do Hospital-Universidade Américo Boavida, Carlos Manuel, falou que há desconhecimento, por parte das autoridades, na implementação da medida.
“Não conheço nenhum estudo científico que prove o risco público de uma pessoa isolada constituir risco agravado de transmissão da virose. Por outro lado, tendo as autoridades sanitárias, embora tardiamente e com reflexos bastante negativos para as finanças públicas, admitir finalmente o isolamento dos infectados não doentes, isto é, assintomáticos, revela-se haver obscurantismo na implementação das medidas”, disse.
Aliás, “quando essas medidas terminam em tragédia podem conformar-se, no mínimo, em homicídio premeditado”. Para este docente, a justificação da PNA sobre a morte do jovem médico, Sílvio Dala, é, no mínimo, estranha, por não haver credibilidade que se esperava para tranquilizar a sociedade.
Para ele, o que foi considerado pelo representante das forças castrenses está muito aquém das circunstâncias, aparentemente estranhas, em que ocorreu o óbito. “Por ter sido um documento policial, seja, talvez, por inerência, escasso e passivo de incredulidade em pormenor técnico, sobretudo no diagnóstico pós-morte, indispensáveis para elucidar a comunidade médica e tranquilizar a sociedade sobre a inocência das autoridades presentes no momento ou envolvidos na tragédia do jovem clínico”, referiu.
“A TPA, no seu noticiário do dia 4 do mês corrente, manipulou as minhas declarações com o objectivo de fazer crer à opinião pública que eu, Adriano Manuel, concordara com a ideia de que o nosso colega não falecera dentro da Esquadra. Isto não é verdade, foi uma manipulação e a TPA não passou aquilo que era mais importante, que são as contradições da Polícia. Por isso, nós, a qualquer altura, vamos escrever e intimar judicialmente a TPA por esse acto”, adiantou.
Referir que o médico e clínico geral se encontrava na capital já há um ano para onde veio com o objetivo de fazer uma formação de quatro anos, na especialidade de pediatria. O defunto foi a enterrar na sua terra natal, Cuanza-Norte, no passado sábado, dia 5.
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Referenciar também que a PNA fez sair um comunicado, na segunda-feira, 07, que dá conta da suspensão dos agentes envolvidos na detenção do falecido médico. Ainda na sequência deste caso, o CPL abriu, igualmente, sindicância contra os agentes envolvidos na detenção para apurar as reais causas da morte, e, segundo o seu comandante, Eduardo Cerqueira, os mesmos estão suspensos até ao final da averiguação.
Além da suspensão e sindicância deste comando, o MININT abriu um inquérito e um processo-crime que já corre os trâmites na Procuradoria-Geral de República (PGR).