Sobre financiamento de manifestações por Isabel dos Santos: “NÃO HÁ DINHEIRO DE GATUNOS NOS EVENTOS EM QUE PARTICIPO”

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Laura Macedo disse, em entrevista a este jornal, que sempre achou que João Lourenço seria um péssimo presidente da República. A activista, também julgada após a manifestação de 24 de Outubro, aconselhou os agentes policiais a reflectirem, cada vez que tiverem que levantar o porrete para bater em alguém, pois muitos vivem, igualmente, “em estado de indigência, como o resto da população” e “não são pagos para bater”.

Inácio Manuel

Crime: Quem é a Laura Macedo?

Laura Macedo: Sou mãe, uma angolana interessada em ver os seus concidadãos a viverem de acordo com as riquezas que Angola produz.

O Crime: A forma como se entrega a esta luta não coloca em risco a família?

Laura Macedo: Não, não coloco em risco ninguém que esteja ligado a mim. A minha família e os amigos apoiam-me, embora que, alguns, de forma calculada. Mas eles sabem que a minha luta é a certa.

O Crime: É verdade que pertenceu às Forças Armadas Angolanas?

Laura Macedo: Nunca fiz parte das FAA, estive na direcção de logística militar e, dado o meu espírito de querer ver as coisas de perto, acabei por trabalhar em postos de comando de operações militares.

O Crime: Para si, o surgimento de vários grupos revolucionários está a dividir ou a unir o movimento?

Laura Macedo:  Começa a aparecer muita interferência externa nesses movimentos, para desconectá-los, isto é muito triste… os nossos jovens estão muito vulneráveis e acabam por ceder a algumas pressões, chantagens e aliciamentos de pessoas e organismos que não são de bem.

Há gente a demarcar-se de coisas (manifestações) que nunca lhe foram apontadas, nunca alguém disse que era partícipe. Portanto, este comportamento leva-me a crer em forças contrárias que querem a desconexão dos jovens. Por isso, digo a estes: a luta que estamos a encetar, nos vários campos, é de todos nós. Ainda estamos juntos.

O Crime: A quem se refere, concretamente?

Laura Macedo: Falo de jovens das plataformas, os conheço bem, que, sem ter nada a ver com a manifestação, apareceram na Televisão Pública de Angola a demarcarem-se, quando nunca nenhum dos organizadores veio a público dizer que eles eram co-organizadores. Isso é muito estranho para mim. Se você não me acusa, por que me hei-de demarcar?

O Crime: A luta pela realização das autarquias em Angola pode, no seu entender, trazer grandes melhorias nos vários aspectos protestados durante as manifestações?

Laura Macedo: As autarquias podem sim trazer muitos benefícios, trata-se do facto de o cidadão poder eleger quem vai dirigir o seu município, o que eu ponho, eu tiro. Esta é uma das vantagens.

Não podemos querer melhoria das condições de vida da população e esquecermo-nos de que Edeltrudes Costa é corrupto assumido, com vários negócios ilícitos, mas continua a ser o director do gabinete do senhor presidente da República. Não podemos dissociar a falta de eleições autárquicas da corrupção.

O Crime: Recebem algum apoio para realizar as manifestações?

Laura Macedo: Não.

O Crime: E quanto ao alegado financiamento da engenheira Isabel dos Santos?

Laura Macedo: Isso é conversa para boi dormir. São os tais grupos e pessoas que nos querem tirar a credibilidade. É, completamente, impossível que eu e todas as pessoas a quem me alinho, para promover manifestação, recebamos apoio de Isabel dos Santos. É igual a Manuel Vicente, José Pedro de Morais, Edeltrudes Costa e tantos outros, inclusive o senhor Presidente da República, que, também, beneficiou da acumulação primitiva de capitais promovida pelo governo de José Eduardo dos Santos.

Eu combato isso, não sou como outras pessoas que recebem apoios de quem devia ter sido despido dos seus dinheiros que, na verdade, são do povo angolano. Não posso querer usar, nesta luta, dinheiro público. Nós próprios contribuímos, quer para fazer um panfleto ou para arrendar as salas para debate. Não há dinheiro de gatunos metidos nos eventos em que participo.

O Crime: Enquanto activista, já recebeu algum apoio de ONG ou instituições estrangeiras?

Laura Macedo: O que nós temos recebido é apoio moral de organizações de defesa de direitos humanos, de alguns deputados europeus, de cidadãos de outros países e de angolanos na diáspora. Entretanto, não andamos a reboque de ninguém no exterior, mas das nossas ideias e vontades.

O Crime: Acha que houve, por parte da UNITA, aproveitamento político por meio da participação na manifestação?

Laura Macedo: Claro que deve haver aproveitamento político. O que se quer é mudança política. Porém, não há benefício pessoal, se fosse para isso, estaria em casa a brincar com o meu filho e com os meus cães.

O Crime: O facto de ter sido julgada após a manifestação de 24 de Outubro, levou-lhe a alterar a estratégia das suas lutas?

