Tribunal sob suspeita de beneficiar criminoso: Há provas mais do que suficientes para julgar o caso Chinho

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Após a publicação, na edição anterior, do artigo sobre o arquivamento do processo-crime por alegada insuficiência de provas, conforme a juíza do caso, Elizabeth Katila Augusto, O Crime apurou que, afinal, existem elementos suficientes para que, no mínimo, o suposto assassino vá a julgamento.

No processo a que tivemos acesso, na sequência de um trabalho de investigação, constam, entre outras provas, duas testemunhas oculares que reconheceram Sérgio de Jesus Abílio Lendes como sendo o autor dos disparos que causaram a morte do ex-jogador João dos Santos de Almeida, “Chinho”.

Igualmente a partir de uma janela vidrada com películas pretas, a testemunha reconheceu, facilmente, o quinto elemento,  Sérgio de Jesus Abílio Lendes, como sendo a pessoa que efectuou os disparos que assassinaram o ex-jogador do Petro de Luanda e internacional da selecção angolana.

Há também  um declarante, identificado por Mário dos Santos Neto, comparsa de Sérgio em outros crimes, que disse em que o acusado era o assassino do antigo futebolista do Petro de Luanda.

Admitindo que estes detalhes sejam insuficientes, não se deve perder de vista o álibi usado pelo arguido para justificar que no dia do crime estava num outro local. Foi, como vemos adiante, desmascarado por uma clínica idónea  citada por ele como a unidade sanitária onde estava internado.

Apesar destas combinações de factores, o tribunal não avança com o julgamento e coloca em liberdade o suspeito, num gesto equiparado a sinal de perigo para a sociedade.

Os familiares do ex-jogador de futebol João de Almeida dos Santos lutam por justiça desde o dia 8 de Julho de 2019, dia do assassinato cruel protagonizado por dois marginais que se faziam transportar numa motorizada, no município de Viana.

Dois anos depois, com a investigação concluída e o processo em tribunal, a juíza da causa, Elizabeth Katila Augusto, arquiva o caso, sob alegação de insuficiência de provas. Entretanto, dados do processo-crime  nº 8141/019-DH podem contrariar a posição da juíza.

Testemunha nº 1º

“Foi o Sérgio quem matou o Chinho”

Neste processo é notório o desempenho dos efectivos do SIC na perspectiva do esclarecimento do caso.

No mesmo dia da ocorrência, os especialistas do Serviço de Investigação Criminal (SIC) ouviram,

nas suas instalações, a jovem Elsa da Conceição Joaquim Capita, com 30 anos de idade à data dos factos, na condição de testemunha ocular, uma vez  que a mesma se encontrava no interior da viatura em que seguia o malogrado.

Ouvida pelo sub-inspector Paulo Paca, explicou que naquele fatídico dia, por volta das 10 horas, saia do serviço, concretamente do edifício U4 da Centralidade do Kilamba, de onde apanhou um táxi que ia ao Calemba II. Depois de ter chegado às imediações do Projecto denominado “Nandó”, foi caminhando até à entrada do Projecto, onde surgiu uma viatura de cor preta, cuja marca desconhecia, tendo pedido ao uma boleia ao automobilista, o réu, no  caso. Já a bordo, informou ao motorista que  pretendia ficar nas bombas da Pumangol, mas o seu pedido não foi aceite. A declarante disse ter ouvido parte da conversa, ao telefone, que Chinho manteve com o cidadão que estava ao lado de si.

“Está tudo bem? Passa pelo meu escritório para buscar a encomenda. Eu estou muito chateado contigo, a senhora já está lá à espera no espaço e tu não apareceste lá. Passa que eu te aguardo no escritório”, dizia, na ocasião, antes de ter desligado a chamada, o malogrado, citado pela jovem.

Depois, como conta a testemunha, Chinho procurou saber por que razão se encontrava, aparentemente,  muito séria, tendo ela respondido que já era a sua maneira de ser.

Questionada se  achou que tinha de descer da viatura ao lado da esquadra móvel, por não se sentir à-vontade e por Chinho ser uma pessoa estranha, conta que pediu para ficar naquele local, algo que não aconteceu, ainda que não se sentisse em condições.

A escassos metros da esquadra móvel, surgiu uma motorizada, cujas características não soube dizer, com dois homens que os interpelaram. A motorizada foi equiparada, no que toca ao tamanho, a um cavalo.

O “pendura” desceu, tirou o capacete e dirigiu-se a Chinho, que era um homem estupefacto por desconhecer o que o individuo falava.

Ordenou que o ex-jogador abrisse a porta da viatura, tendo este rejeitado, pelo que o elemento que o abordava afastou o casaco, sacando da cintura uma pistola. Ao ver este movimento estranho dos meliantes, Elsa colocou-se em fuga e quando se achava a cerca de vinte metros do local onde o malogrado tinha sido interpelado viu o meliante efectuar dois disparos em direcção ao pára-brisas. Os acusados pegaram na motorizada e colocaram-se em fuga.

Quanto às caraterísticas dos indivíduos que os interpelaram, disse lembrar-se apenas do elemento que efectuou os disparos,  escuro, com aproximadamente um metro e oitenta de altura, trajava uma calça de cor preta e que o reconheceria caso voltasse a vê-Lo. O outro tinha capacete e não desceu.

Testemunhas nº 2

“Quem efectuou os disparos que mataram o Chinho foi o Sérgio”

A segunda testemunha, identificada nos autos por Natalino André Pinto  “Ma-Natas”, com 43 anos à data dos factos, jornalista de profissão, disse ter visto dois indivíduos numa motorizada de marca Lingkeni, cor vermelha e sem matrícula.

Do seu local de trabalho, por volta das 9 horas, a vender plantas, conseguiu observar que a motorizada estava a vinte metros de si. Um deles, conforme o seu depoimento,  desceu e colocou-se a  meio da estrada, como se  estivesse a  fazer travessia, e naquele mesmo instante vinha uma viatura de marca Range Rover, vulgo tubarão, cor cinzenta.

O individuo que tinha a arma na cintura manipulou e mandou parar o automobilista, tendo pouco depois

efectuado um disparo na chaparia do lado esquerdo, o do automobilista, mas nem isso interrompeu a marcha da viatura. Foi assim que o suposto assassino se instalou na porta, pendurado, ordenando que Chinho parasse antes de ter efectuado mais dois disparos para  o interior da viatura. O passo seguinte foi a fuga da dupla  para parte incerta.

Natalino disse que quase foi morto também por Sérgio, por ter gritado “agarra gatuno, agarra gatuno”. O suposto assassino ameaçou-o de morte.

Ao SIC, garantiu que reconhecia o autor dos disparos se o voltasse a ver. “Só o indivíduo que dirigia a mota tinha capacete”, sublinha.

Auto de reconhecimento

No dia 31 de Julho de 2019, o Serviço de Investigação Criminal realizou o auto de reconhecimento do principal suspeito, estando presentes o chefe de Departamento de Combate aos Crimes Contra as Pessoas, Jorge Africano, e o instrutor processual, Ndosseba Lucas Lutezo.

Ali, Elsa Da Conceição esteve diante de vários detidos perfilados da direita para esquerda. São eles – 1º Adão Manuel Domingos, 2ºJoão Sabino Bunga Mateus, 3ºJoão Pinto Miguel, 4ºJoão Carlos Francisco, 5• Mendonça André de Araújo, 6º Sérgio de José Abílio Lendes e 7º António Manuel Tchinhama.

Foi de uma janela vidrada, com película preta, que a testemunha reconheceu, com facilidade, o número 6º, no caso Sérgio de José Abílio Lendes, como sendo a pessoa que efectuou os disparos que mataram Chinho.

Disse ainda, na ocasião, que o reconheceu pela sua característica física.

A 28 de Setembro de 2019, foi a vez de Natalino André Pinto, outra testemunha ocular, realizar o auto de reconhecimento do suposto assassino de Chinho, nas instalações do SIC, na presença de Jorge Africano.

Esteve diante de detidos perfilados da direita para a esquerda. São eles – 1º Gegé Domingos Camuimba, 2º Nelson Moutinho Sacamanda, 3º David Armando Catanga, 4º Divova Mbuta Félix Lua, 5º Sérgio de Jesus Abílio Lendes e 6º Vanio Luís José.

Igualmente a partir de uma janela vidrada com películas pretas, a testemunha reconheceu, facilmente, o quinto elemento,  Sérgio de Jesus Abílio Lendes, como sendo a pessoa que efectuou os disparos que assassinaram o ex-jogador do Petro de Luanda e internacional da selecção angolana.

Natalino disse que reconheceu Sérgio pela sua característica física e facial, tom de pele. “ Não estou equivocado pelo reconhecimento dele, pois tive tempo de gravar o seu rosto e estou disponível em colaborar com a justiça”, lê-se no seu depoimento.