Laura Macedo: A minha visão sobre os factos continua a ser a mesma, mas isto alertou-me a ter um pouco de prudência e mais nada. Uma coisa é certa: não vou deixar de lutar, pelo contrário, deu-me muito mais força. Desta vez, passei pelo que os outros jovens passaram.

“No dia 10, não sairemos às ruas por ser o dia do MPLA”

O Crime: Como é que caracteriza a manifestação do dia 11 de Novembro?

Laura Macedo: Foi a aberração que foi, com a Polícia, mais uma vez, a contramanifestar-se, a mostrar que não estava ali para nos dar rebuçados e chocolates. Há vídeos captados nas esquadras, com os comandantes a incitarem a violência, isso é horrível.

Mais uma vez, digo aos agentes: a Polícia não é do MPLA, é do povo angolano. Somos nós quem pagamos o salário deles. Muitos agentes vivem em estado de indigência, como o resto da população, e eles que reflictam, cada vez que tiverem que levantar o porrete para bater em alguém, seja nas manifestações, nos mercados ou nas ruas, pois eles não são pagos para bater.

O Crime: Que comentário faz sobre a morte de Inocêncio de Matos?

Laura Macedo: Olhem bem para a fotografia que a televisão passou e digam-me se aquele corpo que aparece com a cabeça enfaixada é de alguém que esteja vivo… A posição dos olhos é a mesma que quando estava a ser transportado para o hospital. Tenho a certeza que houve manipulação para tentar convencer as pessoas que ele estava vivo. A Polícia matou o jovem e deve ser responsabilizada por isso. Ele foi atingido por uma bala na cabeça, foi um disparo direccionado. Hoje as pessoas morrem por balas de borracha!

O Crime: Critica-se as condições do bairro São Pedro da Barra, onde o jovem vivia, pelo facto de algumas empresas petrolíferas operarem na zona, mas não contribuírem para o seu desenvolvimento. O que pensa disso?

Laura Macedo: Empresa nenhuma de gatuno assume a responsabilidade social, não há, em Angola, empresa que faça isso, porque os donos são ministros, governadores e conselheiros do Presidente da República. São eles que fazem as leis. Quem lhes vai obrigar a cumprir com esta obrigação? O lixo dos musseques devia estar na cidade…

O Crime: Já sofreu ameaças de morte?

Laura Macedo: Não… E digo-lhe com toda sinceridade: essas ameaças, que algumas pessoas dizem estar a sofrer, deixam-me em dúvida, porque, depois, são incapazes de apresentar uma queixa ou mostrar as mensagens de ameaças. Neste momento, Angola tem condições para aceder às informações dos nossos telemóveis. Qual é a dificuldade de apresentar uma queixa e exigir que a Polícia descubra quem foi o autor da ameaça? Se algum dia sofrer ameaça, farei isso.

O Crime: Que avaliação faz do governo de João Lourenço, comparativamente ao seu antecessor?

Laura Macedo: O presidente João Lourenço está a governar ou a governar-se a si e aos seus? Para mim, não está a governar o povo angolano. Quando um presidente da República está preocupado em fazer uma biblioteca e uma clínica dentária, na casa e com dinheiro que não é dele, e continua a deixar milhões de cidadãos sem esgoto, a viver em cima dos dejectos, claramente, não está a governar.

Se o Presidente da República quiser ler, compre um livro com o dinheiro do seu salário e não monte uma biblioteca com o dinheiro do povo, que está em indigência. Ele que largue o poder e trabalhe para construir uma clínica com o dinheiro do seu esforço.

O Crime: Que presidente a Laura Macedo esperava, quando foi apresentado o programa de governação do MPLA?

Laura Macedo: Quem me conhece sabe que eu nunca confiei em João Lourenço, nunca! Sempre achei que João Lourenço seria um péssimo Presidente da República, porque foi ele que fez com que José Eduardo dos Santos chegasse a ser anunciado como nosso antigénio. Quem promoveu o ex-presidente foi a era de João Lourenço, na comunicação, imagem e propaganda do MPLA. Vão ver as datas. Eu nunca poderia achar que este senhor fosse um presidente para os angolanos.

O Crime: Em que Angola sonha viver?

Laura Macedo: Eu sonho viver numa Angola de todos os angolanos. Não quero ver insectos nem desarrumados, não quero ver crianças sem uma escola em condições (com água e luz) e sem professores à altura.

Já não sou jovem. Lembro-me, enquanto estudante, de ter professores em condições e escolas nas aldeias. Os pais eram castigados quando os filhos não fossem às aulas. Prefiro que se volte a esse tempo, que se formem professores à altura e não os que temos hoje. Os livros são importados a preços malucos e trocados em cada ano. Na minha casa, os livros passavam dos mais velhos para os mais novos. Hoje, nenhum pai consegue fazer isso, porque alguém no Governo angolano quer ganhar dinheiro com livros novos.

O Crime: É por estas e outras situações que irá participar na manifestação prevista para 10 de Dezembro, no dia de celebração do aniversário do MPLA?

Laura Macedo: A escolha do 10 de Dezembro, para os promotores da manifestação, foi por ser o Dia dos Direitos Humanos. Sairemos às ruas, não por ser o dia do MPLA, é a indigência contínua que me faz lutar por Angola.

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