Comparsa de Sérgio confirma

“Foi ele quem matou o Chinho”

No dia 18 de Janeiro de 2020, foi ouvida nos Serviços de Investigação Criminal, Departamento de Crimes Contra as Pessoas, pelo instrutor Agostinho Ferreira, a declarante Luísa Ângela Canga Capita, na qualidade de antiga vizinha do acusado Sérgio Lendes.

Disse conhecê-lo como Sérgio K e que soube, num salão de beleza em data que não se recorda, que tinha sido ele assassinar Chinho. Foi através do ex-marido, Mizé, em Luanda-Sul, Viana.

Luísa diz também que soube que Sérgio e a pessoa que o acompanhava não conseguiram subtrair o dinheiro da viatura, devido à presença de vários populares após o acto.

“Sérgio sempre andou com um amigo identificado apenas por Chrró, residente igualmente no bairro Rangel e suspeito de ter participado no crime”, salienta.

Ela acrescentou que o seu ex-marido, ao tomar conhecimento de que as autoridades estavam no seu encalço, enquanto amigo do acusado, Sérgio, fugiu para a província da Huíla.

Já Mário dos Santos Neto, ou simplesmente Mizé, o ex-marido da declarante Luísa, foi requisito de uma das cadeias, onde se encontrava detido por suspeita de assassinato do médico russo na cidade de Luanda, revela que tomou conhecimento de que o seu amigo tinha assassinado o ex-jogador.

Em reacção às declarações da sua antiga companheira, contou que um outro amigo, Chorró, lhe tinha adiantado, por telefone, os contornos do crime.

Em causa está o caso Chinho, mas importa destacar que Mizé confessou, nós depoimentos, ser ele o autor do assassinato do cidadão de nacionalidade Russa, ocorrido no bairro Alvalade, numa acção com os amigos Dadao, Mondinho, CP e o vulgo Sopa.

Daí que, após ter certificado a sua fotografia nas redes sociais, tivesse fugido para as províncias do Cunene e da Huíla, na companhia do Dadao e da Esposa Luísa, tendo permanecido  durante algum tempo.

Deslocou-se ao Huambo, suspeitando que seria detido, mas regressou à capital do país por falta de dinheiro. Confirmou igualmente ter baleado a esposa Luísa por suposta traição com um cidadão português.

Questionado sobre a pistola que utilizou no assassinato do cidadão russo e na tentativa do assassinato da mulher , de marca Jericho, disse ter comprado  a um agente da Polícia Nacional afecto à Ordem Pública, residente na cidade de Mbanza Congo.

O agente, conhecido  apenas por Ângelo, terá vendido a cento e cinquenta mil kwanzas. Trata-se do mesmo agente, refere, a quem comprou uma outra pistola, do tipo Star, no valor de cem mil kwanzas.

O acusado

“Sou inocente”

No dia 15 de Agosto de 2019, Sérgio de Jesus Abílio Lendes, vulgo Fábio K, 27 anos, mecânico de profissão, foi ouvido pela primeira vez no processo pelo digno magistrado do Ministério Público Adão Manuel Joaquim, na presença de um defensor oficioso, Gomes Domingos João, funcionário da PGR. O acusado é reside no distrito da Sapú, Projecto Nandó, rua do Puniv, casa nº 52.

Na ocasião, questionado se alguma vez esteve preso, quando e porquê, se foi ou não condenado, quando e porquê, respondeu que esteve detido num outro processo, por crime de roubo qualificado. Com a sétima como habilitações literárias,

vive com a sua irmã mais velha, cunhado e tio e está desempregado. Não consome álcool por padecer de tuberculose.

Disse também que se encontrava  detido desde o dia 26 de Julho do corrente ano.

Sobre as matérias em questão, nega os factos que lhe são imputados nos presentes autos e esclarece que nem no processo que ocorre com a instrutora Sandra, nem neste processo participou na prática de crimes.

Alega que no “processo anterior foi indicado por um conhecido, identificado apenas por João, e que quando chegou à esquadra de Catete os agentes da policia viram as fotos nos telefones e indicaram-no como sendo muito parecido com o suposto homem que matou a vítima e então encaminharam-lhe para a direcção onde foi submetido ao auto de reconhecimento”.

Disse ainda que na altura da ocorrência esteve internado na clínica do Exército durante três meses por padecer de tuberculose e que não sabia da data da alta médica.

Por outro lado, respondeu que não sabe por que  razão está a ser acusado neste crime. “Talvez por ser parecido com o retrato falado”, disse.

Frisou também que se fosse o autor do crime já seria identificado por ser muito conhecido no bairro.

Entretanto, acha injusta a sua detenção por ser inocente, e mais não disse.   

Clínica desmente

“Sérgio Lendes não esteve cá internado”

“Sérgio Lendes não esteve cá internado”

Para apurar o álibi de Sérgio Lendes, o SIC, além de enviar um ofício a solicitar um relatório e esclarecimento sobre o possível internamento do paciente Sérgio Lendes na clínica.

Deslocaram-se à unidade sanitária, no distrito urbano da Maianga,  os investigadores Ndosseba Lutezo e Vander Gomes, a fim de saberem se Sérgio esteve na Clínica da Força Aérea. Contactos com funcionários da secretaria e consultas de livros de registos de entrada mostraram que esteve para uma consulta, a 8 de Agosto de 2019, mas nunca internado.

Em caso de julgamento, talvez venham a ser ouvidas 21 pessoas, entre elas duas testemunhas e 19 declarantes. Sérgio K é acusado de homicídio voluntario e associação de malfeitores.

De resto, é visível algumas falhas ao longo da investigação, como a gritante ausência de provas forenses, pois não se conseguiu provar as impressões digitais de Sérgio Lendes na arma apreendida, supostamente usada no crime.

Assim como na motorizada usada falada pelas testemunhas.

Outro detalhe são as motivações que levaram os especialistas do SIC a não ouvirem o meliante identificado apenas por Chorró, suposto parceiro de Fábio K, que para algumas fontes deste jornal só não aconteceu porque o primeiro será  filho de uma alta patente do SIC.

Retrato falado

O retrato falado que vazou nas redes sociais sobre o possível autor do assassinato de Chinho foi realmente da autoria do SIC, constando nos autos que no dia 9 de Julho de 2019, isto é, um dia depois da ocorrência, o chefe de departamento de combate aos crimes contra as pessoas, em Luanda, solicitou ao superintendente Micael José João, chefe do laboratório central de criminalística SIC-Luanda, um retrato falado. Foi com base em depoimentos das duas testemunhas,  e o resultado foi o que vazou nas redes sociais que, bem visto, se parece muito com o acusado.

Entretanto, no dia 31 de Julho de 2019, o investigador criminal Ndossea Lucas Lutezo, ao apercebe-se que o principal suspeito do assassinato do ex-jogador Chinho estava detido nas calas dos Serviços de Investigação Criminal, no processo-crime nº 8064/019-03, pelo crime de roubo, pediu imediatamente a comparência da cidadã Elsa da Conceição Joaquim Capita, testemunha, a fim de realizar o acto de reconhecimento do suspeito.

Quem é Sérgio K?

Sérgio  de Jesus Abílio Lendes, 29 anos de idade, filho de Elias de Albertina Lendes Filipe e de Eugenia Adão Abílio, natural de Luanda, Rangel, residente no bairro Sap, Projecto Nandó, rua do Punível. Tem como habilitações literária 7ª classe.

Nas lides policiais, Sérgio de Jesus Albino Lendes é tido como um individuo altamente perigoso, assassino de aluguer que actua no município de Viana. O mesmo tem várias passagens pela policia, mas, estranhamente,

nunca foi a julgamento, pelo que se suspeita que seja protegido por alguns segmentos da justiça.

Na sua folha de serviço constam detenções como em 27 de Novembro de 2015, no processo nº 7664/015-ING, tipificado pelo crime de posse ilegal de arma de fogo. Em 26 de Julho de 2019, foi detido no processo nº 8o64/019-03, tipificado pelo crime de roubo qualificado e agora é suspeito no caso de homicídio voluntario.

As nossas fontes acreditam que o mesmo, além de protegido por algumas altas figuras que o encomendam serviços sujos, seja frequentador de casas de feitiçaria. Apesar de ser de família pobre, Sérgio é defendido por um dos melhores escritórios de advogados do país.

A pergunta que não se quer calar é: Como um desempregado consegue pagar?

Para as nossas fontes, a impunidade e liberdade de Sérgio são um autêntico perigo para a sociedade, pois ” estamos perante um assassino por encomenda bastante violento e destemido”

Em Angola já assistimos a julgamentos sem qualquer provas e os arguidos a serem condenados, como foram os casos de Santos Nhamena, condenado a 24 anos de prisão por supostamente matar a sua família, Waldir Carlos, o tal barão da droga que foi condenado a quatros anos de cadeia sem vermos as drogas no tribunal ou do caso da jovem Jessica Coelho, condenada a 20 anos de prisão sem qualquer provas forenses ou testemunhas oculares.

Agora, no caso Sérgio Lendes, mesmo com provas oculares e antecedentes, a juíza do caso alega insuficiência de provas para “fintar” o julgamento.

Mais detalhes  nas próximas edições.

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